Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sábado, 16 de maio de 2015

Olavo Bilac comenta sobre o escotismo em 1916.


Conversa ao pé do fogo.
Olavo Bilac comenta sobre o escotismo em 1916.
(Copia fiel do que foi escrito nesta data)

“Trecho da Conferência realizada em Belo Horizonte, em 26 de agosto de 1916. – Publicado em 1929 em Niterói pelas Oficinas Gráficas da Escola Profissional Washington Luis”.

                   “A escola dos escoteiros, uma das células primárias do organismo da educação cívica e da defesa nacional, tem um objetivo que se resume em breves linhas”. É a educação completa dos adolescentes. O escoteiro, desde que se inicia no tirocínio, anda, corre, salta, nada monta a cavalo, luta defende-se, maneja armas; mantem-se num constante cuidado do asseio do corpo e da alma; afasta-se da pratica de todos os vícios; adquirem noções de física, chimica, botânica, astronomia, anatomia, geographia, topographia, astronomia; orienta-se pelo sol, pela posição das estrelas, pelo relógio, pela bússola, manuseia o termômetro e o barômetro, mede o caminho que percorre; estuda os mapas; sabe acender o fogo e cozinhar; faz acampamento; recebe e transmite comunicações pelos telégrafos Morse e Marconi, por meio de luzes, de sinais por bandeiras e pelos gestos dos braços; instintivamente aprende tática e estratégia; pode eficazmente socorrer feridos e vitimas de quaisquer desastres; alimenta e desenvolve os seus nobres sentimentos; abomina a mentira; reputa sagrada a sua palavra de honra; é disciplinado e obediente; é cortes; considera como irmãos os seus companheiros, ampara as mulheres, os velhos os enfermos; opõe-se a crueldade sobres os animais; é econômico, mas condena a avareza; respeitando a própria dignidade, respeita a dignidade alheia; é alegre; esforça-se por dizer claramente o que sente e exatamente descrever o que vê; pensa, raciocina, deduz; e enfim, conhece a historia e as leis do seu pais; é patriota e estimula a sua iniciativa.

                      Basta isso para que se veja que, no escotismo, se inclui todo ensino da infância e da adolescência. “Como o compreendia Platão, dizendo: “a educação tem por fim dar ao corpo e ao espírito a beleza e toda a perfeição de que eles são susceptíveis”“. E como concebia Spencer, professando: -  “a educação é a preparação para a vida completa”. Esta admirável escola ao ar livre abrange todos os pontos, que se contem no programa da moderna pedagogia. Primeiro, a instrução física: a conservação ou o restabelecimento da saúde, pela higiene e pela medicina e o desenvolvimento normal e progressivo de todas as funções de corpo, pela ginástica e pelos jogos escolares. Depois, a instrução intelectual: o adestramento dos cinco sentidos, a percepção externa e a interna, a cognição e a experiência; a consciência, a personalidade, e a liberdade; a faculdade de conservação - a memória; e as faculdades de elaboração - a atenção, a abstração, a generalização, juízo, o raciocínio, e a imaginação. 

                  Enfim, a instrução moral; a sensibilidade, e a sua cultura; o amor próprio, o amor e o respeito da propriedade, foi livre arbítrio, da independência, da emulação; o altruísmo, a benevolência, a beneficência, a amizade, a docilidade; o amor da pátria, do belo e do bem; o brio, a coragem, a disciplina; e a cultura da vontade, e a formação do caráter. E este curso completo de adestramento é feito no seio da natureza, na alegria da vida desportiva, pelo gosto próprio, pela pratica, pela lição das coisas. O escotismo forma homens e, ainda mais, heróis. É a heroicultura. Em cada escoteiro, no ultimo grau da iniciação, existe um "Agenor", no sentido do vocábulo grego: Homem de coração.

                  Há pouco tempo, em São Paulo, um educador, o Sr. João Kopke, numa conferencia, lembrou que os antigos gregos davam aos ephebos, "sem ensino especial de civismo, meios de cultura própria, apenas por um programa limitado, entre os sete e os dezoito anos, formando uma boa e bela forma de homem, com a sua inteligência, os seus sentimentos e o seus corpos treinados”. Não era aquele ensino da ephebia o mesmo ensino que hoje damos aos escoteiros? Mais ainda: o juramento do escoteiro no primeiro grau de iniciação, e os doze artigos do Código do escotismo são uma reprodução aproximada da afirmação, que os efebos espartanos e atenienses prestavam, quando, perante os magistrados, recebiam a lança e o escudo: "Nunca aviltarei estas armas, nem abandonarei o meu companheiro na fileira; combaterei pela defesa dos templos e da propriedade; respeitarei as leis; e transmitirei a minha terra própria, não só menor, porem maior e melhor do que me foi transmitida".

                     Mas o juramento e o código do escoteiro tem mais larga e mais bela significação do que a formula dor efebos. A moral e o governo de Esparta e de Atenas estreiteza e secura de egoísmo. Se quiserdes dar ascendência legitima, e foros e brasões de altas nobrezas a moderna criação do escotismo, deveremos radica-lo na tradição medieval da Cavalaria Andante. O grande ímpeto de desapego, de liberdade, de coragem e de altruísmo, que dispersou os cavaleiros andantes pelo mundo, foi o mais belo serviço da idade média. Os abusos da cavalaria não a mataram. Os exageros de uma virtude matam-se a si mesmos; e deixam viva e inalterável a força da alma que foi exagerada. Também, sobre o curso dos rios nas cidades despejam todos os dejetos da sua vida; a água, turvada e infamada, aceita com resignação a afronta; mas, em breve, libertada do contato dos centros populosos, na sua incessante agitação, torvelinhando sobre o leito de pedra e musgos, expurgando-se com o banho do ar livre, abluindo-se em si mesma, é daí a mesma linfa imaculada, reproduzindo a clareza e a virgindade da nascente. 

                   Assim, o sentimento de honra, que inspirava os paladinos. Que era aquela instituição? Uma exaltação da alma, que impelia para a gloria, para a justiça e para o desinteresse: os heróis errante eram bravos e pródigos, destemidos e puros: respeitavam e protegiam os fracos, defendiam as viúvas e os órfãos, subjugavam a tirania insolente, veneravam a mulheres e davam ao amor um culto religioso... Morreram os abusos, mas a essência sublime ficou... Enquanto houver brio e bondade no mundo, sempre haverá cavaleiros andantes. No escotismo - e é esta a sua maior e mais verdadeira beleza - a exaltação reveste-se de um distintivo prático, sem perder a sua poesia sublime. Na Cavalaria, às vezes, a idéia de honra era vaga: a da generosidade, indecisa; a da abnegação, indeterminada; às vezes, era o sacrifício perdido, a bravura sem proveito, a dedicação inútil. No escotismo, a idéia da honra define-se: é a honra do indivíduo, a honra do cidadão; o desinteresse e a magnanimidade não são apenas gestos formosos; são ações justas e úteis - justas para a perfeição humana, e úteis para a grandeza da Pátria.


                       Tal é, em suas linhas fundamentais, a criação do escotismo. A vos, meus companheiros de trabalho literário, cumpre a tarefa da propaganda, da organização e da direção em Minas, da nova heroicultura, linha de Baden Powell.

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