Lembranças da meia
noite.
Acidentes não
acontecem, são provocados.
Eu tive muitas
experiências com acidentes. Fui Cipeiro muitas vezes, presidente da CIPA, e fiz
vários cursos de acidentes de trabalho. Mas acidentes muitas vezes não tem como
fugir da realidade. Situações absurdas provocadas por alguém inexperiente e que
acreditava que com ele nunca iria acontecer eu vi muitos. Uma bobagem de um
forneiro jogou um outro em um vagão de gusa líquido na minha frente. Uma
explosão. Enterraram um pequeno lingote de ferro. No escotismo sempre fui de
uma atenção exagerada. Graças a Deus nunca aconteceu nada com jovens que me
acompanhavam a não ser quando de retorno de uma jornada ciclística descendo uma
serra de madrugada, lá pelos idos de l956, fui de encontro a uma cerca de arame
farpado e fora alguns arranhões só um braço com fratura exposta e uma perna
quebrada. Coisa de nada. Cidade mais próxima 86 quilômetros. Fazia parte do
jogo naquela época. Sênior, com a cabeça cheia de aventuras não tinha como
evitar. Assim pensava.
Já mais maduro,
beirando os 34 anos era Gerente de uma Fazenda no norte de Minas. Recebi um
telegrama de um Chefe conhecido dizendo que chegaria no dia tal de trem em
minha cidade. Eles pretendiam ficar na fazenda uma semana com a Tropa sênior.
Era uma Tropa de Escoteiros do ar. Interessante, não me consultou, não
perguntou se podia só disse que iriam chegar. Fazer o que. Fui recebê-los com
uma perua Kombi. No terceiro dia depois de andarem a cavalo, pescarem enormes
dourados na lagoa, tirarem e beberem leite cru (um desarranjo intestinal dos
bons) me pediram para descer o Rio das velhas no barco da fazenda. Era a motor.
Cabia bem uns 15 deles. Eram doze. Disse que poderíamos ir no dia seguinte. No
momento que pediram estava ocupado com afazeres profissionais e não podia ir.
Não me obedeceram. Sem
dizer nada o Chefe que era meu amigo pegou uma das kombis e foi até o porto do
rio das velhas. Levaram um tratorista (disseram para ele que eu autorizei) para
colocar o motor. Escoteiros seniores? Para mim nunca foram. Descer é fácil e
nem olharam a gasolina. Ela acabou. Nem levaram remo. Em menos de dois
quilômetros de Rio das Velhas chegaram à foz do Rio São Francisco. Rio
caudaloso. Perigoso. Eles pedindo socorro. Onze seniores do ar e um Chefe em um
barquinho a deriva. Subindo em sentido contrário uma gaiola enorme (barco a
vapor movido a lenha). Para não atropelá-los ela teve que ir para a margem e
bateu num banco de areia. Quinze quilômetros abaixo um barco a motor de
pescadores prestou socorro. Na fazenda fiquei sabendo à tardinha. Eles
retornaram depois de meia noite.
Meu amigo com seus
vinte e cinco anos chegou a chorar de vergonha. Os prejuízos que provocaram não
havia choro que pagasse. Fora a morte de todos. Pensei comigo se ele de um
grupo padrão fez aquilo quantos outros por aí não fazem o pior? Acidentes não
acontecem. São provocados. Chefes são responsáveis. Algum dia já pensou em devolver
um filho de alguém acidentado ou morto? Seria o fim do mundo. Deus ajude os que
não são responsáveis. E olhe, pelo que vejo por aí Deus nos ajuda e muito!
Boa noite. Durmam bem
meus amigos e minhas amigas.
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