Lembranças da meia
noite.
Não aprendi a dizer
adeus!
O apelido dele era Bocalarga.
Nunca soube o porquê, pois ele não tinha uma boca grande. Quem pôs o apelido
nele saiu do grupo e foi embora da cidade. Era uma espécie de norma ter um
apelido. Chamavam-me de Vado ou Valente. Valente nunca fui, pois o medo sempre
foi meu companheiro por toda a minha vida. Ele sempre chegava à sede sorrindo.
Que belo sorriso. Era olhar para ele e a gente se sentia bem e logo estava
sorrindo como ele. Um bálsamo para a tropa. Nos fogos de conselho bastava ele
olhar para todos e sorrir e logo a tropa estava gargalhando. Ninguém nunca o
viu triste. Seu rosto não demonstrava. Se tinha alguém que fazia questão do oitavo
artigo da lei Bocalarga seria ele. Um dia ele me contou que seu rosto era assim,
mas ele chorava e sofria muito com isto. Não dava para mudar sua expressão.
Lembro que ele um dia
me procurou sorrindo. Mas quando falou seus olhos encheram-se de lagrimas. - Monitor,
ele dizia. Meu pai foi preso. Dizem que ele era assassino, matava por dinheiro.
Eu nunca sobe disto Monitor. O pai dele foi condenado a dezenove anos de
prisão. Bocalarga continuou no grupo. Não havia motivo para afastá-lo. Éramos
um grupo de amigos e irmãos. O que aconteciam com os parentes para nós não
tinha valor. O lema de um por todos e todos por um para nós era questão de
honra. Lembro quando fomos acampar na Pedra do Mosquito. Bocalarga era da
patrulha touro e eu da Raposa. Como era uma subida íngreme sempre amarrávamos um
cabo em uma corda comprida para segurar quem escorregasse e não caísse no
despenhadeiro. Bocalarga não amarrou bem o cabo. Escorregou e caiu de uma
altura de mais de quarenta metros. Não foi em queda livre. Foi batendo o corpo
nos arbusto até que se estatelou no fundo.
Todos correram para
ajudar. A corda serviu para chegar até ele. Ele gemia de dor, mas sua face
sorria. Que coisa gente. Que coisa. Fizemos um Balso pelo Seio e ele foi içado.
Mais dores ele sentiu e sorria. Levado ao hospital teve fratura exposta no
joelho e em uma costela. Época que não sabíamos ainda como carregar feridos
nestes casos. Eu mesmo o levei nas costas por um quilometro até a Fazenda do
seu Damião. Usou muleta por muitos anos. Sempre sorrindo. Sua mãe era
costureira e resolveu ir embora para Monte Azul. Tinha lá uma tia e duas
sobrinhas. Na estação esperando o rápido da manhã eu Bocalarga e mais de uma
dezena de escoteiros estávamos calados. Não sabíamos o que dizer. Bocalarga
sorria. Penso que ele dizia para si – Maldito sorriso. Meu coração sangra e eu
fico a sorrir.
O trem chegou e na
plataforma fizemos um circulo. Cantamos a Canção da Despedida. Todos chorando e
Bocalarga sorrindo. O trem partiu. Ele na janela sorrindo. Vi nos seus olhos as
lagrimas caírem. Ficamos parados na plataforma até que o trem sumiu na curva do
Boi Marinho. Voltamos tristes para casa. É muito difícil dizer adeus a quem
está sorrindo, mas que sabemos estar chorando. Oito anos depois o vi em
Caratinga. Falamos por pouco tempo. Ele estava com alguns cavaleiros e pensei
que trabalhava em alguma fazenda próxima. Ele balançou a mão dizendo adeus, eu
fiz o mesmo. Nunca mais o vi, mas guardei dentro de mim o seu sorriso de fel.
Um sorriso que não era dele. Ninguém nunca soube que ele chorava ninguém. É, é
mesmo difícil dizer adeus a quem está sofrendo.
Boa noite meus amigos e
minhas amigas. Desejo de coração uma semana cheia de felicidade e que o Senhor
esteja com todos vocês.
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