Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O último voo do Falcão.


Lendas Escoteiras.
O último voo do Falcão.

                O horizonte desaparecia no infinito. Quem o visse ali com as asas entreabertas naqueles penhascos longínquos do Pico das Mil Vidas nunca imaginaria que um Falcão estava vivendo seu ultimos dias de grandes jornadas. Sua vida estava se esvaindo. No seu pensamento lembrou-se de um poema que seus ancestrais lhe ensinaram – “Combati o bom combate, completei a carreira e guardei a fé. Não espero o prêmio da vitória, pois mesmo tendo levado uma vida correta nunca me senti um vencedor”. Ele sabia que seu fim se aproximava. Estava ali há vários dias. As forças já não existiam mais. Diziam que ele era a ave mais rápida do mundo. Suas asas pontiagudas e finas o ajudavam na caça em espaços abertos. Quanto tempo se passou quando lá pelos lados do Vale dos Sonhos coloridos, ele e Abbat voavam pelos céus, quem sabe para se mostrarem belos, majestosos e admirados pelas outras aves que nunca poderiam fazer o que eles faziam.

                Abbat, onde andará ela? Ainda no ninho do Sol Nascente? Mas suas duas proles não estavam crescidos e tinham ido procurar viver suas vidas em outras plagas? Abbat, sua eterna companheira. Lembrava que todas as manhãs ele via a gazela acordar, ele sabia que ela precisava correr lépida para sobreviver às sanhas dos leões. Não importa se você é leão, gazela ou um falcão. Quando o sol nascer era hora dos voos em busca do vento, olhar o firmamento e pensar que precisava se alimentar para sobreviver. Viu do outro lado do Vale da Felicidade um Jaguar. Enorme. Parecia um gato manchado de preto e amarelo. Estava firme com seu olhar tentando saber como chegar até ele. Tudo mudou. De caçador agora era a caça.

                Sabia que mais cedo ou mais tarde o Jaguar das Terras Altas chegaria onde ele estava. Sabia também que não podia voar, não podia reagir, a morte seria o fim da vida? Sua mente voava pelos campos floridos. Nunca esqueceu Abaat. Quantas vezes ele voou para levar a sua companheira e sua prole a refeição do dia? Lembrou-se dos mundos coloridos que conheceu. Voou para todos os lugares e conhecia o caminho do sol, das estrelas, era um falcão valente e que agora estava no fim da vida. Olhou para baixo e viu no Vale da Esperança vários meninos e meninas de azuis e lenços rindo e brincando. Já os tinha visto antes. Todos iguais com uma espécie de coroa azul na cabeça que chamavam de boné de lobo e um lindo lenço amarrado no pescoço.

                Olhou novamente. O Jaguar havia desaparecido. Ele sabia seu destino. Ele sabia que o Jaguar o encontraria. Pensou em seu Deus. Ele também acreditava num ser supremo. Deus! Ó Deus! Onde estás que não responde? Em que mundo em que estrela tu te escondes? Ele pensava e ria. Ele morreria com honra. A morte estava enganada. Eu vou viver depois dela! Olhou para o vale novamente. Os meninos de azuis montaram barracas, corriam satisfeitos, saltitantes, cantantes como o regato que com suas águas mansas corria lentamente pelo Vale da Esperança. Olhou sua plumagem. Considerava-se belo. Suas patas amarelas se tornaram lendas para quem as enfrentou. Seus olhos negros com anel amarelo eram enormes. Podiam ver o infinito. Amava suas asas, enormes. Com elas correu mundo.

                Sentiu um toque em suas asas. Assustou-se. Tão rápido o Jaguar o encontrou? Fechou os olhos. Não podia reagir. Não tinha forças. O Valente Falcão Peregrino agora era uma sombra do passado. Morrerei com honra pensou. Sentiu o toque novamente. Olhou. Não era o Jaguar. Era uma menina. Linda de olhos azuis. Com seu lencinho verde e amarelo no pescoço ela sorria. Ele queria falar, sabia que não seria entendido. Mesmo assim ele crocitava, piava e a menina entendeu! Tirou do seu bornal um farnel que seria seu lanche do dia e deu para ele. Sabia que a Akelá iria compreender. O Falcão sorriu. Ele precisava. Estava fraco. Cinco dias sem comer e beber água. Comeu tudo! Sentiu suas forças voltarem. Agora estaria pronto para enfrentar o Jaguar. Um apito ecoou ao longe. A menina de olhos azuis se levantou e disse – Adeus meu amigo Falcão! Ele não entendeu.

              Em um esforço sobre humano ele deu três passos para frente e alçou voo.  Iria fazer o ultimo voo do Falcão no espaço para ela. Para a menina lobinha. Queria que ela soubesse do seu agradecimento. Ela lhe devolveu a vida. Alçou voo rumo ao infinito e voltou célere. Fez uma virada lateral como fazia no passado. Viu que ela batia palmas. Partiu rumo ao Vale do Sol Nascente. Um voo que nunca na vida ele tinha feito com aquela velocidade. A menina sorria lhe acenou com os bracinhos como a dizer adeus. Ele partiu. Sabia aonde ia. Seguiria o sol no seu caminho para o oeste. Precisava encontrar Abbat. Viu o Jaguar próximo da escarpa onde estava olhando para ele. Sorriu. Não foi desta vez meu amigo. Quem olhasse para o céu, veria um Grande Falcão Peregrino com suas asas enormes, voando junto ao sol e que aos poucos desaparecia no horizonte.


              Não sei se ele encontrou Abbat. Deve ter encontrado. Ele sabia que sua linhagem não iria desaparecer no tempo. Suas duas proles velejavam pelos céus a mostrar sua raça, a mostrar sua força e coragem. Em sua mente eu sei que ele dizia para si próprio: - “Às vezes eu falo com a vida, às vezes é ela quem diz – Qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz”? 

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