Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.


Lendas escoteiras.
(Um repeteco gostoso de reler)
João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.

            O aviso estava dado. Chefe João Soldado (era sargento, mas o apelido pegou) autorizou. Batista nosso intendente logo nos disse que não nos preocupássemos. O material estaria pronto em vinte e quatro horas. Platão o cozinheiro iria entregar a lista de mantimentos para cada um dia seguinte bem cedo. Tudo era dividido. Pedrinho o Monitor sorriu de orgulho da patrulha. Todos sabiam como e quando deviam fazer. – Sairemos na quinta pela manhã. Vamos aproveitar bem o feriado. A reunião de patrulha acontecia na casa do Mino Pastel o sub. monitor. Seriam quatro dias bem aproveitados. Destino? As Florestas Verdes do Brasil. Que nome eim? Mas foi Ditinho quem a batizou assim. Estivemos lá duas vezes. Na primeira vez ao chegarmos ao cume do morro do João Papudo ficamos abismados. A floresta era verde, um verde musgo lindo, no seu seio muitos Ipês das flores amarelas. – Ditinho, para ser o Brasil falta o branco e o azul, eu disse. Ele riu. Vado Escoteiro O céu meu amigo e as nuvens em sua volta.

         Ninguém nunca esqueceu João Papudo. Ele tinha no pescoço um papo enorme. Hoje chamam de Bócio que é devido ao aumento da glândula tireoide. Fácil de operar nos dias de hoje, mas naquela época não. Ficou nosso amigo pelo simples fato de o cumprimentarmos, tomar café com ele e comer sua “brevidade” uma das melhores que já comi. Ninguém gostava dele. Logo ele uma alma de Deus. Só por causa do papo no pescoço todos tinham medo e asco. Um absurdo. Na primeira vez que chegamos lá para acampar assustamos. Ele estava na porta com uma foice enorme. Ninguém se mexeu. – Um café? Ele disse. - Porque não? Respondeu Pedrinho. Daí para a amizade foi um pulo. Ele queria conhecer o grupo e a escoteirada. –Apareça amigo, será bem recebido. Nunca foi. Quando ele precisava fazer compras ou vender suas plantações só ia à cidade à noite, e enrolava no pescoço um cachecol para ninguém ver sua deformidade.

           Foi Motosserra, isto é o Lorenzo o escriba da patrulha quem deu a ideia de uma vez por mês fazermos uma campanha do quilo e levar para ele. Na primeira vez chorou e disse não. Ele não merecia. Não falamos nada. Deixamos lá e voltamos. Pedrinho colocou em votação qual o melhor local para acamparmos naquele feriado prolongado. Foi descartada a Lagoa da Lua Branca, a montanha do Gavião, o vale do Esplendor e as campinas da flor vermelha. Eram ótimos locais, mas as Florestas verdes do Brasil ganhavam de longe de todas e iriamos saudar nosso amigo João Papudo. Dito e feito, seis da manhã café no papinho, pé no caminho. Sete e meia a bordo das nossas máquinas voadoras chegamos. Na porta ninguém. Estranhamos. João Papudo sempre estava lá nesta hora. A porta estava aberta e chamamos. Nada. Entramos, pois ficamos preocupados. João Papudo estava gemendo e suando na sua cama de palha. Seu corpo tremia. No chão vimos muita água e sujeira, sinal que ele estava ali a mais de dois dias.

          O que fazer? Sabíamos que nosso acampamento nas Florestas Verdes do Brasil foi para o brejo. João Papudo tinha prioridades. Nunca iriamos deixá-lo ali a mingua e sem ninguém. Tinhamos que levá-lo urgente para o Hospital Santa Inês, o único da cidade. Mais de quinze quilômetros. Patrulha boa não se aperta. Luiz Nantes o Porta Corrente, nosso Sinaleiro e socorrista deu a solução. Mãos a obra. Duas horas e estava pronto. Fizemos uma maca com o toldo da cozinha, cada ponta amarramos em uma bicicleta. Usamos quatro e pé na taboa. Antes das onze estávamos na porta do hospital. Não o deixaram entrar. Ninguém se arriscou a ir ver o que se tratava. Pedrinho correu a chamar o Chefe João Soldado. Estava na sede do batalhão e veio correndo. Ameaçou, xingou fez tudo e eles nem deram bola. Foi até a casa do Juiz Ponderado e nada. Chamou o Delegado Praxedes e nada. Uma enfermeira Dona Adelaide nos chamou e deu uns comprimidos. Quem sabe ajuda? Com nosso cantil fizemos João Papudo tomar.

          Os Escoteiros e seniores do grupo estavam chegando. Uma aglomeração se fez. – Vamos levá-lo para a porta da prefeitura. Se o prefeito não tomar providências ele vai ver com quem estão se metendo, disse o Sênior Jovialto, nove anos no grupo. Um mestre na ação no grupo. Aliás, tínhamos poucos amadores. O prefeito chamou a policia. Chefe João Soldado era policia. Nem deu bola. A patrulha Touro correu a sede e trouxe um enorme toldo da chefia. Armado com rapidez no jardim da prefeitura. Uma cama foi improvisada. João Papudo era tratado pelos Escoteiros na porta da prefeitura. Doutor Melão o prefeito foi lá reclamar. Pé de Pato um lobinho segunda estrela pegou na mão dele. – Doutor prefeito, venha ver como ele está. Afinal o senhor não tem coração? Ele deu meia volta e sumiu nas salas da prefeitura.  O povo aglomerava na praça em frente. Doutor Noel um medico antigo na cidade veio ver João Papudo. – Malditos disse – Um simples bócio faz dele um homem marcado? – Venham comigo a minha clinica.

               A história termina aqui. Doutor Noel tratou dele e conseguiu uma internação para operar na Santa Casa da Capital. Dois meses depois eu estava recebendo o meu Correia de Mateiro. Orgulhoso, já tinha o cordão dourado e o vermelho e branco. Esperando a Primeira Classe. Poucos conseguiam. Tinham de ralar para conseguir. Todo mundo olhou para o portão. Eis que ali estava João Papudo em carne e osso. Agora não tinha mais o papo. Orgulhoso levantava a cabeça como a mostrar – Nunca mais! Doutor Noel, vocês e Deus me deram a alegria de viver. João Bonito (mudamos o apelido dele) entrou na ferradura, foi saudado com uma enorme palma escoteira. Não teve jeito, chorou igual menino. Fez questão de dar um abraço em cada um. Abraço gostoso, sincero, amigo.


             Seis meses depois João Bonito fez a promessa. Nunca vi ninguém chorar assim. Vá lá, uma promessa é uma promessa. Nossa tropa ganhou um novo assistente. João Bonito era um novo homem. Trabalhava durante o dia na prefeitura (o prefeito com vergonha e não querendo perder as eleições o admitiu como auxiliar geral) e a noite estudava. Três anos depois terminou o curso Técnico em Contabilidade. João Papudo perdeu o papo, mas ganhou uma cidade. Hoje e feliz cortejando Dona Mocinha uma alegre e linda jovem do Bairro Tatu Bola. Ficou um Chefe Escoteiro todo pomposo. As Florestas Verdes do Brasil tiveram nossas presenças por muitos anos. A casa onde João Bonito morava foi jogada ao chão para uma nova estrada até Muzambinho. Histórias que se foram histórias de Escoteiros. E quantas mais por este Brasil imenso?

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