Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A incrível aventura do Chefe Gerônimo no Vale do Eco.


Lendas Escoteiras.
A incrível aventura do Chefe Gerônimo no Vale do Eco.

                     Não conheci Gerônimo muito bem. Uma ou duas vezes para ser mais preciso. Deixava a desejar como Chefe Escoteiro. Nas conversas com amigos ele estava sempre com uma carranca de assustar qualquer um. Na última vez que o vi acho que passava dos vinte e seis anos. Sabia que sua família lhe dava tudo e ele não dava nada em troca. Nunca foi bom nos estudos. Mas não era mau sujeito. Não fazia mal a ninguém. Ria mais que falava. Quando o vi pela primeira vez estava como Chefe de tropa Escoteira. Dizem que se queres conhecer uma boa tropa, veja como seu Chefe seus Monitores como fazem o sistema de patrulhas. Acho que o Chefe Gerônimo era perfeito. Melhor ainda a escoteirada gostava muito dele.

                      Gerônimo nunca foi bom aluno. Passou raspando e quase não chegou ao segundo grau. Entrou como Escoteiro já com treze anos. Bem mandado não sabia mandar. Na Patrulha todos gostavam dele. Como se diz – “Jerônimo é um bom companheiro”. Não gostou muito dos seniores. Lá achavam que ele era parecido com um “Nerd”. Quando surgiram as guias piorou tudo. Ele não se sentia bem com as piadas que faziam dele. Começou a faltar às reuniões até um dia que não voltou mais. Nunca o procuraram em sua casa a não ser Saulinho, um Escoteiro que foi seu amigo por toda a vida. O grupo passou por uma fase difícil. A liderança do Diretor Técnico não era das melhores. Muitos chefes voluntários que entravam ficavam pouco tempo. A tropa Escoteira ficou sem Chefe. O Diretor Técnico não conseguiu ninguém. Na Patrulha da Raposa alguém falou de Gerônimo. Os Monitores foram a casa dele. Fizeram o convite. Gerônimo sorriu como se estivesse recebendo um presente.

                     Durante um ano Gerônimo foi um bom Chefe de tropa. Conversava pouco, falava sempre com os Monitores. Para dar exemplo terminou o segundo grau. Seus pais ainda insistiam para ele tentar uma faculdade mesmo com vinte e seis anos.  Depois de um ano os escoteiros começaram a pensar que o Chefe Gerônimo não era o que pensavam. Nandi era o Monitor mais antigo. Mais sensato. Mais comedido. Foi à casa do Chefe Gerônimo bater um papo e quem sabe ver se ele poderia mudar no seu sistema na direção com a tropa. Gerônimo só ouviu. Nada falou. Nadi comentou na Corte de Honra sua conversa com o Chefe Gerônimo. Desde que foi a casa dele não voltou mais para a tropa. Os pais de Gerônimo foram procurar por ele no grupo. Havia sumido há três dias. A tropa ajudou nas buscas. A polícia achou que ele fez as malas e foi embora. Não deram muita “bola”. Afinal não era uma a criança.

                     Durante dois meses o procuraram em todos os lugares, a cidade era pequena, menos de sessenta mil habitantes. Chefe Gerônimo sumiu mesmo. Não deu mais notícia. Seus pais correram meio mundo procurando. Desistiram e voltaram a sua rotina. Dizem que o trabalho faz a gente esquecer os dissabores e as tristezas da vida. Os escoteiros ficaram sem Chefe. Ninguém para assumir. Os Monitores não deixaram a peteca cair. Eles mesmos programavam e até que estavam gostando das reuniões que as patrulhas davam. Um dia acharam que podiam acampar. Estavam proibidos de sair da sede. Tanto falaram que convenceram o Diretor técnico. Prometeram que iam ao Vale do Eco. Acamparam lá muitas vezes. Era um ótimo local. Boa aguada, riacho raso, sem cachoeiras, mata pequena, muito capim gordura e bambus à vontade.

                     Claro, havia um local perigoso. Os penhascos de Santa Maria. Mas era o melhor local para se divertir. Lá em cima avistavam todo o Vale do Eco. A garganta era profunda. Se alguém caísse era morte certa. Mas o eco era fantástico. Ribombavam em paredes lisas de pedras e um grito ficava minutos a minutos respondendo até que baixinho sumia. Uma festa. Fizeram mil promessas. O Diretor Técnico consultou alguns pais. Eram a favor. Eles confiavam nos filhos. Os preparativos foram grandes. Eram três patrulhas. A Patrulha Onça Pintada ficou de conseguir transporte da Prefeitura. O Doutor Leopoldo o prefeito fora Escoteiro. Nunca deixou de colaborar. A Patrulha Jaguatirica foi até o Super Mercado do seu Nonato. Seriam quatro dias. Levaram uma lista. O que ele desse estava bom demais. A Patrulha da Coruja foi até o empório do Senhor Leonel. Precisavam de mais alguns materiais de sapa e lonas para toldos.

                    Durante duas semanas prepararam tudo. Na quinta feira feriado, às seis da manhã estavam todos na sede. O caminhão da prefeitura já estava lá. Alguns pais foram se despedir. O Diretor Técnico não apareceu. Não havia nenhum adulto do grupo. Nandi o Monitor da Jaguatirica o mais velho dirigia tudo. Cantando e dando adeus partiram na maior alegria. Às onze da manhã chegaram próximo ao Vale do Eco. Iam acampar ali. Conheciam o terreno de cor e salteado. Fizeram um programa simples. Uma Patrulha ia tentar encontrar um lobo guará e chegar pelo menos a cinco metros dele tirando uma foto. Não era fácil. Era uma Alcatéia arisca que morava no estreito do nevoeiro no vale do eco.

                    Outra Patrulha programou fazer uma ponte pênsil, usando bambus e cipós. Levariam dois dias no mínimo. A terceira Patrulha programou construir um Ninho de Águia onde coubessem todos participantes. Mais dois dias. Prepararam três jogos noturnos, e uma noite só para desafios do Quebra Coco e a ultima o Fogo de Conselho. Tinham também vários jogos para o dia não ficar monótono. Muitos escoteiros iriam testar na cozinha a especialidade de cozinheiro, outros queriam de primeiros socorros e uma meia dúzia de acampador. O programa estava completo. Claro que sempre à tardinha todos iriam até a os Penhascos de Santa Maria. Perto. Menos de trinta minutos de subida. Mas a diversão era garantida. Cada um improvisava um grito. Outro em sequencia e parecia que centenas de vozes iguais repetiam lá no fundo da garganta.

                  Foi no segundo dia quando estavam descendo que avistaram uma fumaça bem no meio do Vale do Eco. Próximo à curva do Moinho de Vento. Estava escurecendo, mas sabiam que no dia seguinte os Monitores iriam até lá para saber quem estava acampando ali. A noite foi uma delicia. O jogo da caça a coruja deixou todos vibrando e a Patrulha da Onça Pintada campeã cantava a mais não poder. Sempre lá pelas dez da noite, acendiam um fogo e ficavam até onze ou meia noite conversando entre si. Um cafezinho ou um chocolate quente era mantido em um bule grande esquentado na brasa. Não faltava o Nonô da Patrulha Coruja com sua flauta mágica.

                   Nandi tinha combinado com os Monitores que logo após a inspeção, passariam ao cargo aos sub-monitores e eles iriam ver quem estava acampado ali. Sabiam que não eram outros escoteiros. Iriam camuflados. Não sabiam o que iam encontrar. Tinham experiência em camuflagem. Chegaram à garganta e foram bem devagar no riacho que estava bem seco. As chuvas do verão ainda não tinham chegado. Menos de meia hora avistaram uma cabana. Simples. Feita de sapé com madeira cortada nas imediações. Uma rede de cipó embalava um homem. Estaria morto? Parecia. Não se mexia. Melhor chegar para ver. Um susto! Impossível! Era o Chefe Gerônimo. Abatido, sem forças e barbudo. Parecia que não se alimentava há dias. Tentaram reanimá-lo. Difícil. A fraqueza era muita. Nonato voltou ao acampamento para buscar mais escoteiros. Fizeram uma maca.

                  Antes do meio dia chegaram. Algum cozinheiro já tinha preparado um caldo de feijão bem forte. Tiveram que colocar em sua boca. Deram um banho nele com uma toalha velha. Ficou na Barraca da Coruja. Eles tinham uma a mais. O programa da tropa mudou. Sempre uma Patrulha para ficar com o Chefe Gerônimo. Impossível buscar socorro na cidade. Ficava a mais de cem quilômetros. Melhor é tratar dele no acampamento e esperar o dia do retorno. No terceiro dia Chefe Gerônimo levantou. Olhou para todos. Viram que seus olhos encheram de lágrimas. Quis falar, mas não conseguiu. No quarto dia ele já andava bem, mas pouco falava. Pediu para participar do Fogo do Conselho. La pela tantas fez um sinal. Pediu para falar.

                    Meus amigos eu não sei o que me deu. Uma névoa tomou conta da minha mente. Peguei minha mochila, coloquei alguns víveres peguei uma carona em uma caminhonete do Lindomar e cheguei próximo daqui. Fui subindo córrego acima. Parei na curva do Pássaro Preto encontrei um descampado. Vocês me encontraram lá. Cinco dias depois meus víveres acabaram. Não sei como vivi esses dois meses que ali fiquei. Não me lembro de nada. Sabia que as noites alguém me alimentava. Quem nunca soube. Um dia resolvi voltar para casa. Estava com saudades dos meus pais. Não consegui. As pernas não obedeciam mais. Fiz a rede de cipós e ali passava as noites e os dias. Acordei aqui com vocês. Não sei o que houve o que fiz e quem me ajudou.


                  A tropa ficou calada. No ultimo dia voltaram à cidade. Os pais do Chefe Gerônimo fizeram uma festa para o retorno dele. Cinco meses depois ele voltou ao Grupo Escoteiro. Outro Chefe Gerônimo. Mais ativo, mais falante, mais inteligente. Retornou a tropa. Aceito por todos. Assumiu cinco anos depois como Diretor Técnico. O Grupo mudou muito. Vários chefes novos. Uma diretoria atuante. Chefe Gerônimo se formou em Letras. Professor na Escola Técnica Santo Agostinho. Logo foi eleito vereador. Nunca saiu do Grupo Escoteiro. Dizem que casou não sei. Mas sei que a tropa Escoteira até hoje, com os jovens daquela época já adultos sempre contam uns para os outros a grande aventura que tiveram no Vale do Eco. Se ele foi socorrido quando ficou lá meses ninguém nunca provou. Mas como histórias são histórias deixo para a imaginação dos amigos leitores. Bom campo no vale do Eco!

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