Lendas Escoteiras.
A Árvore dos esquecidos.
Ela sempre esteve ali, na curva do Gavião Vermelho bem próximo as corredeiras
do riacho Alegre onde sempre íamos acampar. Era uma linda árvore, pena que não
a identifiquei. Eu me esquecia dela sempre, pois muitas vezes só valorizamos os
que estão ao nosso lado e esquecemo-nos dos outros que um dia fizeram tudo por
nós. De vez em quando ela me vinha à mente. Não me pergunte seu nome. Não sei.
Sabia que era frondosa, pois em sua volta sempre havia uma enorme sombra e nós
escoteiros ali nos deliciávamos com o frescor que ele produzia para aqueles que
se deliciavam como nós. Da cidade até a Porteira do Rancho Estrela Verde era
mais de seis quilômetros. Interessante, nunca fiquei sabendo o nome do dono do
rancho.
A
porteira era sempre esperada na jornada ou nas caminhadas. Grande, enorme,
parecia nova e o vai e vem sensacional. Passávamos para o outro lado com a
carrocinha e lá a deixávamos. Todos voltavam e se encarapitavam na porteira. Um
de nós a levava até o barranco e soltava. Ela saia a toda velocidade passava
pelos dois troncos centrais, ia ao outro lado, voltava e ficava assim quatro ou
cinco vezes em um delicioso movimento de vai e vem. Nunca apareceu ninguém para
nos chamar a atenção. Quando o sol ia a pino era hora de partir. Na volta
sairíamos mais cedo para nos divertir na Porteira do Racho Estrela Verde. A
partida era sempre triste, todos olhavam para ela com saudades.
Era hora da subida. Deus do céu! Era o pior da jornada. Quando da primeira
curva já avistávamos a Arvore dos Esquecidos. Porque este nome? Quem batizou?
Ninguém sabia. Meia hora depois lá estávamos. Ainda bem. O suor escorrendo no
pescoço e na testa. Agora era hora de tirar uma soneca e aproveitar a brisa
gostosa que a Árvore dos Esquecidos fazia questão de nos presentear. Era a
única naquela subida. Claro havia alguns arbustos, mas ela era sensacional.
Meia hora de cochilo. Acordamos com o barulho dos trovões. Olhamos para o céu e
vimos nuvens negras bem no rumo do nosso destino. Pé na taboa e Deus que nos
ajude. Nem despedimos da Árvore dos Esquecidos. Deveríamos, mas que ia
adivinhar?
Não foi difícil montar o acampamento debaixo do temporal. Estávamos
acostumados. O local era ótimo. Centenas de coqueiros anões. As folhas serviam
como toldo e até a noite duas barracas montadas, mesa, toldo, bancos e quase
terminado o fogão suspenso. Alguns já rachavam lenha, pois sabíamos que no meio
estavam secas. A sopa esquentou o estomago e o corpo. Melhor não fazer
fogueira. Tínhamos pouca lenha rachada e seca. Fomos dormir naquele primeiro
dia mais cedo. Foram três dias acampados, sempre com uma chuva miúda. Algum
programa não deu para fazer. No domingo levantamos acampamento às duas da
tarde. Sem dificuldade. Três e meia à bandeira descia do mastro. Uma oração e
lá fomos nós estrada acima.
A subida da volta não era tão íngreme. Ao dar a volta no morro não vimos ao
longe a Arvore dos Esquecidos. Árvore? Não existia nenhuma árvore. O que houve?
Ficamos preocupados. Mais meia hora e chegamos. Uma cena dantesca. A Árvore
jazia a seis metros de onde deveria estar. Caída, parecendo morta! Um raio a
cortou no tronco bem próximo ao chão. Ela ainda estava verde, as folhas
balançavam, mas estava agonizante. Não havia retorno. Não podíamos fazer nada.
Ficamos em volta dela. Muitos choravam. E agora? Como tirar aquela soneca
gostosa da subida até a curva do Gavião Vermelho? Ficamos ali por muito tempo.
Em silêncio. Prestando a nossa homenagem a uma Arvore que agora sabíamos que
era dos esquecidos. Todos nós um dia iríamos nos esquecer de sua beleza, de sua
sombra do seu orvalho.
A tarde chegou, hora de partir. O ultimo adeus. O sol inclemente dos dias que
virão iria fazer com que ela possa dar seu último suspiro. As folhas vão secar
os troncos também. Agora nós sabíamos que algum mateiro a passar por ali, iria
se servir de troncos e galhos para fogo. Triste destino de uma arvore que nos
deu tudo. Partimos em silêncio sem olhar para trás. Era triste demais ver
aquela que um dia foi amiga fiel do sol inclemente. Na Porteira do Rancho da
Estrela Verde não nos divertimos como fazíamos sempre. Passamos direto. Não
havia ânimo. Estávamos cabisbaixos, tristes, perdemos uma amiga que nem sequer
nos lembrávamos sempre. Mas ela eu sei que ficou marcada para sempre no coração
de todos.
Nunca mais voltamos lá. Nunca mais acampamos no Rancho da Estrela Verde. Nunca
mais vimos à porteira da felicidade. Seria difícil muito difícil suportar a
subida até a curva do Gavião Vermelho. Onde sempre avistamos com alegria e
agora não mais existia, aquela que ficou na lembrança para sempre. A Árvore dos
Esquecidos!
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