Lembranças da meia noite.
As coisas belas da vida.
Quebra Coco. O último desafio!
Acho que o tempo apagou estas lembranças incríveis. Quase não vejo ninguém
comentando. Claro, são os novos tempos. Novas músicas. Novas canções e quem se
anima a cantar as antigas? Elas devem ter ficado lá ao longe em um passado
distante. Nem todos irão lembrar-se como foi e acho que poucos participaram do
Quebra Coco na sua simplicidade de um bom desafio. E meu Deus! Como era gostoso
cantar e ver os desafiantes, com suas cabeças pensantes, a meditar o que iam
dizer. Eu mesmo posso dizer que tentei quando cresci manter a chama do Quebra
Coco como o conheci. Acho que não fui feliz. Os jovens não se interessavam
mais. Tudo foi mudando, novas ideias novos Fogos de Conselho. Quem diria que
naquela época teríamos um animador de fogo? Nunca! Animador? Nem pensar.
Para dizer a verdade acho que foi quando fiz um ano de lobo foi que ouvi pela
primeira vez o Quebra Coco. Estávamos acampados na Vertente do Vale Feliz.
Lobos acampando? Risos. Claro, era comum. E porque não? Era mais divertido.
Lembro-me do Miúdo (era nosso Baloo, nunca fiquei sabendo seu nome real) e do
Munir Boca Grande (nossa Bagheera) a fazer os almoços e jantas e que manjar!
Eles eram bons e todos nós em volta ajudando, buscando água, lenha, cantando e
contando “pataquadas”. Bons tempos. Já tinha participado de dois Fogos de
Conselho. Não sabia como era o Quebra Coco. Foi o Akelá Laudelino Pé de Chumbo
quem explicou. Tratava-se de um desafio entre escoteiros. A tropa antes de
encerrar o Fogo de Conselho faziam o desafio. No começo todos participavam, mas
depois de algum tempo ficavam dois ou três. Os demais não eram bons
repentistas.
Na tropa era minha diversão favorita nos Fogos de Conselho. Desenvolvi uma
facilidade grande em criar versos. Nada dos conhecidos. Isto era para Patas
Tenras. Poucos tinham a “audácia” de me desafiar. Já começava cantando assim –
“Meus amigos, escutem bem, hoje estou um pouco rouco, mas é bom ficar sabendo,
sou o campeão do Quebra Coco” e daí em diante não parava mais. Mas tudo mudou,
pois quebraram meu orgulho de cantador. Fomos acampar em Serra Vermelha com uma
Tropa da cidade de Rio Grande e foi um desastre. Todos da tropa perguntavam se
nós tínhamos bons “cantadores” do Quebra Coco. Apontavam-me e eu ficava todo
orgulhoso. Não falaram nada do Mandinho. Um Escoteiro magrelo, desengonçado e
achei até que ele era gago. Quando chegou a hora e ele em pé aceitou meu
desafio, sorri de leve. “Este estava no papo”.
Deus do céu! Onze horas, meia noite e o danado lá aceitando todos meus versos e
devolvendo em dobro! O Chefe disse que quem quisesse podia ir para as barracas,
mas ninguém arredou o pé. Minha cabeça fervilhava, a busca de versos era
medonha. Mais de quatro horas e o danado do Mandinho ali com um sorriso simples,
sem afetação me colocando no chinelo! – Entreguei os pontos. Fui lá do outro
lado à fogueira cumprimentá-lo. Parabéns Mandinho. Perdi mas estou orgulhoso de
você! Quase desisti para sempre do Quebra Coco. Mas uma coisa sempre tive em
mente, ganhar é bom, mas saber perder é uma arte. Isto sempre nosso Chefe Jessé
dizia.
Os tempos foram mudando. Participei de muitos Fogos de Conselho. O Quebra Coco
se tornou saudades de um tempo que já se foi. Outras canções trazidas pelos
novos chefes, e ele, o meu amado Quebra Coco ficou na história de um livro que
não foi escrito. “Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá, Escoteiro Quebra
Coco e depois vai trabalhar”! Até hoje eu canto com boas lembranças. Se que a
origem é nordestina. Deve ter começado com os repentistas esses maravilhosos
cantadores que encantam até hoje os que apreciam a música nordestina.
As lembranças não saem da memória. Na minha varandinha querida comecei a cantar
baixinho. Lá é o meu recanto. Onde penso e faço minhas histórias. Sentei na
minha cadeira rústica e olhei pela fresta do portão e vi a meninada jogando
bola. Uma rua íngreme. Poucos carros. Cada um se diverte como gosta. Cantava
baixinho o Quebra Coco. Saudades vem e vão e eu um dos últimos representantes
de uma época, vou lembrando como posso dos meus tempos de criança. Quebra Coco,
O meu Chapéu tem Três Bicos, A Árvore da Montanha e tantas outras. Onde está
meu violão? Acho que as cordas arrebentaram. Preciso comprar novas e ficar na
minha varandinha a cantar. Fazer a melodia brotar de novo pelo som do meu
violão. Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá...
Boa noite meus amigos e minhas amigas. Durmam com Deus.
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