Lembranças da meia noite.
Um cafezinho, por favor!
Final da década de
cinquenta. Dezenove anos. Desempregado. Precisava trabalhar. Consegui um emprego.
Não sabia onde estava me metendo. Queria trabalhar e outros queriam me matar.
Isto mesmo. Apontador de horas na Techint. Uma empresa de Engenharia e Construção. Renovando e asfaltando a Rio Bahia. Um mês de trabalho.
Ninguém me avisou nada. Horas pagas erroneamente o apontador era o culpado.
Serviço do Pessoal inocente. Antes de mim dois foram para o hospital e quatro
sumiram para nunca mais voltar. Todos me olhavam de esguelha. Escoteiro que era
achei que me achavam interessante. Putz! Sai pagamento. Eu recebi o meu. Você podia
pegar tudo e por no bolso. Não havia roubos. O acampamento nosso era próximo a Alpercatas.
O dia amanheceu e eu de pé para iniciar o trabalho. Uns oito ali na porta do
alojamento me esperando – Mocinho! Tá faltando dinheiro! – No meu também! Um por
um foram reclamando. O Encarregado me falou baixinho – Corra o mais que puder e
se esconda. Se não conseguir é um homem morto. Era bom nisso. Não me pegaram.
Corri até Alpercata e lá peguei carona para minha cidade. Juntei-me aos quatro
que nunca mais voltaram para juntar sua tralha nem para dar baixa na carteira
profissional. Risos.
Seis meses depois viajava de trem
para Dom Silvério interior de Minas. Época que a Estrada de Ferro Leopoldina
cortava quase todo o Brasil. Agora era promotor de vendas. Melhor, um reles
vendedor de livros. Uma serra ligava uma cidade à outra. Em linha reta se fazia
a pé em uma hora e meia, mas de trem era três horas. Paramos em uma estação. Não
ia descer. Na janela uma morena de olhos verdes e cabelos negros ondulantes me
ofereceu cafezinho em um copo de vidro. – Só um real moço! Caramba, era linda
demais. Precisava ver de corpo inteiro. Desci do trem. Era mestre para subir
com ele andando. Ela sorriu para mim. Que corpinho lindo! Quinze? Dezesseis? Por
aí. – tomei um café, depois outro, brincando disse – Te dou cinco reais por um
beijo! – Ela fez beicinho. O trem ia saindo. Dei um breve beijinho no rosto
dela e sai correndo. Peguei o trem e pensei que seria o beijo mais lindo que
tinha dado. Fui sonhando até a próxima estação.
O trem apitou. Encostou-se
à plataforma. A garotada gritando – Goiaba, banana manga! Pão com Carne,
Pastelzinho, churrasco! Olhei pela janela e lá estava ela de novo. Como? Ela voava?
– Cafezinho moço? Ou um beijinho? – Surgiu na janela um garoto forte, alto com
uma garrucha na mão. – Beije aqui moço! É de graça! – Nossa Senhora! O que é
isto? O trem foi saindo de mansinho. Um tiro ecoou e bateu no vidro da janela
do outro lado. Um túnel e uma descida. Mãe de Deus! Salvei-me desta. Um velho ao
meu lado explicou que era só atravessar uma garganta, menos de cinco minutos e
passava de uma estação a outra. De trem um volta enorme. Aprendi. Nunca mais
comprei um beijinho viajando. O pior é que nunca fiz isto! Foi a primeira e única
vez em minha vida. Única? Risos. Não sei não...
Boa noite! Durmam esplendidamente
bem e que o sábado seja cheio de alegrias na sua sessão escoteira!