Lembranças
da meia noite.
A rede.
Até aquele verão
de 1953 eu não tinha possuído uma rede. Nunca tinha pensado em ter. Afinal
dormia bem no chão, seja forrado com capim ou sem ele. Dormia mesmo. Sono dos
justos. Qualquer toco de madeira servia de travesseiro. Dormia muito bem
obrigado. Dormi até em uma barraca suspensa, em cima do estrado de bambus sem
nada. Dormia sentado ou encostado em uma árvore e um dia dormi em pé caindo
como uma abobora no chão quando o sono bateu forte. Quase nunca usava lençol ou
fronha de casa. Só uma Capa Negra que ganhei do meu avô. Dormi em cima de
pedras pontiagudas em várias montanhas. Sem cobertor dormi até em locais frios,
mas... Um dia acampamos com alguns escoteiros do nordeste. Gente boa,
boníssima. Alegres um sotaque delicioso.
Apareceram em
nossa cidade como se fossem transportados por uma nave interplanetária. Turma
de primeira. Disseram-nos que estavam fazendo uma jornada e a pé ou de carona
pretendiam ir até o Rio de Janeiro. A Rio Bahia estava no auge, boa parte
asfaltada. Quando os vi na Av. Prudente de Morais dei um belo de um sorriso.
Aproximei-me e em alto e bom som gritei! Sempre Alerta! Na melhor pose que
conhecia. Eles me olharam espantados. Eram cinco. Não lembro os nomes. Estavam
vindos de Jequié na Bahia. Logo apareceram outros escoteiros do nosso grupo. Lá
fomos nós com eles até a sede. Causos e causos.
Levei um para
minha casa e os outros ficaram sem jeito pela insistência de mais de trinta
escoteiros brigando para levarem eles para suas casas. Era assim na época. Ver
alguém de outro grupo era uma apoteose. O que foi para minha casa não quis
dormir em meu quarto. Aproveitou o pé de manga e o pé de abacate e ali amarrou
sua rede. – Você vai dormir aí? – Porque não? É minha cama preferida! Calei-me.
No meu quarto fiquei pensando em dormir em uma rede também. Fácil de colocar na
mochila seria uma mão na roda. Ficaram quatro dias e partiram em uma manhã
ensolarada. Ficamos muito amigos e quando partiram senti saudades.
Coloquei na minha
mente que devia ter uma rede. Nas lojas em minha cidade custava uma nota. Não
importava. Chegava da escola, pegava minha caixa de engraxate e partia para o
centro da cidade. Demorou quatro meses, mas consegui a quantia necessária e
comprei a rede. Levei para casa. Amarrei-a no pé de abacate e o de manga.
Fiquei ali um tempo enorme admirando minha nova amiga. Sentei e deitei.
Gostoso. Meia hora depois me virei e fiquei virando e virando. Danada de rede.
Não seria fácil acostumar. Na semana seguinte fomos acampar na Serra da Gamboa.
Ia matar todo mundo de inveja. Levei a rede. Lá chegando todos assustaram. Uma
linda rede. – Vais dormir aí? – Claro, melhor que no chão duro! Um frio danado.
A manta não cobria tudo. Gelava por baixo. Fiz um fogo próximo. Nada. Fiz outro
do lado contrário. Nada.
Lá pelas três da
manhã não aguentava mais. Não tinha dormido e sempre fazendo foguinho aqui e
ali. Não queria dar o braço a torcer com meus amigos e voltar para a barraca.
Seria um vexame. Eles riram quando disse que ia dormir ali e tinha de dormir.
Quatro da manhã e o frio piorou. Um clarão iluminou a mata. Um trovão abateu em
cima de mim. A chuva caiu torrencialmente. Fiquei ali na rede. Tinha dito que
ia dormir nela e tinha de dormir. Meus amigos dormiam sono solto na barraca e o
idiota lá na rede molhado e na chuva.
Nunca mais. Nunca
mais mesmo iria dormir em uma rede. Não era para mim. A levava sempre, mas para
forrar a barraca. Uma rede. É boa para sentar deitar e tirar uma soneca. Mas vá
lá dormir em um acampamento de quatro ou cinco noites com o frio a gelar o
esqueleto? Deixo para meus amigos escoteiros nortistas. Eles são bons nisto.
Até hoje fico pensando porque não acostumei. Mas eu dormia gostoso no chão
duro, nas pedras, em cima de pontes, em trilhas, em capim meloso, braquiária,
colonião, no meio das samambaias, ou seja, lá o que for. Que chovesse canivete.
Mas na rede? Nunca mais!
Boa noite meus amigos e minhas amigas. Que lindas estrelas no
céu iluminem seus corações para sempre.
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