Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Narkis, o Lobo Solitário do Vale da Serpente.


Lendas escoteiras.
Narkis, o Lobo Solitário do Vale da Serpente.

         Jonny Thorton tinha uma idade indecifrável. O que ele fazia para se manter sempre jovem ninguém nunca soube. Quando o vi pela primeira vez estava com doze anos. Levei o maior susto com ele. Fazíamos um jogo de tocaia e eu estava escondido na curva do Moinho e de tanto esperar que alguma patrulha passasse para anotar os nomes estava cochilando. Senti seus dedos tocando o meu ombro e quase cai do galho da árvore que estava aboletado. – Lá vem dois ele disse – Olhei na Estrada e vi Manfredo e Rosinaldo pé ante pé tentando esconder dos índios selvagens. Eu era um índio selvagem. Quando o procurei novamente ele sumiu. Sumiu como? Ali era um topo onde para qualquer lado se via quem tentasse correr. Oito anos depois, eu estava já com meus 21 anos e fazia uma atividade aventureira que deu um trabalho enorme. Calculamos eu e os monitores que iriamos percorrer aproximadamente 42 quilômetros a pé. Nós erramos feio. De 42 foi para 65 quilômetros.

         O plano era seguir a estrada do Boiadeiro até o Vale da Serpente. Calculei que atrás do vale em uma pequena cadeia de montanhas passaria a nascente do Rio Esmeralda. Se fosse verdade e com uma boa jangada iriamos alcançar em um dia o Rio Doce e de lá mais um dia até nossa cidade. Uma bela volta. Uma bela atividade aventureira só com monitores. Eu era assistente do Chefe Laerte. Um dia antes me disse que não podia ir. Assumi e disse a ele que não se preocupasse. Após dez quilômetros de caminhada uma chuva rala começou. Esta sempre é a perigosa, pois já dizia um antigo Velho lobo que se tens vento e depois água, deixa andar que não faz mágoa, mas se tens água e depois vento põe-te em guarda e toma tento! Dito e feito, a chuva aumentou e passamos boa parte do dia debaixo dela. Nossas capas eram pequenas e sentia que todos estavam ensopados. Avistei as duas pedras do Jacu onde se iniciava o Vale da Serpente. Entrar lá com aquela chuva não era boa ideia. Não conhecia, mas em todo vale sempre tem um riacho. Uma cheia e poderíamos sofrer consequências graves.

         - Olá Chefe! Ouvi alguém falando atrás de mim, virei e lá estava Jonny Thorton. – Venham comigo, sei onde podem se abrigar. Com a chuva torrencial não disse nada e o segui. Uma hora depois avistei uma cabana. Entramos. Não era grande, mas dava para nos descansarmos e até dormir um pouco até a chuva passar. Jonny Thorton era um sujeito estranho. Usava uma espécie de macacão azul de brim mescla, acho que feito por ele mesmo, sem gola e sem mangas na camisa e boa parte dela presa por cipó trançado. Andava com uma espécie de Mocassim e quase não fazia barulho. Vi quando acedeu um fogo no seu fogão de barro e deixou um caldeirão grande com agua a esquentar. Foi até uma escada, subiu e retirou sobre a telha dois pedaços grandes de mandioca e um pedaço menor de uma carne seca. Quer saber? Nunca tomei uma sopa como aquela. Não sei se foi à fome ou o ambiente, lá fora chuvoso, dentro um ambiente gostoso e em pouco tempo todos dormiam a sono solto.

          Acordamos cedo. Não vi Jonny Thorton. Lá fora não chovia, mas o céu ainda nublado. Fizemos um conselho de patrulha e todos foram unânimes em não desistir. Quando abri a porta da cabana um enorme lobo estava em pé, serrando os dentes e voltamos correndo para a cabana. Enfrentar o lobo não dava. Duas horas depois Jonny Thorton chegou. O lobo deu um enorme salto em cima dele e ambos caíram no chão. Tinha que ajudar a quem nos ajudou. Com o bastão sai pronto a usá-lo no lobo. – Não faça isto! Gritou Jonny Thorton. Ele é nosso amigo! Parei e esperei. A patrulha ficou dentro da cabana. – Narkis! Ele gritou, o Escoteiro é nosso amigo! O lobo me olhou de soslaio. Narkis! Veja! Ele tem alimento como o meu. – Tirei do bornal um pedaço de linguiça e dei para ele. Nunca em minha vida vi um lobo assim. A chuva voltou a cair. Corremos para a cabana e o lobo foi atrás.

        Mais uma noite na cabana de Jonny Thorton. Desta vez em companhia de Narkis, o lobo amigo. – À noite comemos um delicioso quitute de tomate misturado com peixe cozido e uma farinha de milho de dar água na boca. Jonny Thorton tinha no vale um belo restaurante e viveres que nunca iriam faltar. – A noite ele começou a contar sua história. Nascera em uma pequena cidade às margens do Rio Mississipi nos Estados Unidos. Era filho de Cabelos Longos, um índio da tribo Chicksaw. Com nove anos subi a bordo de um barco em Terra Blanca e fui aprisionado por um capitão mau. Trabalhei a bordo por meses até que escondido desci em Port Gibson e mendiguei por anos. Com 14 anos consegui emprego em um navio cargueiro de ajudante de cozinha e vim parar no Brasil, em Vitória no Porto Tubarão. A pé subi as planícies do Vale do Rio Doce que lembravam-me minha terra e descobri este lugar. Não sei quem é dono destas terras, mas daqui não saio nunca mais.

         Narkis eu o conheci quase morto próximo ao Lago Salgado. Deram um tiro nele e consegui tirar a bala. Ficamos amigos e ele sempre me salvou de poucas e boas. Olhei para os monitores e subs, estavam de olhos arregalados na história de Jonny Thorton. - Narkis, continuou – Já pôs para correrem muitos malfeitores que fogem para este vale. Aqui não tem ouro e nem pedras preciosas, mas nunca irei sair daqui. Se me lembro bem devo estar com quase setenta anos. Não sei. Perdi a noção do tempo. O Lobo deitou aos seus pés e nós também fomos dormir. No dia seguinte o sol apareceu. Agradeci a Jonny Thorton a acolhida. Ele sorriu e disse que Narkis iria nos mostrar o caminho até o Rio Esmeralda. Ele riu. Existe sim, posso apostar, pois eu o conheço! Partimos. O lobo sempre à frente. De vez em quando olhava para trás. Uma hora parou com suas orelhas levantadas significava perigo. Bem acima de nós eu vi uma enorme onça parda. O dobro do peso do Lobo Narkis. Durante alguns minutos um olhava para o outro. Pareciam conversar. Narkis fez um sinal para seguirmos. Passamos a poucos metros da enorme Onça Parda.

        Atravessamos todo o Vale da Serpente sem nenhum tropeço. Se não fosse Narkis não sei se teríamos conseguido. O Rio Esmeralda era majestoso. Fizemos uma bela Jangada e tudo correu conforme os planos. Ficamos dois dias a mais que o planejado, mas valeu. Norberto um dos monitores me disse que os demais contam a todos os amigos sua aventura no Vale da Serpente. Só que não dizem onde ficam. Combinamos de preservar a identidade do Jonny Thorton. Por vários anos mantivemos um contato com Jonny. Um dia ele me procurou na sede do grupo e disse que ia partir. Seu pai agora era proprietário de uma vasta terra onde a tribo morava próxima a New Orleans. Ele morreu e o único herdeiro era ele. – E Narkis o Lobo? Perguntei – Ele vive ainda, mas muito Velho. Nunca dependeu de mim para sobreviver. O tempo passou e uma lenda se formou no Vale da Serpente. Dizem que um Lobo Solitário e uma Onça Parda dividem as noites de lua cheia e nenhum homem pode se aproximar.

           Verdade ou não eu sabia que a lenda era real. Pensei até em visitar Narkis, agora chamado de Lobo Solitário. Desisti, pois ele tinha uma vida, uma companheira e humanos nem sempre são bem vindos para estes animais. Vida longa para Narkis o Lobo Solitário e sua amiga, uma Onça parda e que vivam para sempre no saudoso Vale da Serpente! 

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