Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O semeador de felicidade.


Conversa ao pé do fogo.
O semeador de felicidade.

                        Eu gostaria de ser um mágico. Um mágico que conseguia semear a felicidade por onde passasse. Onde minhas mãos tocassem tudo se transformaria. Poderia tocar em você e fazer seu sonho transformar em realidade. Não seriam ilusões de riquezas e poder. Seriam ilusões onde a vida se transforma na natureza levando um frescor da primavera as mentes mais saudosas do desejo de mudar. Flutuar sobre as ondas do mar até onde a vista possa alcançar só para sentir o barulho das ondas sem embarcação no meio do oceano. Eu gostaria mesmo de semear a felicidade por onde eu passasse. Fizesse sorrir aqueles olhos tristes de alguém que se foi e o trouxesse de volta. Semear um novo sorriso a quem acha que o mundo não merece um doce sorriso ao amanhecer e ao entardecer.

                            Eu gostaria de ser um mágico. Com uma varinha de condão trazer o colorido do arco íris a criança que sonha em ir até ele. Dar a ele o pote de ouro que ele acreditou que teria se fosse até lá. Levar um lago azul com montanhas brancas e geladas aos sonhadores do mundo. Mostrar que cada um de nós consegue conduzir um rumo a esta felicidade não alcançada se tivermos fé. Fé que remove montanhas. Ah! Como eu gostaria de poder ser um semeador de felicidades. Semear a brisa de um outono para trazer de volta o perfume das flores que se esqueceram de florir. Semear em uma estrada belas canções que pudesse levar a todos que a alegria de cantar nesta jornada da vida tem valores imensos. Fazer uma criança sorrir, um adulto ao seu lado feliz seria minha meta de semeador de ilusões reais.

                     Eu gostaria mesmo de ser um mágico. Para dizer que valores são preciosos quando conquistamos com um sorriso. Quando um aperto de mão verdadeiro tem valores que poucos podem medir. Eu queria com minha varinha mágica criar uma bela montanha verdejante no topo do mundo. Sorrir ao lado da Tropa que lá está e arvorou sua bandeira. Com um simples gesto deixar que eles pudessem ver o que poucos viram, e que eles pudessem alcançar um mundo colorido que todos nós sonhamos. Que a noite as estrelas piscassem seus brilhos em cores faiscantes para iluminar o caminho de cada um no seu amanhã que virá.


                   Que bom seria se fosse um semeador de ilusões reais com um simples toque de mão. Tentar mudar as dores do mundo para os que acreditam que elas podem acabar. Com minhas mãos criar um banco dourado para que os sofredores pudessem sentar em frente a um lago azul esperando um belo nascer do sol... E fazer  tudo mudar. Tentar captar um bando de andorinhas a voar pelo sol vermelho do horizonte semeando canções de amor. Mãos mágicas que eu não tenho. Semear felicidade eu gostaria, mas não posso. Nem sempre palavras atingem aqueles que mais precisam. Mas eu não desisto. Nunca desisti. Contra ou a favor procuro sempre ser um semeador de felicidade. Que bom seria se em todas as dificuldades qualquer um fosse um mágico e dissesse – Abre-te Sésamo! E as tristezas seriam guardadas para sempre na caverna da vida e assim viveríamos felizes para sempre!

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Escoteiro não durma. Se dormir você morre!


Lendas escoteiras.
Escoteiro não durma. Se dormir você morre!

                      Ainda faltava uma hora e meia para chamar Meiasuja. Meu amigo de muitos anos e Escoteiro sênior como eu. Meus olhos queriam fechar. Um sono incrível. Não sei se aguentaria sem dormir por muito tempo. A noite estava gostosa. Uma brisa fresca, um céu estrelado e naquela clareira da Floresta da Jiboia nada dizia que seriamos incomodados por chuva ou outros “bichos” naquela noite. Meus olhos fecharam. Tentei abrir. As pálpebras não obedeciam. Forcei novamente. O melhor era levantar beber um pouco de água, passar um pouco no rosto e tomar um café que estava quente no bule em cima das brasas do fogo, pois assim meu sono seria espantado. Por pouco tempo é claro. Já tinha feito aquela rotina por duas vezes. Abri os olhos. O que vi me matou de susto de uma só vez! Fiquei paralisado. Meiasuja tinha me prevenido. Melhor fazer uma guarda, cada um fica três horas e meia. Lembre-se não durma! O Seu Ptolomeu foi sincero em tudo que nos contou.

                      E dai? Adiantou? Consegui abrir o olho, mas não consegui me mexer. Era a visão da morte. Não dava um níquel pela minha vida. Os dois eram enormes. Seus olhos eram brasas vermelhas a brilharem no escuro. Seu Ptolomeu disse que não era comum Puma daquele tamanho na região. Eles lá na roça os conheciam como Onça Pé de Boi. Matavam para viver e quando apareciam o gado ia aos poucos sendo sacrificado. Diziam continuou que eram animais fantásticos e que muitos caçadores e pescadores que conseguiram sobreviver juram que era uma Onça enorme, andando sempre aos pares com uma femea. Assim era difícil escapar. Encurralavam em algum lugar e enquanto matavam um e comia a femea esperava sua vez. Se vocês estiverem armados, matem primeiro o macho. Só assim poderão sobreviver, pois a femea vai fugir. Pescoço, você e Meiasuja tomem cuidado. A Suçuarana que aqui chamam de puma podem matar vocês só com uma pata.

                      Não me mexia. O corpo tremia. Urinei na calça uma vez. Seriam várias naquela noite. Olhava aqueles olhos vermelhos que não piscavam. Os dois pumas estavam um ao lado do outro e a menos de três metros onde estava. Meiasuja estava atrás de mim dormindo nem imaginava o perigo que corria. Pensei em acordá-lo, mas estava tremendo. Se ele acordasse e gritasse já era! – O que fazíamos ali? Por Deus deveríamos ter voltado. Seu Ptolomeu foi enfático. Agora era tarde de mais. – Tudo começou no Conselho da Tropa Sênior. O Grande Acampamento Distrital Sênior que fazíamos a cada dois anos seria em nossa cidade e iria acontecer uma grande Olimpíada Técnica Escoteira. Precisávamos de um local para alojar mais de duzentos seniores de seis distritos Escoteiros. Não poderia ser um lugar qualquer. – Era condição mínima ter uma mata, um rio ou riacho mais largo, remansos para banho, se possível quedas d’água para pioneiras de grande porte e muita madeira. Todos nós conhecíamos uma infinidade de lugares, mas mesmo assim o Chefe Pantaleão no Conselho de Tropa Sênior deu sua opinião que prevaleceu.

                      Vocês são doze. Duas patrulhas. Tem muitas estradas vicinais que ainda não exploramos. Vamos nos dividir em duplas.  Levar toda a patrulha não vai dar tempo de achar um local novo e desconhecido para todos. Vamos sair pela manhã do próximo sábado e voltar no domingo à tarde. Vamos sortear aonde cada um vai. Na semana seguinte nos reuniremos para ver o que vocês encontraram. Assim foi dito, assim foi feito. Nosso destino seria a Floresta da Jiboia. Nunca estive lá. Tinha ouvido falar. O Rio Taquari corria em suas entranhas mais fechadas. Até pescadores evitavam ir lá. Mas éramos seniores. Afinal o difícil para nós era fácil. Impossível? Nunca, dizíamos. O possível se faz agora e o impossível daqui a pouquinho.

                      Para ser sincero não dei muita bola para o que disse o Seu Ptolomeu. Já vi onças muitas vezes e a maioria se espantava e sumia no meio das matas quando nos viam. Portanto estas tais pumas quando nos visse fariam a mesma coisa. Iriam fugir como o diabo foge da cruz. Ainda bem que o Meiasuja deu a ideia da sentinela. Mas não achei que adiantou muito. Estava petrificado, olhando aqueles enormes pumas a minha frente. Como sênior aventureiro já tinha visto a morte de perto muitas vezes. Naquele buraco fedido no Espinheiro da Maloca, onde nunca tinha visto tantas surucucus reunidas em um só local. Ou mesmo na Garganta do Espantalho, onde caí dentro de um buraco de formigas gigantes. Safei-me de muitas e outras borrava de medo. Nunca fui valente. Mas gostava daquilo que fazia. Agora não. Sabia que não haveria escapatória. Atrás de mim, deitado em uma manta e com a cabeça na mochila Meiasuja dormia como um neném recém-nascido.

                       Um dos “monstros” sem pêlo deu mais um passo a frente. A femea fez o mesmo. Estava morto e não sabia. Olhavam-me dentro dos olhos. Não aguentei mais. A calça ficou toda molhada. Perdi os sentidos. Não tive sonhos e nem pesadelos. Acordei uma hora depois pensando estar no céu. Os dois pumas estavam deitados aos meus pês e dormiam como anjinhos. Acho que aproveitando o calor das brasas do fogo que já se extinguia. Cutuquei Meia suja. Ele custou a acordar. Fiz o sinal de silêncio com o dedo à boca. Ele então viu os pumas. Saímos pé ante pé. Subimos na primeira árvore que encontramos. Cada um em um galho. Ficamos lá por um bom tempo.  Pela manhã os pumas foram embora e nós também. Sempre a olhar na longa trilha da mata se eles resolvessem nos emboscar. Foi duro sabe muito duro. Não tinha levado roupa reserva. Todo molhado e vi que não era só isto, pois tinha mais coisa na roupa. Saímos da mata duas horas depois.

                     Passamos pela fazenda do Seu Ptolomeu. Ele abanou a mão. Estava dando um trato na sua vacada de leite. Não paramos para comentar. O medo era demais. No Conselho de Tropa Sênior todos deram boas risadas. Alguns não acreditaram em tudo que contamos. Que seja. O Acampamento Sênior Distrital foi realizado com muito êxito. Nossa patrulha não ganhou nada nas olimpíadas, mas eu e Meiasuja fomos batizados de “Escoteiros Melosos”. Bem não foi propriamente meloso, mas o nome próprio não deve ser colocado aqui. Um dia na Barbearia do Mico Preto, eu cortava o cabelo e o Seu Ptolomeu entrou. Quando me viu riu e disse – Sabe? Nunca mais vi os dois pumas. Não perdi mais nenhum boi. O que vocês fizeram para eles sumirem deste jeito? Falar o que? Será que eles aproveitaram o calor do fogo e o calor de dois meninos Escoteiros e em troca da amizade e hospitalidade oferecida foram embora?


                  Um dia chamei Meiasuja e disse – Acho que devemos voltar lá. – Nem pensar Pescoço, nem pensar! Mas no meu intimo queria saber se os pumas ficaram meus amigos. Uma dúvida que persiste até hoje. Cresci e não voltei. Não soube de mais nada deles na Floresta da Jiboia. Soube sim que outras patrulhas acamparam lá e nem sinal dos pumas. Ainda bem. Histórias são histórias. Acreditem se quiser! Risos.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Tem jeito?


Conversa ao pé do fogo.
Tem jeito?

                   Mary esperava que Suzy a sub monitora apresentasse a patrulha, pois era de sua responsabilidade quando em formaturas olhar para ver se todas as Escoteiras estavam em posição de alerta olhando para frente e distantes um braço entre uma e outra. Foi então que lembrou que Suzy não tinha vindo à reunião. Dois sábados seguidos. Olhou para trás e viu Anete e Luiza formadas. Elas olharam para Mary e sorriram. Melhor era apresentar. Fez a meia saudação e apresentou a patrulha a Chefe Martinha. Mary em silencio pensava o que estava havendo. Não tinha a mínima ideia. Ela também era nova na tropa, ia fazer um ano e meio no mês que vem. As duas que estavam presentes uma tinha três meses e a outra cinco. Uma tristeza invadiu seu pensamento. Desde que assumira a monitoria que perdera mais de seis meninas. Elas apareciam ficavam quatro ou seis meses e depois não vinham mais.

                   Já havia meses que Mary pensava em uma forma para que as meninas não saíssem assim. Ela não entendia e achava que quem entra no escotismo tem de ter o coração Escoteiro. Isto era sempre lembrado no grupo. Mas quantas até hoje tinham este coração voltado para o escotismo? Olhou as duas outras patrulhas. A Maçarico tinha quatro e a Lobo dois. Somando as meninas presentes não passavam de nove. Ruim até para fazer um jogo e isto obrigava a um revezamento para que desse certo a competição. Ela sonhava com a Lis de Ouro, mas cada dia via que ela estava mais longe. Na última Corte de Honra comentou sobre as saídas das escoteiras. A Chefe Martinha a culpava por não saber motivar as meninas. Mas como motivar? Ela pensava nisto e não sabia a solução. Conversou muitas vezes com as monitoras Hildes e a Jô. Elas também não sabiam o que fazer. No mês passado foi à casa de cada das que saíram para conversar. A mesma explicação – Não estamos gostando. Lá não tem nada de interessante!

                    Sabia que se continuasse assim o jeito era se unir a Tropa Escoteira que estavam iguais a elas. Eles estavam com onze frequentando. Nem sabia quantos eram, pois assim como elas muitos sumiam para nunca mais voltar. Pensar quantos iriam estar presentes reunião seguinte ninguém tinha ideia. Ela sabia que a Chefe Martinha entrara para o grupo por causa de sua filha que ainda era lobinha. Fizera muitos cursos e foi convidada para assumir a tropa no lugar  da Chefe Noêmia que se desentendeu com outros chefes e foi embora. Ela lembrava que há alguns meses atrás houve uma reunião onde a formatura para o cerimonial de bandeira eles estavam com um bom número. Foi lindo ver que a ferradura ficou maior. Mas foi só um sábado. Os lobinhos diziam que um dia a Alcateia teria os vinte e quatro lobos e lobas, mas hoje não eram mais de que oito. Ela sorria quando adentrava no pátio da sede uma mãe com uma menina ou um menino. Chefe Marlon atendia bem a todos eles e no sábado seguinte já eram incorporados ao grupo. Uma rotina que não dava resultado, pois uma entrava e outra saia.

                    Ela em um ano e meio só fez um acampamento e duas pequenas jornadas. O acampamento esperado foi cansativo. Foram os lobinhos e os Escoteiros juntos. Acamparam em um campinho de futebol de um clube de campo. Ela se divertiu quando chegou sua vez de passar na Falsa Baiana, não deixaram elas fazer o comando Crawl e adorou rastejar no barro. O Fogo de Conselho foi divertido e ela fez questão de montar uma esquete com sua patrulha. Queriam outros, mas na Corte de Honra a Chefe Martinha disse que um acampamento era difícil para preparar, havia muitas exigências e os chefes tinham de tomar cuidado com acidentes. Ela soube que um Escoteiro em um estado brasileiro perdera a vida e isto complicou muito os acampamentos da tropa.

                    A reunião deste sábado como sempre sem graça. Um ou dois jogos já conhecido, a Chefe Martinha sempre a explicar os jogos para todos juntos, demorava sua explicação e elas no sol quente esperando o inicio do jogo. Depois iam para a sala e lá ela ensinava muitas coisas aproveitando o quadro negro. Teve um dia divertido. Fora distribuído para todas varias cordinhas e ficaram uma boa parte da reunião fazendo nós. Ela achava ruim quando o Diretor Técnico vinha ensinar alguma coisa. Elas sentavam na grama isto quando não ficaram na sede sentadas no banco e ele falava, falava e parecia não terminar nunca. Ela lembrava que quando o Chefe distrital aparecia sempre fazia um jogo novo com elas e ia embora. Muitas vezes a Chefe Martinha ia fazer curso e não tinham assistentes. Assim elas se juntavam aos Escoteiros cujo Chefe achava que elas eram meninos com jogos de corrida ou de força.

                    Naquele dia Mary ficou pensando porque ela ainda não tinha saído do escotismo. Mary desconhecia por completo como devia ser o sistema de patrulhas, nunca ouviu falar do fazer fazendo. Não tinha conhecimentos de treinamento delas pelas chefes em separado. Nunca pensou que as monitoras e subs deviam acampara com a Chefe formando a patrulha de monitores. O pior que os grupos irmãos que elas de vez em quando encontravam em alguma atividade distrital reclamavam a mesma coisa. No final da reunião a Chefe Martinha perguntou se alguém resolver participar do Jamboree. Mary riu. Nunca poderia ir. Como pagar? Mas a Hildes dissera que iria. Ela tinha menos de quatro meses de tropa. Ela sabia que na volta seria uma festa de quem tinha ido. Iriam contar como foi às atividades, as amizades, Escoteiros de muitos países e para encerrar diriam – Você devia ter ido! Perdeu um grande Jamboree!

                     Mary ao terminar a reunião foi para casa. Era perto, apertou naquele dia a mão de cada uma da tropa e deu um abraço apertado na Chefe Martinha que ficou perplexa com aquilo – Que houve Mary? Chefe estou despedindo. Para mim não dá mais. Desculpe mas acho que meu coração não é Escoteiro. Mary chorando e saiu correndo da sede. O Chefe Maílson perguntou a ela – O que houve com a Mary? Foi embora. Disse que não ia ficar conosco mais. Você sabe como é qualquer um pode entrar em um Grupo Escoteiro, mas ser Escoteiro não é para qualquer um!


T  E  M      J  E  I  T  O?

domingo, 26 de outubro de 2014

Ariranha, um cão inesquecível.


Lendas Escoteiras.
De todos os meus contos este eu amei e nunca esqueci. Quem sabe foi real?
Ariranha, um cão inesquecível.

          Não tenho certeza se foi em 1953 ou 1954 que conheci Ariranha. Nove dias para ser exato convivemos juntos em um acampamento de tropa na Mata do Quati. Não dá para esquecer, pois foi nossa segunda Olimpíada Escoteira, e a cada ano elas marcavam época. Idéia do Munir, um Pioneiro meio afastado do grupo. Chefe Jessé relutou, mas a Corte de Honra achou a ideia esplêndida. Era uma Olimpíada diferente. Sempre acampávamos em uma clareira próxima ao Rio do Morcego, onde se avistava a bela cachoeira do Sonho. Na época da Piracema era um espetáculo ver os peixes tentando subir nas corredeiras e pulando sobre as pedras. Se podia pegar com a mão.

          As provas eram somente de atividades aventureiras e técnicas. – Subir em árvores de seis metros de altura em um minuto. – atravessar o rio nadando em dez minutos ida e volta (60 metros). – Fazer 25 nós escoteiros ou de marinheiro em seis minutos de olhos fechados. – Deixar-se cair da cachoeira (oitos metros) em um tambor vazio de 200 litros. – Semáforas e Morse uma prova onde tínhamos grandes sinaleiros. – Fazer um café e pão do caçador em oito minutos. – Uma fogueira em dez minutos que durasse quarenta minutos sem alimentar. – Cortar uma tora de madeira de oito polegadas em oito minutos usando só um facão. – Trilha e pista de animais e tantas outras que deixaram saudades.

         O caminhão da prefeitura nos deixou pela manhã na trilha da mata que levava ao Rio do Morcego. O resto era a pé. Apenas quatro quilômetros. Adorávamos este acampamento anual. A Patrulha se preparava meses antes. O troféu pela vitória alcançada não eram medalhas. Uma faca Escoteira, um canivete Suíço, uma bússola, vários distintivos de lapela com flor de lis, prêmios que ambicionávamos muito. Cada Patrulha tinha o seu campo separado da outra mais ou menos por oitenta metros. As pioneiras eram feitas no primeiro dia, pois no segundo as Olimpíadas começavam.

         Lembro que estava fazendo uma fossa para o WC quando avistei Ariranha. Notei algum diferente. Parecia um lobo Guará, mas tinha o pêlo cinzento e quase sem rabo diferente do lobo que conhecia bem. Quem sabe era um cruzamento com um vira-lata qualquer com alguma loba perdida por aí. Ele nunca sentava. Sempre em pé, orelhas para o alto e olhando sem piscar o que fazíamos. Quando me aproximava ele dava alguns passos para trás e parava. Durante todo o dia ele ficou lá, próximo ao nosso campo de patrulha. Acho que foi o Israel que lhe deu o nome de Ariranha. Porque não sei. À noite quando íamos dormir ele ficava na entrada do pórtico com se fosse velar nosso sono. Pela manhã impreterivelmente lá o encontrávamos.

        Durante a realização das provas da Olimpíada, ele ficava muito próximo a mim. Uma vez entrando na mata a procura de uma pista pisei em falso e um enorme corte se fez em minha perna bem abaixo do joelho. Ele veio até a mim pela primeira vez e lambeu onde o sangue escorria. Parou na hora. Quando passei a mão em seu pêlo saltou de lado e tomou distância. Uma noite acordamos com seus latidos. Latia para uma enorme cascavel que impreterivelmente invadiria nosso campo. Ele a espantou. Outra vez seus latidos foram mais altos e foi à tarde quando estávamos tomando banho no córrego da Lagartixa. Desta vez era uma Onça parda. Fugiu com seus latidos.

          Durante os nove dias de campo, Ariranha lá permaneceu. No último dia no cerimonial de bandeira Ariranha se colocou ao meu lado na ferradura. Não me olhava. Estava fixo na bandeira Nacional. Enquanto ela farfalhava ao sabor do vento e descia dos céus seus olhos acompanhavam. Quando as patrulhas deram o grito ele ficou no meio e pela primeira vez se deixou abraçar. Foi um espetáculo comovente. Todos os escoteiros das demais patrulhas vieram também abraçá-lo. Ao partirmos ele nos acompanhou até a estrada onde pegaríamos o caminhão da prefeitura. Ao subir na carroceria ele estava lá me olhando. Abanando o pequeno rabo ele deu um uivo enorme. Gritante e choroso. Como se fosse um lobo de verdade se despedindo para sempre. Ainda nos acompanhou por alguns quilômetros mas depois sumiu em uma curva no meio da poeira da tarde.


           Voltei para casa chorando. Chorei por vários dias. Devia ter trazido ele comigo, mas meu pai disse que ele era da floresta, nunca iria se acostumar na cidade. Chamei o Romildo na semana seguinte e fomos até lá de bicicleta. Rodamos e rodamos e nem sinal de Ariranha. Nunca mais o vi, mas nunca mais o esqueci. Ariranha ficou marcado em nossa Patrulha lobo. No nosso livro de Atas ele teve um lugar especial. Não sei se é fácil explicar como se ama um cão/lobo em poucos dias e nunca mais o esquece. Não sei mesmo. Até hoje me lembro de Ariranha com saudades. Histórias são histórias, tem umas que marcam, tem outras que ficam gravadas em nossa mente para sempre!

sábado, 25 de outubro de 2014

O grande amor da escoteira Nadya Romanov.


Lendas escoteiras.
O grande amor da escoteira Nadya Romanov.

            Nadya Romanov era Escoteira. Tinha quatorze anos e faria quinze no final do mês. Nadya Romanov era linda. Alta para sua idade, corpo bem feito, cabelos encaracolados de um castanho avermelhado. Sua pele alva e sua face rosada, olhos verdes como se fossem duas turmalinas, completavam a beleza que irradiava para todos seus amigos ou não. Nadya Romanov amava o escotismo. Com paixão. Só falava nele em todos os lugares aonde ia. Nadya Romanov era excelente aluna. Sempre a primeira da classe. Sua Chefe Marlúcia Javiere tinha uma afinidade grande com ela. Quem sabe pelo seu esforço pessoal, pois era de família humilde e seu pai e sua mãe faleceram quando nasceu. Foi criada pela Avó Dona Cataryna Romanov, cuja pensão do marido era mínima.
           
           Nadya Romanov foi à primeira Escoteira a conseguir o Lis de Ouro em sua tropa. Fora lobinha Cruzeiro do Sul e há um ano eleita monitora da Patrulha Touro. Suas patrulheiras tinham grande simpatia por Nadya Romanov. Todos diziam que um dia ela seria uma das melhores chefes que o Grupo Já teve. Nos acampamentos e excursões estava sempre se movimentando ou ajudando onde sentia que podia completar a tarefa. Mas este mundo não é feito só de alegrias. Dizem que nada é para sempre. As coisas acontecem com qualquer um e Nadya Romanov não escapou das teias do destino que devia fazer parte da sua vida.

          Nadya Romanov estava apaixonada. Nunca pensou que pudesse acontecer. Um amor louco, uma paixão enorme por alguém mais velho que ela. Andrey Kobilya vinte anos. Aconteceu ao acaso. Andrey Cobilya vinha a toda pela rua em seu conversível amarelo ouro quando Nadya Romanov atravessou a rua. O sinal aberto para ela. Quase foi atropelada. Ele desceu do carro e queria levá-la ao hospital. Andrey Cobilya era um cavalheiro. Impressionava todas as mulheres pelo seu porte, seu rosto de Tom Cruise e seu sorriso encantador. Levou-a até sua casa, Nadya Romanov estava muda. Não conseguia falar. Seu coração não parava de bater. Seu corpo tremia Esqueceu-se de convidá-lo para entrar, mas ele a levou até a sala. Sua Avó ficou fã de Andrey Cobilya. Nadya Romanov esqueceu-se do escotismo.

          Saíram diversas vezes. O primeiro beijo aconteceu em uma noite de luar, próximo a praia da Areia dos Sonhos. Foi um beijo delicioso. Mexeu com tudo em seu corpo. Seus olhos fecharam e abriram novamente nas nuvens brancas do espaço sideral. Como se fosse uma carruagem puxada por dois cavalos brancos com crinas esvoaçantes ela e seu amor cumprimentaram a lua, um cometa que passou e as estrelas cintilantes no céu. No entanto, Andrey Cobilya era filho de um Capo da “Cosa Nostra”, para dizer a verdade ele era o “Capo di tutti capi”, ou seja, o Chefe dos chefes dentro da Máfia. O Senhor Nicolau Cobilya era conhecido. Dono de estradas de ferro, fábricas e diziam a boca pequena que era o maior chefão que a Máfia conhecera. Andrey Cobilya a levou a visitar seu pai. Ele beijou suas mãos. Elogiou. Falava rouco. Mexia com as mãos. Atrás dele sempre dois brutamontes que deviam ser seus capangas. Nadya Romanov teve medo. Já não frequentava mais os escoteiros. Seu coração pendeu para o outro lado.

           Seus irmãos escoteiros sentiram sua falta. A Chefe Marlúcia Javiere chorou muito ao saber da decisão de Nadya Romanov. Uma tarde um tiroteio em uma boate pôs fim à vida de Andrey Kobilya. Nadya Romanov tinha o coração partido. Mesmo sabendo que as dificuldades são enfrentadas pelo Escoteiro era difícil aguentar. Não sabia o que fazer. Só vivia em seu quarto. Chorando, pedindo a Deus que a levasse para junto do seu amor. O pior aconteceu. Nadya Romanov aos quinze anos estava grávida. Não sentiu pavor nem medo. Andrey Kobilya deixou para ela uma parte de sí. Iria amar seu filho para sempre. O Senhor Nicolau Cobilya queria levá-la para sua casa. Afinal era seu neto. O primeiro. Nadya Romanov não aceitou. Sua Avó apoiava em tudo. Voltou para o escotismo. Uma alegria geral de todos. Contou a cada um sua vida. Apoio total. Ivan Romanov Kobilya nasceu em 19 de novembro. Dia da Bandeira. Ivan Romanov Kobilya não perdia uma reunião da tropa Sênior/guia. Era amado por todos.


               Ela acostumou com os dois homens que dia e noite a protegiam e ao seu filho. Sabia que de uma forma ou outra estava ligada a Máfia. Não tinha jeito. Mas gostava sim de seu sogro. O Senhor Nicolau Cobilya era todo amor com o neto. Dava tudo que ele pedia. Foi com ela e ele percorrer o mundo. Eles ficaram muito tempo na Cicília, principalmente em Palermo. Ela conheceu muitos “padrinhos” que faziam parte de sua família.  Dizem que muitos anos depois, muitos anos mesmo Ivan Romanov Kobilya se tornou capo com a morte do Avô. Não sei bem o final da história. Sei que até hoje Nadya Romanov é Chefe Escoteira. Insígnia de Madeira. Seu filho cresceu como lobinho, foi Escoteiro Sênior e Pioneiro. Aqui a história termina. A máfia dominou o grupo? Não sei. Acho que não. Nadya Romanov já é Diretora Técnica e ama o escotismo mais que tudo. Sem imposições e sem donos. O distrito e a região tinham o maior respeito com ela. Pudera! Risos. Seu filho agora era o Capo dos “Capos”. Melhor calar e ir acampar. Com esta turma é melhor distância. Mochila as costas, bornal no pescoço, bandeiras ao vento e lá vamos nós! Xau capo dos capos! Risos.

Era uma vez... São Pedro lá do céu!


Lendas Escoteiras.
Era uma vez... São Pedro lá do céu!

                Não me lembro do seu nome. Pudera ele nunca disse, pois assim como chegou ele partiu. A gente o chamava de São Pedro, aquele que mora no céu. Uma barba branca que de tão branca ao ficar ao sol se tornava azulada. Era magro e quem o olhasse bem de perto diria que suas carnes pelo corpo não existiam. Deveria ser formado de osso puro. Usava uma roupa simples, calça caqui curta bem puída e uma camisa verde com alguns rasgos no ombro. Usava um cinto. Era o nosso conhecido. Sem sombra de dúvida era um cinto escoteiro. Esquecemos até que em sua cabeça também morava um chapéu de abas largas, mas que agora estava decaído, pois se mostrava velho, com pequenos furos. No banco que estava sentado havia uma pequena mochila, diferente das que nos conhecíamos. Nunca vimos o que tinha dentro dela. Sua figura chamava a atenção, tinha os dentes perfeitos e quando sorria maravilhava a todos. Falava como se estive declamando poesias tipo aquelas que nosso professor de português declamava sem sorrir e querendo ser o que ele nunca foi. Um poeta.

             Não lembro quem o viu pela primeira vez, sentado no banco da Praça da Estação. Praça nova, árvores recém-plantadas. Hoje lindas enormes e as palmeiras? Bem não estou aqui para falar dela e sim do velhinho de barbas brancas azuladas, ou melhor, São Pedro lá do Céu. Quando lá cheguei outros lá estavam. Pudera gente estranha na cidade e se fosse Escoteiro era motivo de jubilo por parte de todos. Mas o cinto e o chapéu identificavam alguém que poderia ter sido ou poderia não ser. Em volta daquele simpático velhinho nós pequeninos Escoteiros agachados em sua frente de olhinhos arregalados queríamos saber de tudo. Ele tinha um leve sorriso e de vez em quando seus olhos fechavam parecendo que iria dormir. Sonhador chegou correndo. Era e sempre foi o nosso porta voz. As patrulhas confiavam nele. Sabia falar como ninguém, um proseador que não perdia nunca o fio da meada.

                   Todos nós esperávamos que nosso acólito trouxesse a tona e desvendasse o segredo do Chapéu e do cinto que acintosamente aquele velhinho, ou melhor, São Pedro lá do céu portava. Ao menos a fivela estava limpa. Não brilhava, mas ainda tinha a cor da originalidade quando produzida. O chapéu mesmo limpo não tinha as abas retas e planas. Tinha um semblante que encantava. Sonhador disse que o ouviu falar que estava com fome. Nós não ouvimos nada. – façam uma vaquinha! Conseguimos doze paus. Perna Seca e Orelhudo foram correndo ao bar do Zé Moreno. Voltaram com quatro coxinhas e seis bolinhos de carne. São Pedro lá do Céu comeu com gosto. Educadamente. Mastigava como se estivesse contando cada mordida. Beleleu levou Narigudo até sua casa na bicicleta. Voltaram em dez minutos com um cantil cheio de água e uma garrafinha de groselha. Ele sorria e falava baixinho com Sonhador.

Lá pelas tantas discutimos onde ele iria dormir. Velho assim era difícil levar para a casa dos dezoitos meninos Escoteiros que se ajuntaram em sua frente na Praça da Estação. Seus pais poderiam estranhar. Bororó Monitor da Onça Parda sugeriu trazer a barraca de duas lonas da chefia e um cobertor do exército que ganhamos. Na grama atrás do banco a barraca foi armada. Sonhador disse para ele que podia dormir tranquilo. O Guarda Noturno era o Zé Birosca, antigo Escoteiro. Ele estava em casa. Ficamos lá até por volta de nove da noite. Fui embora pensativo. De onde era? Como chegou? Seria um antigo Escoteiro ou um Chefe? Dormi pensando e durante todo tempo de escola nem vi o que os professores disseram. Queria que as aulas terminassem para correr até a Praça da Estação.

Encontrei Bico Doce e Orelhudo conversando. Ele se foi me disseram. A barraca estava desarmada e bem dobrada nos moldes Escoteiros. Os espeques limpos e enrolados em um jornal. Se ele dormiu ali levantou cedo. Antes do alvorecer. Zé Birosca o Guarda Noturno disse que não o viu ir embora. Seu Nonô Fogueteiro Chefe da estação disse que o maquinista Zé Be Deu o levou como carona no trem de carga das cinco da matina. Fiquei decepcionado. Se ele fosse um dos nossos quantas novidades para nos contar? Sabíamos que nossa fraternidade era enorme, mas só umas fotos apagadas de uma revista que um viajante nos presenteou nós vimos Escoteiros de outros países. Será que eles seriam iguais a nós?

Na semana seguinte eu e Orelhudo encontramos Zé Be Deu o maquinista. – Desceu em Crenaque. Disse que iria atravessar o Rio Doce em uma jangada que ele guardava na Caverna do Morcego. Falou baixinho que iria rever seu amigo o Cacique Abaeté dos Aimorés do outro lado do rio. Eram amigos de séculos e séculos. Séculos? Pensamos no que disse o maquinista. Perguntamos mais e ele não disse mais nada. Olhei para Orelhudo que balançou a cabeça. Imortal? Seria ele realmente São Pedro lá do Céu? Meninos Escoteiros a filosofar. Durante muitos anos nos Fogos de Conselho e em Conversas ao Pé do Fogo nós levantávamos a história de São Pedro lá do Céu. Falou-se tanto que agora para os novos ele era um Santo. Santo Escoteiro?


A minha vida fechou-se duas vezes antes de se fechar –
Mas fica por saber
Se a imortalidade me revela
Um evento maior

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Minha incrível e saudosa Cascavel da pele vermelha.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Minha incrível e saudosa Cascavel da pele vermelha.

        Não se enganem. Foi mesmo uma grande amiga. Não falo do ser humano, por favor! Falo de uma cascavel que morava nas Colinas do Pastor. Acho que foi em um inverno rigoroso que a conheci. Foi assim subitamente e não esperava. Andando na mata espessa fiquei preso com o pé direito entre dois galhos secos. Tentava sair e não conseguia. Não era longe do nosso campo de patrulha. Porque saí só? Quer saber mesmo? Fui procurar um lugar mais calmo para falar com o Miguel. Risos. Acho que vocês sabem quem é o Miguel e não dá para levar companhia. Estava eu lá olhando a folhagem de uma bela Aroeira Pimenteira, enorme, parecendo ter mais de duzentos anos de idade quando ouvi o chocalho. Nem deu tempo para fazer os “entretantos”. Sabia que o chocalhar de um chocalho é pernas para quem vos quero. Não deu outra dois passos e fiquei preso com o pé direito e o esquerdo ali se oferecendo para uma mordidinha que iria me fazer feliz para sempre lá no céu.

         Eu sabia que muitos falam mal das cobras. Dizem que são animais traiçoeiros e devemos ter o máximo de cuidado. Eu nunca tive medo delas. Sabia que só nos atacam quando se sentem ameaçadas ou algum infeliz pisa em cima delas. Até aquele dia tinha visto inúmeras Cascáveis. Nossa patrulha tinha um convenio com o Instituto Butantã em São Paulo. Eles nos mandavam as caixas de madeiras apropriadas e era só entregar ao Chefe da Estação da Vitória Minas e ele enviava. Em troca nos mandavam soro antiofídico que era doado para o hospital local. A Cascavel sempre foi a mais temida. Seu chocalho arrepiava os mais valentes dos Escoteiros e até o Zé Morto Vivo quase morreu quando foi picado e olhe, estava com um trinta e oito, um fuzil Mauser, duas facas e dois punhais. Não morreu, pois o humilde Zé Morto Vivo tinha uma reza “braba”. Portanto vamos dar um crédito as Cascavéis. Elas avisam e muito. Só um idiota e um imbecil não foge do seu chocalho.

       Falando em chocalho dizem que a gente pode saber quantos anos ela tem. Comentam a boca pequena que cada anel, ou melhor, cada guizo é formado quando ela troca de pele. A pele sai no sentido da cabeça para a cauda e ai, uma parte fica presa formando um dos anéis. Comentam também que a vida útil (ou inútil para quem já foi mordido e não foi desta para melhor) troca de pele três ou quatros vezes por ano. Portanto uma cobra com nove anéis no chocalho tem provavelmente entre dois e três anos. Mas vamos com a história da minha querida Cascavel da Pele Vermelha. Ela sim já me avisara que estava ali. Que eu me mandasse rápido pela trilha que tinha vindo. Mas o pé direito preso e ainda colocando as calças no lugar certo só me cabia rezar. Foi então que um Sapinho-cururu passou por mim e não viu a linda cascavel de bote armado. Bela refeição ela comeu.

         A cobra se esticou toda. O pobre do sapinho tentava mesmo vivo sair da barriga dela. Não conseguia. Fiquei com pena do sapinho. Tão miudinho e servindo de lauta refeição para Dona Cascavel. Consegui me desvencilhar e me mandei dali. Uma hora depois vi de novo a Cascavel da pele vermelha na porta do nosso campo de patrulha. Todos gritaram – Mata! Mata! E só vi o tripé de bastões balançar e servir aos valentes patrulheiros. Ela é claro deu no pé ou no rabo não sei. Passou meia hora e lá estava ela de novo a me olhar. Não olhava para nenhum dos big boys Scouts, só para mim. Caramba, pensei. Será que se apaixonou? Eu namorar uma Cascavel? Eis que neste interim vai a passos de tartaruga uma grande e deliciosa lesma. Pluf! Uma bocada e lá foi a lesminha para o fundo do poço da Cascavel.

           Estava agora entendendo a jogada da Dona Cascavel da pele vermelha. Ela sabia que ao meu lado um lauto almoço sempre aparecia. Fazer o que com sua escolha em me ter como Mestre Cuca Cobreiro? Melhor explicar a patrulha e deixá-la vaguear pelo campo. Ela não ia morder ninguém. Foi à conta. A Cascavel da pele vermelha virou o xodó da patrulha. Alguns até brincavam de pique esconde com ela. Boca Larga subiu em uma arvore e gritou – Você não me pega! Você não me pega! Coitado, só viu quando a Cascavel da pele vermelha começou a se enroscar no troco e ele pulou de uma altura de mais de dez metros. Nada demais. Apenas uma luxação que nós grandes socorristas que éramos o tratamos melhores que os médicos importados do estrangeiro.

          Durante os quatro dias de campo nossa amiga permaneceu lá. Quando fazíamos o sinal Escoteiro para ela, em troca balançava seu chocalho. No último dia vi que ela tinha engordado e já nem ligava mais para os girinos, sapinhos e outros bichos e insetos e só queria dormitar na minha barraca. Ficava lá horas e horas e até acostumei com ela à noite dormindo no pé da minha cama. Isto mesmo. Uma cama! Naquela época sempre fazíamos uma para nós. Época boa, bom recordar. Mas enfim, o último dia chegou. Formada a patrulha em frente onde estava arvorada a bandeira, chegou a hora do adeus. – Lobos! A Bandeira em saudação! No pé da arvore onde estava arvorada a bandeira a Cascavel da pele vermelha acompanhava a cerimonia. Tudo desmontado e já ensacado nas bicicletas era se despedir do local e se mandar. Seriam mais de vinte e cinco quilômetros a percorrer. Saindo às cinco da tarde no mais tardar às oito da noite estaríamos em casa.

           Olhei para trás e vi a Cascavel tentando nos acompanhar. Não deu. Pegamos uma descida que dava para fazer até cinquenta quilômetros por hora. Nem lembrava mais da Cascavel da pele vermelha e na segunda quando voltava da escola uma surpresa. No portão da minha casa lá estava a minha querida amiga a Cascavel da Pele vermelha. Como ela achou a minha casa não sei explicar. Expliquei a mamãe e ao papai como ela era. Minhas duas irmãs sorriram. Para dizer a verdade nunca dei alimentação para ela. Morou conosco por muitos anos. Seu Zé Carapinha nosso vizinho foi quem comentou que outra cascavel estava junto a ela. Partiram em um domingo de verão. Tempos depois passei a receber a visita dela e seus novos familiares. Uma dezena de cascáveis ali na porta de casa chocalhando como se estivessem nos cumprimentando. Fizeram isto por muitos anos até que nunca mais a vi. Por onde anda? Se estiver aqui no bairro é melhor esquecer. Todos tem medo dela. Se alguém a visse enquanto não a mandasse para a terra das Cobras Mortas não ficaria satisfeito.


          Cobras. E quem tem medo delas? Eu nunca tive. Sabia como evitar, como pegar, como correr mesmo com as calças na mão saindo em disparada do Miguel. Faz parte da vida de nós Escoteiros acampadores. De vez em quando sonho com ela, trocando a pele, engolindo um sapinho que gemia para sair de sua barriga. Sonho bobo não? É de vez em quando sinto saudade da minha amiga a Cascavel da pele vermelha. Que onde estiver que esteja feliz e que viva para sempre se é que não se reencarnou novamente. Risos!

Quem são eles?


Quem são eles?

Ei você, por favor, me diga, quem são eles?
Estes sorrisos cantorias são mesmo deles?
Aonde vão com essa tralha no costado,
Partem em bandos nem parecem assustados
Dizem que vão para os campos e montes,
Cheios de esperanças a beber água na fonte.

Sei que são meninos cheios de esperanças
A correr com bandeiras nas andanças,
No regato águas límpidas e formosas,
Contam casos contam prosas.
No lusco fusco do sol da tarde
Armam barracas sem fazer alarde.

Usam mochilas, distintivos e chapéu.
Usam lenço amarrados ao arganéu.
Na ravina eles gostam das flores
Orgulham da promessa, dos seus valores.
Armam barracas, arvoram bandeiras.
A moeda da boa ação está na algibeira.

Ei jovem, me diga quem são?
Vejo vocês fazendo boa ação,
Moço, sou menino, sou faceiro,
Olhe bem, sou Escoteiro
Amo a Deus, amo meus amigos
Amo a pátria e da lei os seus artigos.

Pensei que eram simples meninos
Enganei-me, eram divinos.
Batutas, energia que consomem
Sem duvida em breve serão homens.
Nunca seriam esquecidos forasteiros
Pois ali estavam verdadeiros Escoteiros.

Se um dia perguntarem Aonde vão
Diga com calma com amor no coração.
Eles? Meu amigo, são alegres faceiros
São meninos, eles são Escoteiros.
Vivem de sonhos correndo neste céu cor de anil,

São sinceros, são amigos, são Escoteiros do Brasil!   

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Mortimer, um lobinho amigo do além.


Lendas escoteiras.
Mortimer, um lobinho amigo do além.

Coveiro.
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Augusto dos anjos.

                     Mortimer era um infeliz. Era filho de Lomanto da Paz o coveiro do cemitério Flores Singelas. Na escola ninguém se aproximava dele. Tinham medo. Diziam que ele falava com os mortos. Não era verdade, mas que acreditaria nele? Sua casa ficava dentro do cemitério e mesmo linda, pintada de azul e branco com muitos manjericões e rosas brancas que seu pai plantava e cuidava com carinho, ninguém nunca pediu para conhecer onde morava. Sua mãe morrera quando nasceu. Seu pai o adorava e o tratava com carinho e um amor enorme. – Mortimer meu filho, um dia vão reconhecer que seja onde for a nossa casa é sagrada. Mas não adiantava o pai falar - Pai! Nós não recebemos visitas! Por quê? – Lomanto olhava seu filho e mesmo querendo explicar que todo mundo um dia iria morar ali, ninguém gostava de tocar no assunto. A morte sempre assustou os vivos.

                   Uma menina de cabelos loiros foi transferida para sua sala. Ele a olhava e quando ela olhava para ele ficava sem jeito e virava o rosto. No recreio ela o procurou. – Quer brincar? Mortimer assustou. Ele no recreio era um eterno esquecido. Ninguém nunca o chamou para brincar. Ficava sempre em um canto olhando todos correndo e sorrindo. Ela o pegou pela mão e começou a correr – Vamos! Tente me pegar! Foi o recreio mais lindo de sua vida. – Pai! Pai! Ele chegou correndo para contar – Pai eu agora tenho uma amiga! Lomanto riu e abraçou seu filho. Os outros jovens da escola olhavam o par com indiferença. Não diziam nada. O boato que corria é que se mexesse com ele os defuntos viriam à noite em seu quarto para puxar o pé. Um dia Noêmia o convidou para ir visitar sua alcateia. – O que é isto? Perguntou. – Uma escola diferente. Nada de carteira. Nada e quadro negro. A professora lá se chama Akelá. Ela tem ajudantes. Cada um tem um nome de bichos da floresta. É como se nós vivêssemos em uma grande floresta.

                  Noêmia contou muita coisa. Mortimer ficou perplexo com o que ela contava. Havia um herói menino chamado Mowgly. Ele se perdeu na floresta e foi adotado por uma Alcateia de lobos. Todos eram amigos dele. Outros animais o protegiam. O Balu um urso grande e peludo, a Baguera uma pantera negra enorme, Hati o elefante e uma grande cobra píton chamada de Kaa. Mortimer queria saber tudo. Noêmia o convidou para ir com ela sábado ao grupo escoteiro. Seu pai foi junto. Vestiram a melhor roupa que usavam na missa dos domingos. Mortimer ficou com medo quando chegou lá. Centenas de meninos vestidos de azuis e cáqui com chapelão. Ele se assustou. Sabia que todos conheciam o Menino do cemitério. O menino que fala com os mortos. Engano. Ninguem disse nada. Foi recebido com palmas. Mortimer chorou de alegria.

                   Em casa falou para seu pai – Pai! Eu nunca pensei que fizesse tantos amigos em um só dia! – Filho, o mundo é bom, tem aqueles que não te conhecem e te julgam pelo que ouvem ou veem sem olhar o coração das pessoas. Mortimer dormiu feliz. Sonhava com o próximo sábado. Sonhava em ser mais na Roca do Conselho. Disse para si mesmo que em breve estaria de azul e a gritar junto a todos no Grande Uivo. Mortimer passou a sorrir também na sala de aula. Chegava perto de muitos da classe e dizia, eu sou lobinho, lá eles são meus amigos. São felizes como eu. Eles cantam, dançam e sabem que a verdadeira amizade nasce de dentro do coração. Mesmo vocês não sendo meus amigos o Balu meu protetor me disse que não importa o que pensam de você, importa o que você pensa deles. E eu sou amigo de todos! – Toda a classe passou a ver Mortimer como mais um deles. Não era mais o filho do coveiro.

                  Dizem, eu não sei e nem posso afirmar que todos os domingos o Cemitério Flores Singelas enche de meninos que vão lá brincar nos arvoredos, no pequeno regato que nasce atrás das montanhas e eu soube que agora toda a cidade vê com outros olhos o lobinho Mortimer e seu pai Lomanto da Paz. Dizem também e eu não sei se é verdade que aprenderam uma lição com os Escoteiros. Eles e os lobinhos fazem questão da amizade. Dizem na cidade que lá todos que entram passam a ser irmãos. Até contam em rodas por aí que eles tem um pacto e quem entra passam a ser irmão de sangue para sempre. Agora que Mortimer cresceu e se casou com Noêmia disto eu tenho certeza. Que tiveram quatro filhos e Mortimer ainda mora no cemitério e é feliz eu também sei. Escotismo é assim, quem não tem amigos lá encontra um montão.


                  Esqueci-me de dizer que Mortimer hoje é o prefeito da cidade. A prefeitura vive cheia de Escoteiros e na porta tem uma grande placa escrita – Lord Baden Powell, cidadão do mundo, O Escoteiro Chefe Mundial e amigo e irmão de todos. Falar mais o que? Escotismo é coisa que marca que entra em nós para sempre. Dizer que somos aventureiros que somos Escoteiros e vivemos para ajudar o próximo é falar o obvio. Mortimer hoje corre o mundo dando palestras. Tornou-se um professor de história e escreveu muitos livros. Ninguem mais o chama de o amigo dos mortos, mas sim de o amigo do mundo. Graças a Mortimer eu também sou Escoteiro e esteja ele onde estiver receba meu abraço apertado, meu aperto de mão esquerda e meu Sempre Alerta!

Qual disciplina deseja quem reclama da indisciplina?


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Qual disciplina deseja quem reclama da indisciplina?

                    Um tema que está tornando-se moda em educação é a indisciplina. Ao afirmarmos isso, não desejamos dizer que não ocorra no escotismo e que os protestos dos chefes e pais não tenham sido sem razão. A questão da indisciplina é sempre assunto que preocupa e, nos dias de hoje, ainda mais, pois assume a perfídia em situações inesperadas ou avança para registros policiais quando não evolui para a violência.

                   Há alguns anos atrás recebi a visita do "Chefe" Escoteiro Marcelo. – Chefe dizia ele, eu tomei algumas decisões na tropa e não sei se agi corretamente. Tenho um Monitor de Patrulha que tem trazido alguns transtornos. Já conversamos em particular, fui a sua casa varias vezes e até mesmo seus pais reclamam da sua maneira de agir. Vi depois de algumas conversas que ele sempre foi perdoado em todos os erros que cometeu. Sempre foi compreendido e nunca repreendido como devia. Resolvi agir de forma diferente.

                   No último acampamento chamei a Patrulha e disse – Todos vocês foram devidamente preparados. Cada Patrulha é livre para tomar decisões que interessam a todos. Nos últimos acampamentos vocês não se saíram bem e espero que neste possam pelo menos conseguir o totem de eficiência de campo. Conto com vocês. No entanto a noite uma chuvinha fria pegou todos de surpresa. Chamei os monitores e disse que ficariam suspensas as atividades da noite e que eles fizessem uma conversa ao pé do fogo em seus toldos com suas respectivas mesas onde estariam abrigados da chuva.

                  Todos fizeram isso, vi inclusive de longe muitas patrulhas se preparando para a noite e inclusive colocando a lenha em local próprio para o dia seguinte. Na Patrulha do Marcinho não. Lá eram risadas, piadas e vi que a Patrulha não podia continuar assim. No dia seguinte com o toque da alvorada com meu chifre do Kudu, a fumaça correu nos campos de patrulhas menos na do Marcinho. Dito e feito. Hora da inspeção todos formados. A do Marcinho não. Não conseguiram acender o fogo e não tiveram café e nem leite quente. Desculpa? Lenha molhada. Era norma não deixarem lanchar sem a bebida quente. Ficaram sem o café da manhã e o almoço deles só saiu às três da tarde. Não participaram do programa de jogos na Lagoa do Jacaré.

                      A Corte de Honra resolveu puni-los. Marcinho reclamou. Se o tirassem do cargo ele sairia dos escoteiros. Uma ameaça ou uma chantagem? – Não tinha certeza. Nunca aceite este tipo de coisa. Disse que iria pensar na punição e daria uma resposta na próxima reunião. Chamei a Patrulha e expliquei que a corte ia suspender o Marcinho. Todos sorriram. Sinal que não gostavam dele. Coloquei o tema em discussão entre eles. Resolveram fazer nova eleição. Foi escolhido o menor Escoteiro da tropa. O Pedrinho. Pequeno, raquítico. Fala mansa. Engano. Pedrinho colocou Marcinho na linha. Em pouco tempo a Patrulha se transformou.

                      Chefe Marcelo disse-me também que no sábado anterior mandou dois jovens que chegaram a sede uniformizados e ainda não tinham feito promessa. A norma na tropa era de vestir o uniforme só no dia que fizessem sua promessa. Isto sempre foi feito e o garbo e a boa ordem sempre foi orgulho da tropa. Mandei os dois de volta. Um deles perguntou se tirassem o uniforme podiam voltar. Não. Não podem. Só na próxima.

                    O "Chefe" Escoteiro Marcelo ficou ali me contando diversas outras situações. Fiquei pensando dos meus dias de "Chefe" Escoteiro e os meninos de outrora. Uma disciplina diferente. Nunca tive esse problema. Hoje isso não acontece. Vejo jovens que pecam pela indisciplina e alguns acham que ela inexiste. Poucos sentem que o castigo ou a penitencia não deve ser utilizada por nós. Castigo e penitencia no bom sentido. Nada de violência. Alguns dizem que deveríamos ter um conceito mais amável, como por exemplo, utilizar a relação de afeto e respeito, uma ação onde haja reciprocidade aceitando que alguns erros são próprios da juventude.

                      São conceitos que hoje me sinto em dificuldade, ou melhor, sem sintonia para agir como agia no passado. No entanto acredito que devemos a todo custo manter a disciplina nas sessões, baseadas no respeito mútuo. Quando me dizem que ordem unida não faz parte mais do escotismo fico pensando o porquê alguns insistem em misturar ordem unida com militarismo. Os jovens na tropa ou na Alcateia têm de ter respeito nas formaturas. Tem de saber se formar e o melhor é ensinar as bases primordiais em uma apresentação que pode até parecer militar, mas na minha modesta opinião faz parte inicial da disciplina que se pretende dar a uma sessão Escoteira.

                          Quando os chefes de uma sessão sentam-se com seus jovens e desconstroem e sabem reconstruir com uma boa discussão e fazendo ver a plenitude do significado e dos tipos de disciplina, não apenas a reunião corre mais facilmente e a aprendizagem se concretiza de maneira mais saborosa como escoteiros/lobinhos e os chefes descobrem que, reconhecendo a disciplina como ferramenta essencial às relações interpessoais, aprendem autonomia, exercitam a firmeza e conseguem, com mais dignidade, construir o caráter.


                        A simples ação de um Escoteiro ao pegar um papel de bala jogado no pátio ou na rua, já demonstra que no Grupo Escoteiro de origem se pratica uma disciplina Escoteira que merece o meu e todo nosso aplauso. Continuarei o tema em um próximo artigo.