Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Quinze horas de terror.
Aconteceu quem sabe na minha
imaginação. Sou contador de histórias e se não foi verdade a culpa não é minha.
Afinal dizem que tenho uma imaginação fértil. Foi o Chefe Fontana quem me
contou. – Chefe Vado, vou lhe contar a história de Katia. Katia era guia. Da
Patrulha Sete Quedas. Katia adorava o escotismo. Estava nele desde lobinha e
nunca perdeu uma reunião, um acampamento. Ela, entretanto tinha um segundo amor
em sua vida. Orquídeas. Era louca por orquídeas. Em casa tentava fazê-las viver
e rejuvenescer. Nem sempre conseguia. Tudo que escreviam ou falavam sobre elas
ela lia. Ela nem bem fez quinze anos e a passaram para guia. Disseram que era
uma tropa nova formada só para moças da idade dela. Ela achou bom. Teria maior
liberdade o que não acontecia quando sub-monitora na tropa Escoteira. Ela sabia
que havia mais de trinta mil espécies de orquídeas e fáceis de cultivar em
casa. Lindas, coloridas, perfumadas cabiam em qualquer lugar e como era
cuidadosa duravam anos. Seus amigos e até um professor de seu colégio já tinha
ido visitar seu orquidário.
Nos acampamentos
sempre tentava descobrir alguma árvore, próximo ou não de uma floresta que
tivesse uma orquídea. Quem sabe descobria alguma que não conhecia. Lorena sua
monitora já a alertara diversas vezes para nunca sair sozinha e sempre avisar
aonde ia. Claro o tempo livre era pouco e Katia não perdia tempo. Já tinha dois
dias que estavam acampadas em um sitio e bem próximo uma linda floresta. Ela
tinha certeza que iria encontrar lá a “Phalaenopsis”, pois o ambiente da
floresta com pouca humidade era próprio para isto. No segundo dia logo após o
almoço sabia que haveria um tempo livre de pelo menos três horas. Não era a
cozinheira e pela manhã tinha construído uma bela mesa com bancos reclináveis.
Sabia que não devia sair só, mas estavam todas
tão entretidas com seus afazeres que escapuliu e se embrenhou na mata. – Só vou
olhar e volto logo. Não andou muito. Próximo a um pequeno vale bem profundo ela
avistou em uma árvore o que achava ser uma “Phalaenopsis”. Não se fez de
rogada. Tirou a blusa de frio e lá foi ela arvore acima, pois tinha um bom
treino em subir em árvores. Encantou-se com a orquídea. Linda, maravilhosa.
Esqueceu que estava em uma arvore escorregadia. Caiu, um tombo enorme, quando
batia nos galhos da árvore sentiu que um galho havia atravessado sua coxa
esquerda. Na hora não sentiu nada, pois rolou em uma ribanceira caindo entre um
vale onde havia uma vegetação espessa que escondia tudo o que havia por ali.
Agora sim, ela sabia que não podia mexer com a perna. Uma dor terrível. Um
braço estava quebrado. Não podia se movimentar. Teve vontade de chorar, pois
sabia que ali dificilmente iriam encontrá-la. A tarde chegou e veio à noite.
Ouviu vozes e gritos tentou gritar e não conseguiu. Alguma coisa a impedia de
falar. Logo o silencio da noite voltou novamente. Para Katia seria uma noite de
terror.
A Patrulha deu falta dela logo após
a chamada geral. Busca daqui e dali e nada. O desespero passou a acompanhar
todos os participantes. A Chefe Maria Célia ligou para os bombeiros na cidade.
Não demoraram e antes do escurecer mais de vinte homens experimentados na arte
de sobrevivência na selva lá estavam. Até meia noite tentaram, depois não se
via nada e o local de difícil acesso. O melhor era esperar o dia seguinte. Uma
nevoa espessa e terrível tomou conta da floresta. Não se via um palmo adiante
do nariz. Todos choravam. Ninguém conseguia dormir. Os pais de Katia chegaram.
Ainda bem que eram calmos. Diziam confiar na filha e em Deus. Ela tinha
experiência e não se deixaria levar pelo desespero. Aconteça o que acontecer.
Miltinho
tinha cinco anos. Todos o chamavam de manteiga, porque ele não sabia. Afinal
não era chorão e até muito vivo para sua idade. Sua mãe era assistente da
tropa. Não tinha com quem deixar e o levou para o acampamento. Ele dizia ver
coisas. Ninguém acreditava. Coisas de crianças falavam. Chamou sua mãe. –
Mamãe, eu sei onde ela está. A mãe não acreditou. Ele pegou na mão do Capitão
Marquetti. – Venha comigo, eu sei onde ela está. O capitão o olhou de soslaio.
Resolveu segui-lo floresta adentro. Passava das quatro da manhã. O dia ainda
não tinha amanhecido. – Ali ele apontou. O capitão Marquetti desceu até a
ravina. Katia estava lá. Desmaiada. Praticamente com avançado estado de
hipotermia. Sonolenta não ouviu e nem sentiu a chegada deles. O Capitão
Marquetti viu que seu ritmo respiratório a estava levando a uma parada
cardíaca. Se tivessem demorado mais meia hora Katia teria morrido.
Ele
chamou pelo radio os outros bombeiros que estavam no acampamento esperando o
dia clarear. Levaram Katia ao hospital. Um mês depois ela estava em casa. Não
houve sermões, admoestações ou ameaças. Ela voltou a Patrulha e a tropa. E
agora nunca mais, mas nunca mais sairia sozinha do campo de Patrulha. Bastou
àquelas quinze horas de terror para aprender a lição. Que sirva para todos os
meus amigos escoteiros.
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