Lembranças da meia noite.
Chefe eu não posso ir? Eu gostaria tanto!
É difícil ouvir isto e não sentir uma dor enorme bem lá no fundo
do coração. Uma dor cruel que invade a alma e machuca tudo aquilo que você
acreditava quando dizia amar aos seus meninos. Dizem que todos nós chefes somos
uns “Maria Moles” quando estamos diante dos nossos jovens. A gente se revolta
quando dizem que Escotismo é para ricos. A gente levanta a voz para dizer que
não. Que na sua sessão têm pobres eles os muito pobres têm os mesmos direitos
que os ricos. Será que você acredita nisto? – “Chefe eu não posso ir”? Existe
tristeza maior que ouvir esta frase? Olhe nos olhos do menino, vejam bem lá no
fundo se não dá vontade de dizer – Claro que pode. Mas como? Os pais não estão
nem aí. Você pediu uma autorização de atividade e eles não assinaram. E agora José?
Fazer o que?
Estou lendo uma dirigente regional de lobos falar maravilhas da
próxima atividade. Um programa de tirar o queixo, a lobada presente vai se
“esbaldar”. Mas lá no final estava escrito – Para participar tem de estar com o
registro em dia e pagar a taxa de tantos reais. Pronto. Danou-se! Muitos
lobinhos não foram registrados. Taxa? Quem dera os pais nunca irão pagar. “Mali
e Mali” recebem para passar o mês. Claro se fosse só isto eu sei que seu
coração dava um jeito. Você não ganha tanto, mas sempre tirou do seu rico
dinheirinho para eles. E a chefona dos lobinhos estaria certa em exigir tudo
isto? Legalmente sim é claro. Mas e o coração dela? Não bate forte para aqueles
que ficam sempre na berlinda?
E são tantos os casos que os meninos e meninas não entendem. Os
pais deles muito menos. Nada se faz sem o “bendito registro”. Eita burocracia
infernal. Condição “sine qua non” para ser do movimento Escoteiro. Errado? Não
é, mas que é duro falar para o seu lobo, a sua escoteira, ou guia e maldizer o
grupo por não ter feito o “bendito registro”. Chefão! Você não registrou meus
meninos? É comadre. Não deu. Tirei metade do meu salário para completar e mesmo
assim faltou muito! – Você olha para o chefão e maldiz a você mesmo por ter
dito aquilo. Você sabe como é. Sabe que tem registro para os que não podem
pagar e quem sabe por desconhecer toda documentação não o fez. E assim vão
sumindo na curva do caminho da tristeza, o Jamboree, o Camporee, a Aventura
Sênior a Grande Atividade na Floresta de Mowgly e tantas outras.
Errado tudo isto? Claro que não. Lembro-me da quadrinha para ver
a previsão do tempo do meu saudoso Chefe Floriano de Paula – Se tens vento e
depois água, deixe estar que não faz mágoa, mas olhe se tens água e depois
vento, põe-te em guarda e toma tento! É mesmo. Tem-se dinheirinho no bolso
deixe andar que não faz mágoa, mas se não tem põe-te em guarda e toma tento. Você
é pobre? Danou-se meu amigo. – E ai Chefe, eu não posso ir? Chefe, eu queria
tanto ir! Você vai dizer o que? Ser
Chefe é duro mesmo. Você vai para casa se maldizendo por não saber responder
aquele menino ou menina que ele não pode ir por causa do rico dinheirinho, por
causa da burocracia e da papelada. Você deita e pensa em chorar, mas sabe que
não é a solução. A noite inteira aquela pequena frase, aqueles olhinhos
molhados, aquela expressão de duvida e não acreditar e ouvir centenas de vezes
ele dizer – Chefe eu não posso ir?
Burocracia dos infernos. Desculpe meus amigos. Isto devia ser
proibido. Todo menino ou menina deviam ter direitos acima dos deveres
burocráticos. Depois falam mal dos antigos que sempre cantam aleluia aos quatro
ventos que no passado não era assim. Não era. Registro? Para que? Mas se fosse
feito era uma ninharia. Todos podiam pagar e não precisavam engolir que eram
pobres. Viagem longa e distante? Cai fora meu amigo. Quase não tinha distrital
Diretores e Presidentes para se engrandecer e fazer estas grandiosas atividades
de hoje. Que tempo bom. Uma mochila, uma manta, uma muda de roupa íntima, um
chapéu, uma pequena ração dividida por todos e lá íamos nós. Rostos brilhantes,
canções mil, Bandeiras desfraldadas, uma estrada, um sol a sota-vento, empurrando
a carretinha, um vento sul a tiracolo, um riacho de águas geladas, uma canção e
a vida sonhada era um presente para cada um. Escotismo Badeniano. Meninos
metido a homens dirigidos por homens metido a meninos. Assim se vivia no
passado. Não importava se eram Lobinhos ou Escoteiros. Lobo não acampa? Putz!
Só hoje. Quantas noites tive de acampamento na Jângal dos meus sonhos? Não
tinha “meu pé me dói” de hoje. Ainda bem que nunca vi um menino meu dizer –
Chefe, eu não posso ir? E sabe por quê? Ele ia em todos. Ai se ia!
Boa noite meus amigos e minhas amigas. Um bom sono junto aos
anjos que estarão ao lado de todos vocês.
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