Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Escoteiro não durma. Se dormir você morre!


Lendas escoteiras.
Escoteiro não durma. Se dormir você morre!

                      Ainda faltava uma hora e meia para chamar Meiasuja. Meu amigo de muitos anos e Escoteiro sênior como eu. Meus olhos queriam fechar. Um sono incrível. Não sei se aguentaria sem dormir por muito tempo. A noite estava gostosa. Uma brisa fresca, um céu estrelado e naquela clareira da Floresta da Jiboia nada dizia que seriamos incomodados por chuva ou outros “bichos” naquela noite. Meus olhos fecharam. Tentei abrir. As pálpebras não obedeciam. Forcei novamente. O melhor era levantar beber um pouco de água, passar um pouco no rosto e tomar um café que estava quente no bule em cima das brasas do fogo, pois assim meu sono seria espantado. Por pouco tempo é claro. Já tinha feito aquela rotina por duas vezes. Abri os olhos. O que vi me matou de susto de uma só vez! Fiquei paralisado. Meiasuja tinha me prevenido. Melhor fazer uma guarda, cada um fica três horas e meia. Lembre-se não durma! O Seu Ptolomeu foi sincero em tudo que nos contou.

                      E dai? Adiantou? Consegui abrir o olho, mas não consegui me mexer. Era a visão da morte. Não dava um níquel pela minha vida. Os dois eram enormes. Seus olhos eram brasas vermelhas a brilharem no escuro. Seu Ptolomeu disse que não era comum Puma daquele tamanho na região. Eles lá na roça os conheciam como Onça Pé de Boi. Matavam para viver e quando apareciam o gado ia aos poucos sendo sacrificado. Diziam continuou que eram animais fantásticos e que muitos caçadores e pescadores que conseguiram sobreviver juram que era uma Onça enorme, andando sempre aos pares com uma femea. Assim era difícil escapar. Encurralavam em algum lugar e enquanto matavam um e comia a femea esperava sua vez. Se vocês estiverem armados, matem primeiro o macho. Só assim poderão sobreviver, pois a femea vai fugir. Pescoço, você e Meiasuja tomem cuidado. A Suçuarana que aqui chamam de puma podem matar vocês só com uma pata.

                      Não me mexia. O corpo tremia. Urinei na calça uma vez. Seriam várias naquela noite. Olhava aqueles olhos vermelhos que não piscavam. Os dois pumas estavam um ao lado do outro e a menos de três metros onde estava. Meiasuja estava atrás de mim dormindo nem imaginava o perigo que corria. Pensei em acordá-lo, mas estava tremendo. Se ele acordasse e gritasse já era! – O que fazíamos ali? Por Deus deveríamos ter voltado. Seu Ptolomeu foi enfático. Agora era tarde de mais. – Tudo começou no Conselho da Tropa Sênior. O Grande Acampamento Distrital Sênior que fazíamos a cada dois anos seria em nossa cidade e iria acontecer uma grande Olimpíada Técnica Escoteira. Precisávamos de um local para alojar mais de duzentos seniores de seis distritos Escoteiros. Não poderia ser um lugar qualquer. – Era condição mínima ter uma mata, um rio ou riacho mais largo, remansos para banho, se possível quedas d’água para pioneiras de grande porte e muita madeira. Todos nós conhecíamos uma infinidade de lugares, mas mesmo assim o Chefe Pantaleão no Conselho de Tropa Sênior deu sua opinião que prevaleceu.

                      Vocês são doze. Duas patrulhas. Tem muitas estradas vicinais que ainda não exploramos. Vamos nos dividir em duplas.  Levar toda a patrulha não vai dar tempo de achar um local novo e desconhecido para todos. Vamos sair pela manhã do próximo sábado e voltar no domingo à tarde. Vamos sortear aonde cada um vai. Na semana seguinte nos reuniremos para ver o que vocês encontraram. Assim foi dito, assim foi feito. Nosso destino seria a Floresta da Jiboia. Nunca estive lá. Tinha ouvido falar. O Rio Taquari corria em suas entranhas mais fechadas. Até pescadores evitavam ir lá. Mas éramos seniores. Afinal o difícil para nós era fácil. Impossível? Nunca, dizíamos. O possível se faz agora e o impossível daqui a pouquinho.

                      Para ser sincero não dei muita bola para o que disse o Seu Ptolomeu. Já vi onças muitas vezes e a maioria se espantava e sumia no meio das matas quando nos viam. Portanto estas tais pumas quando nos visse fariam a mesma coisa. Iriam fugir como o diabo foge da cruz. Ainda bem que o Meiasuja deu a ideia da sentinela. Mas não achei que adiantou muito. Estava petrificado, olhando aqueles enormes pumas a minha frente. Como sênior aventureiro já tinha visto a morte de perto muitas vezes. Naquele buraco fedido no Espinheiro da Maloca, onde nunca tinha visto tantas surucucus reunidas em um só local. Ou mesmo na Garganta do Espantalho, onde caí dentro de um buraco de formigas gigantes. Safei-me de muitas e outras borrava de medo. Nunca fui valente. Mas gostava daquilo que fazia. Agora não. Sabia que não haveria escapatória. Atrás de mim, deitado em uma manta e com a cabeça na mochila Meiasuja dormia como um neném recém-nascido.

                       Um dos “monstros” sem pêlo deu mais um passo a frente. A femea fez o mesmo. Estava morto e não sabia. Olhavam-me dentro dos olhos. Não aguentei mais. A calça ficou toda molhada. Perdi os sentidos. Não tive sonhos e nem pesadelos. Acordei uma hora depois pensando estar no céu. Os dois pumas estavam deitados aos meus pês e dormiam como anjinhos. Acho que aproveitando o calor das brasas do fogo que já se extinguia. Cutuquei Meia suja. Ele custou a acordar. Fiz o sinal de silêncio com o dedo à boca. Ele então viu os pumas. Saímos pé ante pé. Subimos na primeira árvore que encontramos. Cada um em um galho. Ficamos lá por um bom tempo.  Pela manhã os pumas foram embora e nós também. Sempre a olhar na longa trilha da mata se eles resolvessem nos emboscar. Foi duro sabe muito duro. Não tinha levado roupa reserva. Todo molhado e vi que não era só isto, pois tinha mais coisa na roupa. Saímos da mata duas horas depois.

                     Passamos pela fazenda do Seu Ptolomeu. Ele abanou a mão. Estava dando um trato na sua vacada de leite. Não paramos para comentar. O medo era demais. No Conselho de Tropa Sênior todos deram boas risadas. Alguns não acreditaram em tudo que contamos. Que seja. O Acampamento Sênior Distrital foi realizado com muito êxito. Nossa patrulha não ganhou nada nas olimpíadas, mas eu e Meiasuja fomos batizados de “Escoteiros Melosos”. Bem não foi propriamente meloso, mas o nome próprio não deve ser colocado aqui. Um dia na Barbearia do Mico Preto, eu cortava o cabelo e o Seu Ptolomeu entrou. Quando me viu riu e disse – Sabe? Nunca mais vi os dois pumas. Não perdi mais nenhum boi. O que vocês fizeram para eles sumirem deste jeito? Falar o que? Será que eles aproveitaram o calor do fogo e o calor de dois meninos Escoteiros e em troca da amizade e hospitalidade oferecida foram embora?


                  Um dia chamei Meiasuja e disse – Acho que devemos voltar lá. – Nem pensar Pescoço, nem pensar! Mas no meu intimo queria saber se os pumas ficaram meus amigos. Uma dúvida que persiste até hoje. Cresci e não voltei. Não soube de mais nada deles na Floresta da Jiboia. Soube sim que outras patrulhas acamparam lá e nem sinal dos pumas. Ainda bem. Histórias são histórias. Acreditem se quiser! Risos.

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