Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

terça-feira, 30 de setembro de 2014

O dia que perdemos Dona Lurdinha.


Conversa ao pé do fogo.
O dia que perdemos Dona Lurdinha.
(Uma historia baseada em fatos reais)

                      Eu nunca esqueci a Dona Lurdinha. Baixinha, cabelos pretos curtos, um sorriso encantador, fazia às vezes de uma bibliotecária da biblioteca da prefeitura da nossa cidade. Aprendeu ali. Não tinha feito nenhum curso. Biblioteca pequena, não mais que uns cinco mil livros, mas era onde podíamos fazer nossas pesquisas. Muitos de nós íamos sempre lá; Não só para ler os livros, mas para “paquerar” as meninas do Colégio das Irmãs.  Pessoas próximas a nós muitas vezes não vemos o que ela é, seus sentimentos e se chora e se ri. Ali naqueles quatros paredes Dona Lurdinha só servia para nos entregar os livros. Se depois que saíssemos ela fosse à mesa onde estivemos para limpar e guardar os livros era como se fosse uma obrigação. Aprendemos muito com as pessoas a nos servirem, mas esquecemos de que servir primeiro e ser servido depois faz parte de um bom Escoteiro.

                       Aluno do Ginásio e Escoteiro eu ia sempre a Biblioteca. Muitas vezes toda a Patrulha. Na Enciclopédia Britânica ou a Barsa devorávamos tudo que se dizia sobre os escoteiros. Dona Lurdinha sempre prestativa com um sorriso. Ela sabia o nome de quase todos nós. Um dia discutimos em Patrulha se BP falecera foi em Nairóbi ou no Quênia. Não sabíamos que um era a capital do outro.  Uma gostosa discussão em Patrulha. Lá fomos nós a biblioteca. Ela veio prontamente a ler para nós tudo sobre o Quênia e sobre Nairóbi. Ouvíamos com atenção. Afinal achávamos que ela tinha todos os livros na mente.

                         Um dia ao passarmos a porta da biblioteca vimos que ela estava fechada. Escrito em uma folha de papel dizia que Dona Lurdinha falecera. Assustei-me com a noticia. Fomos a casa dela. Uma multidão. Não sabia que era tão querida assim. Disseram que morreu de câncer. Que sofrera muito. Nunca vimos nada. Ela nunca demonstrou para nós sentir dor só nos tratava com bondade e um sorriso. Todos o Grupo Escoteiro foi em peso ao seu funeral. Nunca vi tanta gente no Cemitério como naquele dia. Cantamos para ela a canção da despedida. Como sempre todos chorando. Mas no final uma palma escoteira, um bravo e um arrê com todos os chapéus sendo arremessados para o alto.

                         Uma semana depois colocaram lá o Senhor Carlito. Não era a mesma coisa. Apesar de educado perdia a calma com qualquer um dos jovens que frequentava a biblioteca. Agora ela andava quase sempre vazia. Entrei lá um dia. Estava uniformizado. A missa que frequentávamos tinha terminado. Olhei para todos os lados, as prateleiras, num canto o Senhor Carlito dormitava. Faltaram as moscas para acompanhá-lo. Deu-me uma enorme saudade de Dona Lurdinha. Lembrei-me de Clarice Lispector que dizia: Atitude é uma pequena coisa que faz a diferença. É isto mesmo. Tem pessoas que fazem a diferença, veja o que o Escritor Manoelzinho da pequena Contagem em Minas escreveu:

                            “Para se fazer uma obra de arte, não basta apenas ter talento, não basta ter força, não basta ser inteligente, tudo o que fazermos na vida e uma obra de arte, mas para que uma obra de arte por mais simples que seja se torne uma marco para posteridade em nossas vidas devemos executá-la com todo o amor existente em nossos corações porque a nossa vida em si será uma obra de arte que completara e embelezará a vida de quem estiver próximo da gente”.

                            Era verdade. Dona Lurdinha fazia a diferença. Sem ela a Biblioteca perdeu a graça. Pensávamos diferente. Paquerar as meninas, “mandar” ela pegar um livro tal. Para nós sem saber ela era uma serviçal ali para nos servir. Nunca notamos nada, seu sorriso agora fazia falta, sua maneira leve de andar pela Biblioteca sem fazer barulho como se estivesse andando em um gramado nunca foi observado por nós. Incorporou-se a biblioteca. Dona Lurdinha nunca foi escoteira. Nunca vestiu um uniforme, mas hoje eu a tenho como uma das maiores escoteiras que conheci. Nada melhor para explicar lendo o que disse Claudiana Lerbarch:

“Existem pessoas que de um jeito ou de outro mudam de alguma forma a nossa vida ou até mesmo a nós mesmos. Para isso, não é necessário que elas estejam ao nosso lado sempre, ou convivam conosco, não importa se a vemos todos os dias, ou se praticamente não as vemos, não importa o tempo ou à distância. O que importa é que estas pessoas existem e fazem parte da nossa história. Essas pessoas geralmente entram na nossa vida por acaso, e com o passar do tempo, aos poucos, dia após dia, elas nos conquistam nos mínimos detalhes, nas coisas mais pequenas”.

Claudiana Lerbarch. 

A lenda do Escoteiro do mar. Só o vento do mar azul sabe a resposta.


A lenda do Escoteiro do mar.
Só o vento do mar azul sabe a resposta.

Não te prometo a terra, nem o céu, nem o mar; Mas pra sempre, eu vou te amar!

                        Uma linda tarde de setembro. Um céu azul, um vento sul soprando perfumes que o mar generosamente nos oferecia sem nada em troca. Minhas tardes de sábados estavam chegando ao fim. A Bandeira tinha sido arreada. Os sete silvos do apito de marinheiro ainda corriam pelos cantos da sede como se fossem ecos perdidos no tempo. O Grupo Escoteiro do Mar Almirante Graça Aranha teve mais um dia de história. História que ficaria na mente de todos como fantasmas amigos para sempre. Os lobinhos ainda tinham no rosto aquele mote de quero mais. Os Escoteiros aqui e ali se reunião em seus cantos de Patrulha para os avisos finais. Posicionei-me como sempre fazia na saída da sede. Uma rotina. Fazia questão de apertar a mão de cada um e dizer – Obrigado por estar conosco. Conto com você na próxima reunião. Sempre fiz isto nos últimos setenta anos. Poucos ligavam para o que eu fazia. Não davam nenhum valor. Nunca me importei com isto. Chamavam-me de Almirante Ramon. Eu sabia que não era e nunca fui almirante. Para dizer a verdade nem me lembro de quem me apelidou assim. Claro eu amava com todas as forças os Escoteiros do mar. E toda minha vida sempre tive em meu coração o Grupo Escoteiro do Mar Almirante Graça Aranha.

                         Fui até o escritório. Precisa mais de mim? Perguntei ao Chefe Cornélio. - Não Almirante pode ir – respondeu. Sai devagar e com calma. Meu andar já não era o mesmo. Muitas vezes cambaleava e alguns transeuntes achavam que eu tinha bebido. Risos. Quem sou eu. Fui sim um alcoólatra, mas hoje não sou mais graças a ela. Precisava de uma bengala. Meus proventos do INSS não dava. Eu sabia aonde ia. Sempre fiz este trajeto todos os sábados por muitos anos. Menos de um quarteirão descia uma pequena encosta e o mar com todo seu esplendor ali estava a me esperar. Amo o mar. Sempre amei. Só ela estava acima deste amor que eu tinha por aquelas águas azuis que encantaram e encantam gerações. Avistei o Scaler de fibra de vidro, ao lado o Caique (alguns chamam de caiaque), o bote também de fibra de vidro e o barco de alumínio fundo chato movido a motor de popa. Todos do meu querido Grupo do Mar Almirante Graça Aranha.

                         Já não eram os mesmos do meu tempo, afinal fazia mais de setenta anos que tudo aconteceu. De dentro do barco tirei meu banco de madeira. O sol em pouco tempo ia se esconder no horizonte. Engolido pelo mar. Sentei como sempre fazia e esperava ela chegar. Nunca se atrasou. Fazia questão de ver o por do sol junto comigo. Eu sempre sonhei em participar como Chefe. Tirar minha carteira de habilitação de Arrais, e sabia que a Capitania dos Portos nunca ia me reprovar. Todos os chefes do grupo tinham sua habilitação. Seis jovens seniores de dezesseis anos conseguiram autorização para conduzirem suas embarcações sozinhos. Ostentavam com orgulho o seu distintivo de Veleiro. Como sempre meus pensamentos eram como ventos revoltos. O passado não me abandonava. Meus sonhos nunca se concretizaram. Nem Chefe me autorizaram ser. Dizia que eu não falava muito, que não ria que meu semblante não transmitia o oitavo artigo da Lei do Escoteiro. Para ser Chefe diziam tem de ter estilo, aparência e um histórico diferente do meu.

                          Nunca desisti de ser Escoteiro do Mar. Mesmo depois que tudo aconteceu eu Insistia em ir ao Grupo Escoteiro todos os sábados. Pela manhã passava a blusa, a calça com perfeição. O meu chapéu de Marinheiro de brim branco nunca perdeu o vinco. A camisa e o calção de brim mescla nunca mudei. Meu cinto de couro tinha o maior carinho. Meu ritual começa ao colocar o meião preto, e ver se os sapatos estavam engraxados. Fazia questão de o lenço estar bem postado. Nem um botão desabotoado. Ao sair ainda dava outra olhada no espelho. 86 anos. 76 fazendo o mesmo todos os dias. Sempre pensei em comprar um dia o uniforme de gala. Nunca tive condições financeiras. O tempo! O tempo não se apaga, ele faz questão de mostrar que nada pode ser esquecido. Se ele pudesse falar diria que só assim poderemos crescer na eternidade. Como esquecer Bella? Como?

                         Lembro-me de tudo. De cada minuto que a conheci e vivi ao seu lado. Não era da minha patrulha. Eu fui da Lobo e ela da Onça Parda. Quando ela foi apresentada ao grupo no cerimonial o Chefe fez questão de tocar seu apito de marinheiro por sete vezes. Uma espécie de saudação pela primeira jovem que iniciava conosco. Ali, aqueles meninos do clube do bolinha que só sabiam pensar nas aventuras que poderiam fazer no mar não olharam com bons olhos. Eu e Bella ficamos amigos. Passamos a nos encontrar durante a semana não todos os dias. Um dia sim um dia não. Seu pai nos encontrou. Eu tinha quatorze anos e ela treze. Tentei explicar que era Escoteiro do mesmo grupo, mas ele nem deu resposta. Procurou o Chefe da Tropa que me proibiu de vê-la. Impossível. Eu só pensava nela. Até meus estudos estavam sendo prejudicados. Minha mãe me chamou atenção. Meu pai eu não sabia quem era. Sumiu no mundo e nunca mais voltou.

                         Olhei de novo para o horizonte. Mais alguns minutos o sol iria se por. Mais alguns minutos ela ia chegar. Meu coração sempre batia descompassadamente. Pensando no meu passado relembrei um poema que li em um blog – O Escoteiro do Mar representa a água, que garante a vida de todos. Peço a ajuda de Poseidon para que mande um Tsunami e destruir as maldades do mundo, das injustiças e peço também a este Tsunami que se transforme em um manso regato para acalmar todos os corações aflitos e ansiosos. Quando lembrava uma emoção tomava meu ser. Machucava. Amar alguém sem poder tocar? Sem estar junto todos os segundos do tempo? Afinal o que é o tempo? Eu não sabia das respostas. Mas como se fosse um grande tela de cinema, comecei a ver o meu passado que os ventos do sul me traziam. Era assim todos os sábados. Por quê? Eu sabia de tudo. Cada segundo estava preso no fundo do meu coração. Não precisava recordar.

                            Bella! Venha comigo, vamos dar uma volta no mar? Só próximo à praia. Não tem perigo! – Bela me olhava curiosa e renitente. Sorria. Que sorriso. Nunca esqueci. Treze anos e linda como uma deusa. Joguei o Barco de alumínio nas ondas que insistiam em ir e vir. Dentro dois remos comuns. O motor não estava lá. Bella não queria. Uma volta somente eu prometi. Você sabe, vou passar uma semana sem ver você. Sei pai disse se nos ver juntos tira você do Grupo Escoteiro. Ainda não escureceu. A reunião hoje acabou mais cedo. Temos tempo. Ela não queria. Encontrávamo-nos ali onde ficavam as embarcações do grupo. Por ser distante de residências tínhamos liberdade de correr, de sorrir e uma vez ou outra eu pegava em sua mão. Quente. Macia, perfumosa. Ia para casa sentindo o aroma de seu perfume. Relutava em tomar banho. Não queria que ele desaparecesse.

                              Entrei no barco e ela entrou comigo. Eu ria, cantava, fiquei empolgado e em minha mente sonhava estar singrando os mares em um grande veleiro, ela ao meu lado sorrindo, perfumosa e eu a beijava. Um beijo a moda antiga. Um roçar de lábios que marcaria a minha vida para sempre. Até hoje não sei o que aconteceu. Estávamos a menos de vinte metros da praia. Um pé de vento? Um retorno mais forte de uma onda que voltou da praia? Não sei. Nosso barco começou a se afastar da costa. Gritava para ver se alguém nos ouvia. Ninguém. A terra sumiu. Em todos os lados só água e água. Na Patrulha aprendemos que se vai para o mar, avie-te em terra. Não tínhamos nada. Nem água. A noite chegou brava. Nuvens escuras apareceram. O barco a deriva mais a deriva ficou. Não tinha condições de remar. Nem ela. Meus braços que tentaram muito agora estavam prostrados. A tempestade gritava com trovões assustadores e seus raios iluminavam as enormes ondas que se formavam.

                               Eu sabia me orientar. Mas para que? A chuva e o vento forte faziam do barquinho uma folha de amoreira. Mesmo que avistasse o farol do Forte nada adiantaria. Pedia a Deus que outras embarcações quem sabe poderiam aparecer e nos ajudar. Mas quem sabia onde estávamos? Ninguém nos viu. Lembro-me das palavras do Chefe, nunca bebam água do mar. Ainda bem que chovia em um canto do barco a água empossou. Eu e ela estávamos de uniforme, mas sem nenhum apetrecho. Cantil? Em reuniões comuns? Deus ainda ajudou, pois o barquinho aguentou as enormes ondas. A chuva amainou. Estava molhado e cansado. Eu e ela dormimos ali aquela noite. Dois perdidos no meio do oceano. Acordamos pela manhã. Não havia pássaros sinal de que estávamos longe da terra. O sol chegou forte. Ainda deu para beber o resto da agua que se armazenou no bote. Era pouca. Logo ela sumiu. À tarde a sede era enorme. Ainda não tinha fome e nem ela. Ela chorou só noite. Encostou sua cabeça em meus ombros e chorou por muito tempo. Eu não sabia o que dizer. Consolar como? Estávamos perdidos e só Deus poderia nos salvar.

                              No segundo dia comecei a ficar desesperado. Foi ela quem teve as palavras de consolo. Não se desespere! Disse. Lembro que minha Chefe me dizia que o que aconteceu não tem volta. Nunca deveríamos ter saído despreparado. Nem uma lona temos para armazenar água. Se tudo agora aconteceu precisamos manter a calma. Dormi a pior noite da minha vida. Bella me abraçou. Acordamos com o sol queimando meus olhos e o dela. Deitados no barquinho sentimos que ele estava parado balançando com as ondas. Levantei com dificuldade. Meu Deus! Era uma ilha ou o continente. Acordei Bella. Ela gemia. Estava febril. Com muito custo saímos do barco. Puxei-a pelos ombros até sair da água. Vi ao longe uma senhora correndo em nossa direção. Desmaiei. Acordei dois dias depois. – Dona! Onde está Bella? Pelo amor de Deus me diga que ela está bem! – Está sim. Seus pais vieram buscá-la. Ela não os reconheceu. Parecia estar cega!

                               O tempo passou. Um ano talvez. Sempre ficava horas e horas em frente à casa de Bella. Nunca ela apareceu. Um dia na Missa de São Pedro eu a vi. Usava óculos escuros. Foi como uma faca penetrando em meu coração. Pensei em me aproximar, mas o olhar de seu pai me assustou. Fora tudo culpa minha. Quase não ia mais ao grupo. Parecia que eu era culpado sem direito a defesa. Era mesmo. Provoquei tudo. O tempo foi passando e um dia tomei uma decisão. Bati a porta da casa de Bella. Sua mãe assustou. – Bella vai casar comigo. Eu a amo. Nós vamos ficar juntos para sempre! – Demorou para convencer seus pais. Fiz dezoito anos e ela com dezessete me abraçou e jurou ser minha para sempre na Igrejinha de São Raimundo. Voltamos a frequentar o grupo. Era minha segunda paixão. Não fui o escoteiro do mar que deveria ter sido. Mas com Bella ao meu lado eu seria de novo. Mesmo sem enxergar eu seria seus olhos. Eu mostraria a ela a beleza das flores, ela iria sentir o perfume da primavera. Nada iria faltar. Trabalhava na Fabrica do Doutor Romeu.

                              Dez anos de casado. Dez anos de felicidade. Bella tinha uma angina no peito. Ninguém sabia. Morreu de um ataque fulminante num dia qualquer de janeiro. Eu queria morrer com ela. Não podia. Não tinha condições de viver sem ela. Dediquei-me mais ao Grupo do Mar. Era minha segunda paixão. Quem sabe ele poderia me dar à paz que eu queria? Cada sábado era esperado como se fosse ontem. Parei de sorrir. Não havia motivos. Falar? Falar o que? Por muitos anos todos me culparam pelo acontecido. A chefia do Grupo foi contra meu retorno. Mas aceitaram. Passei a ser um faz tudo no grupo. Nunca seria Chefe. Ninguém iria confiar em mim para sair mar adentro. Também não insisti, não adiantava. Ali no grupo Escoteiro eu a via em todos os lugares. Falava com ela. Riam de mim. - Agora deu para isto diziam. 

                             Olhei de novo para o mar. Meus pensamentos desapareceram. Ela estava chegando. A mais linda gaivota que um dia existiu. Não era uma gaivota qualquer. Era branca como a neve e eu sempre quando a via ficava fascinado pela sua beleza. Não chegava sem antes fazer lindas acrobacias. Desenhava no céu com suas asas enormes nomes que ninguém nunca soube o que era. Só eu. Ela com seus escritos fantásticos no céu dizia – Amo você! Amarei por toda vida! Eu ali com meu garboso uniforme de Escoteiro do Mar me levantava. Ela vinha suavemente pousar em meu ombro. Bicava de leve minhas faces. E juntos ficávamos vendo o por do sol, até ele sumir do outro lado do oceano. Ficávamos os dois até altas horas da noite. Quem um dia passasse por ali diria que era loucura. Uma gaivota não fala. Um Velho a conversar com ela?

                              Demorou-se mais de uma semana para darem falta do Almirante Ramon. Ninguém nunca pensava nele como mais um. Não havia mais rancores, mas ele era apenas uma figura apagada. Deram falta de um caíque. Seis meses depois uma fragata da marinha o encontrou a deriva bem longe da costa. Em um sábado uma Patrulha de valorosos Escoteiros do Mar preparava-se para partir rumo a Ilha das Cabras. Acampamento de dois dias. Puseram-se no mar e um deles percebeu duas gaivotas sobrevoando seu Scaler. Todos olharam para o céu e pareciam que elas queriam dizer alguma coisa. Maria Bonita uma escoteira do Mar conseguiu ler. Não acreditou, mas mostrou aos demais Escoteiros o que estava escrito. – Bons Ventos escoteiros do Mar! Não façam do mar um obstáculo, pois ele é o caminho (Amyr Klink). Todos ficaram estupefatos. O vento soprou com mais força, a vela esticou suas asas para frente. Um sorriso brotou e logo o barco navegava para mais uma aventura. Era como se fosse o Rataplã dos Escoteiros do mar! Alguém gritou – Rumo sota-vento! Em frente vamos navegar!

Seja como as ondas do mar
que mesmo quebrando contra os obstáculos,
encontram força para
recomeçar.


** -- Alguns termos técnicos usados neste conto, foi uma colaboração do Chefe Ronaldo Morgado.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Pioneirias, um sonho Escoteiro?


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Pioneirias, um sonho Escoteiro?

             Não existe maior alegria para um Escoteiro ou uma Escoteira quando ao terminar de fazer uma pioneiria dar uns passos atrás e olhar com carinho sua obra. Um sorriso brota, os olhos brilham e dá uma vontade de tirar foto, filmar e mostrar para todo mundo. – Fui eu quem fez! Fui eu quem fez! Pode alguém aparecer e dizer que está mal feita, podem dizer o que quiser, mas ele ou ela estão ali orgulhosos pela construção que dedicaram horas, calos nas mãos, suor e mosquitos a enlouquecer qualquer um. Nesta hora é que todo o escotismo brota no coração. Bate aquela chama que nos dá orgulho em pertencer ao movimento.

             Todos jovens que entram no escotismo logo ouvem falar nesta palavra mágica. Pioneirias. O que é isto? Perguntam. Construções rusticas feitas com nós e amarras diz o Monitor. E ele fica com aquilo na cabeça. Maluco para acampar e fazer uma. Depois não importa se o vento sul a jogou ao chão, ele vai ter “causos” e muitos para contar. De um simples banco um dia ele vai dizer aos seus netos que construiu uma linda poltrona reclinável e que bastava fechar os olhos e ela balançava ao sabor do vento. Os netos irão ouvir com orgulho e sonhar também em fazer o que seu avô fazia.

             Dizem e contam por aí que pioneiria tem técnica. Já vi artigos, livros, desenhos todos escritos. Eu mesmo publiquei vários. – Técnicas de Pioneiras. Tenho lá minhas dúvidas. Quando as fiz não tinha livros nem desenhos. Eram criadas da imaginação. Um pau ou bambu aqui, outro ali, uma quadrada uma diagonal ou se precisa-se uma paralela com sisal ou cipó e elas iam brotando conforme as necessidades. De vez em quando vejo fotos de algumas, lindas, esplêndidas, algumas obras de carpinteiros/engenheiros e não de jovens escoteiros. Dias e dias para fazer por chefes Escoteiros. Não sei se tem graça. A graça meus amigos é o Escoteiro ou Escoteira fazer. Chefe! Xôô! Se manda. Não fale, não fique ai olhando. Não dê palpites. Deixa-os crescerem! Faz parte do nosso método!

             Para mim vale mais uma pequena amarra dada por um jovem que uma casa em cima de uma árvore que não tem finalidade no adestramento progressivo e que foi feita pelo Chefe/engenheiro/carpinteiro. Ao dar a Amarra de acabamento ou fazer um simples Volta do Fiel é o inicio de tudo. E a Costura de Arremate? Simplesmente maravilhosa! Quando visitava acampamentos escoteiros no passado, ficava orgulhoso em ver no campo de Patrulha, como um simples sisal ou cipó cercava o campo. Ninguém pulava ou entrava por ali. Respeito à casa da patrulha. A entrada era pelo pórtico. Rústico, simples sem aquelas belezas que vemos em fotos ou em grandes acampamentos escoteiros e sempre feitas pelos chefes. – Sempre Alerta Patrulha! Licença para entrar? Todos respeitavam.

              E durante a inspeção de campo pela manhã, ver uma mesa simples, um toldo mesmo que enrugado, bancos para sentar nas refeições, um fogãozinho suspenso, um lenheiro, um porta ferramentas, fossas de líquidos e detritos com tampas, mais ao fundo um WC bem feito ou mal feito, um tripé para o lampião, chapéus, um porta bastão e por aí afora eu me orgulhava. Nunca gostei de chefes que em vez de ajudar prejudicavam a Patrulha. Tudo limpo alguns levavam no bolso palitos, papeis para jogar ao chão e dizer: Não estava tão limpo. É correto? O que dirá a Patrulha? - Chamei a atenção de muitos e até em cursos que dirigi apareciam chefes assim. Vejam bem, eram formadores! Formadores?

              E quando o cerimonial de bandeira terminava, era bom dizer o que tinha achado do campo, e fazer muitos elogios. Entregar a bandeirola de eficiência, cumprimentar o Monitor e toda a Patrulha, era bom demais! Que orgulho! Vê-los sorrindo! Pioneirias! Ah! Como são belas quando feitas por eles. Xôô Chefes! Vocês não. Voces não precisam disto. Treinem seus monitores. Orientem-nos a ter ideias, mas deixe que eles façam, deixe que eles criem e um dia, um belo dia eles dirão: - Chefe vamos fazer um acampamento de dois ou três dias só para grandes pioneirias? Já pensou? Eles dizendo isto e não você?

             Pioneirias! Quem já fez nunca esquece. Mesmo aquelas que o vento malvado jogou ao chão. Mesmo aquelas que umas vacas invadiram o campo e pisaram em tudo. Mesmo aquelas que um dia passamos uma noite sentados nos bancos sobre a proteção do toldo, pois a chuva torrencial encheu de água e barro as barracas. Lembranças. Belas lembranças de pioneirias que brotaram na mente do escoteiro. Trazer água de um córrego próximo usando bambus, fazer uma ponte, Jangada de piteiras, Pórtico de três metros ou mais, estrado para barracas suspensa, escadas de cordas ou cipó, o caminho do Tarzan, um ninho de águia, uma passagem suspensa de bambus ou madeira de lei e até um elevador rústico. Tantas e tantas que começaram com uma simples amarra! Isto meus amigos, isto é escotismo!


              Xô! Chefes! Fiquem longe. Deixe o jovem crescer. Isto é escotismo, pois não dizem por aí que aprende-se a fazer fazendo?

domingo, 28 de setembro de 2014

Meu nome é Guaraciaba e sou um índio Brasileiro.


Lendas escoteiras.
Meu nome é Guaraciaba e sou um índio Brasileiro.

                    Ele sabia que não era de uma extirpe de índios famosos, seus antepassados se foram e agora eram uma tribo de gente triste e sem futuro. Seu nome era José Raposo. Seus pais disseram que o primeiro nome dele era Guaraciaba, aquele que tem cabelos de sol. Loiro? Diziam que sim. Zé com seus dezoito anos era um índio simples, curtido de sol, usava um calção verde e com ele ficava por uma semana ou mais. Tinha um corpo jovem, mas um medo atroz de uma doença maldita que quase acabou com sua tribo. Kerexu ainda contava belas histórias dos índios Botocudos, quando eram fortes e famosos e habitavam a Serra do Onça no Alto Rio Doce. Kerexu dizia ter duzentos anos, mas não era verdade. Devia chegar nos 105 anos não mais. Ninguém entendia porque ele não morria. Era tudo na tribo, o Pajé, o doutor, o psicanalista e o religioso. À noitinha a meninada corria para a porta de sua Oca, e ali ficavam esperando a hora que ele com seu cachimbo enorme, com folhas de tabaco ressequidas soltava gostosos rolos de fumaça que fazia os olhinhos da turma seguirem o O ou o U que ele fazia com a fumaça que expelia do cachimbo. Kerexu era uma alma boa. Jose Raposo o considerava como um pai.

                Zé não tinha o que fazer. Zanzava para um lado e outro da aldeia e seus arredores. Sempre de olho nas águas modorrentas do Rio Doce. Ele sabia que terminando a estação das chuvas Anajé o Branco poderia aparecer. Eles se conheceram quando Zé viu-os acampados próximo à cachoeira do Limão, logo abaixo da curva da serpente. Ficou a olhar de longe os meninos brancos de chapéu longo, de lenços no pescoço e tentava em sua pequena compreensão ver o que iriam fazer. Alguém o cutucou por trás e Zé deu um salto se preparando para a luta. Anajé riu quando viu que ele se encrespava todo. – Paz amigo, muita paz! E sem ele esperar o Branco lhe deu um abraço. – Como se chama? Zé pensou que devia dizer seu nome indígena, quase disse – Apenas Zé... Mas orgulhoso falou alto: - Guaraciaba, o indio dos cabelos do sol! - Muito prazer Guaraciaba, meu nome é Josiel, mas me chame por Anajé, o gavião das montanhas! Recebi este nome há dois anos quando saltei o Fogo do Conselho no Vale das Corujas.

                Ficaram amigos e a noite, quando eles fizeram um fogo, Anajé cortou acima de seu pulso com a faca, repetiu o mesmo com o seu e dos demais brancos da patrulha. Juntou as junções que sangravam e disse – Guaraciaba, você e eu Anajé e os Patrulheiros da Raposa agora somos irmãos de sangue para sempre. Guaraciaba sorriu. Nunca teve amigos brancos e viu que os jovens de caqui lenço e chapelão bateram palmas. Guaraciaba os convidou para visitar a aldeia.  Meu amigo Anajé, não espere ver tendas de lona redondas feitas de pele de búfalo ou cavalos malhados a saciarem a sede na beira do nosso rio. Não espere roupas coloridas, colares feito de pedras preciosas, penachos de penas de pássaros que só nas mais altas montanhas se encontram. Nada disto, nossas tradições se perderam no tempo, hoje somos à sombra de uma famosa tribo dos Botocudos que um dia se orgulharam de suas histórias e lendas que desapareceram com o vento. Anajé riu. – Amigo e irmão Guaraciaba, não quero ver grandiosidades, basta o amor que vocês têm no coração. Anajé voltou lá por muitas luas. Fez muitos amigos na tribo e conversa constantemente com Kerexu.

            Guando Guaraciaba e Anajé estavam juntos, eles corriam pelas campinas, pisando em flores macias, saltando riachos de águas cristalinas, escalando montanhas e picos próximos a Nanuque, Crenaque ou na Mata do Condor. Nunca Guaraciaba foi tão feliz. Kerexu fez boas previsões para a amizade dos dois, mas preveniu Guaraciaba que um dia Anajé iria desaparecer como o vento na chuva para sempre. Anajé o levou a visitar sua cidade, o alojou em sua própria casa, ele sentou em uma mesa com a mãe de Anajé e seu pai, se sentiu importante por fazer as refeições junto aos brancos. No passado ele não gostava de brancos. Zumbiara o Chefe da FUNAI era traiçoeiro. Nunca atravessou o rio. Sempre mandava chamar o seu pai o Cacique Aritana para dar ordens, remédios e mantimentos. O fazia com desprezo, como se estivesse dando do próprio bolso. Mas ali, junto à família de Anajé Guaraciaba se sentiu outro. Tinha orgulho agora de ser um índio. Ele sabia que seu coração era feito de sangue vermelho, sangue dos antepassados.

              Naquele sábado que ele foi apresentado a Tropa, a Alcateia, ao Grupo Guaraciaba chorou. Não queria demonstrar fraqueza, pois diziam que índios são valentes e não choram. Sentiu a força dos meninos de amarelos e azuis, de lenço e chapéu grande. Sentiu uma amizade entre eles incrível. Quem sabe ele poderia fazer isto na sua tribo? Retornou pensando em mudar. Em voltar no tempo dos guerreiros fortes, sorridentes e que se orgulhassem dos seus antepassados. Guaraciaba casou com Avati e com ela teve dois filhos homens. Mandou vinte guerreiros estudar na capital. Dois voltaram doutores. A tribo mudou da água para o vinho. Agora a Aldeia tinha uma escola e um posto de saúde e Guaraciaba corria pelos campos, pelos rios e riachos a procura dos gazeteiros. Dava um sermão e eles de cabeça baixa voltavam para a escola. Anajé um dia disse a ele: - Guaraciaba um dia não vou voltar. Tenho que partir para longe em busca do meu destino. Mas quero que lembre que meu sangue está junto com o seu. Em espirito aqui irei morar para sempre.

              Anajé partiu. Muitas luas se passaram e Guaraciaba ficou doente. Seus doutores e Kerexu fizeram tudo para salvá-lo, mas não conseguiram. Os filhos de Guaraciaba agora adultos juraram ao seu pai que os antepassados dos Botocudos iriam se orgulhar na nova tribo. Uma semana depois Guaraciaba estava nas últimas. Seus olhos quase não abriam. A taba cheia de índios rezando. Alguém pediu passagem e ninguém mais ninguém menos que Anajé apareceu. Deu um abraço apertado em Guaraciaba. – Meu amigo, eu estava longe e uma noite Caapora e Catu me apareceram em sonhos. Disseram que você precisava de mim e logo sumiram em uma nuvem branca no céu. Aqui estou e vim trazer para você o meu amor Escoteiro onde um dia nossos sangues se cruzaram para que pudéssemos ser amigos e irmãos até no firmamento na terra dos seus antepassados. Quando você partir o sol vai sorrir, quando você chegar ao meio do céu Tupanã o Deus do Universo vai abraçar você. Então Tupanã vai soprar o vento da vida sobre você e vai dizer – Aqui Guaraciaba você vai esfriar sua sede, aqui o fogo do céu vai aquecer seu corpo quando sentir frio, aqui você vai correr pela terra junto aos seus antepassados. 


                 Guaraciaba morreu sorrindo. A tribo começou a cantar aos sons de tambores, chocalhos, guizos e cabaças. No céu de brigadeiro um trovão anunciou a chegada de Guaraciaba junto a Tupanã.  Anajé o Escoteiro partiu três dias depois. Abraçou Piatã e Apuã os filhos de Guaraciaba – Estarei com vocês em todas as horas e em todos os momentos. Pensem em mim quando precisarem de ajuda. Anajé colocou seu chapéu de abas largas, firmou seu lenço verde e amarelo no pescoço, amarrou sua bota negra e alçou sua mochila verde nas costas. Em uma simples jangada atravessou as águas tranquilas do Rio Doce levando consigo as saudades de um índio que sempre amou!

Afinal, mudar ou não mudar? Eis a questão.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Afinal, mudar ou não mudar? Eis a questão.

Vejamos:
                         No Brasil o Grupo Escoteiro é considerado a célula mater para manter a formação do jovem deste a mais tenra idade até a idade da razão (24 anos) ou mais. Isto até hoje é um fato e nunca foi discutido abertamente se tem vantagens ou não. Aceitamos sem discutir. Chamamos o Grupo de a grande família. O jovem entra e cresce entre amigos aprendendo e fazendo o que o método Escoteiro propõe. Pensando em termos de 4 sessões em funcionamento (Alcateia, Tropa Escoteira, tropa sênior e Clã Pioneiro) tem que existir uma estrutura quase empresarial para o desenvolvimento das necessidades do grupo escoteiro. Uma boa diretoria, um bom corpo técnico de chefia e claro, uma sede própria (sonho de todos) ou não. Área para atividades enfim uma parafernália de necessidades que todos nós sabemos que deve existir afinal foi de lá que surgimos como Escoteiros.

                     Sabemos que nem cinco por cento dos grupos Escoteiros no Brasil alcançam com sucesso estas necessidades. As maiorias dos grupos sofrem com a falta de estrutura, muitas vezes nas mãos de um idealista, que fundou o grupo e permanece a sua frente por toda sua vida. Para ele é sua capitania e ele não abre mão. Certo ou errado dificilmente vinte por cento dos que iniciaram suas atividades como lobos irão até pioneiros. Francamente estes vinte por cento é ainda benevolente.
Temos uma série de dificuldades para crescer. Batemo-nos em muitos temas pensando em crescimento quantitativo e qualitativo e aos poucos cada um vai evoluindo seu aprendizado, mas deixando pelo caminho amigos que resolveram mudar seu rumo de vida assim como muitos jovens que preferem não continuar.

                    Pensando em termos de países que tem uma estrutura diferente, já com um efetivo consolidado por anos e anos sabemos que muitos deles não utilizam a estrutura de um Grupo Escoteiro. Seria então uma razão para pensar se estamos no caminho certo com esta célula que dizem ser a mais importante no escotismo nacional? Nossos resultados até hoje dizem que não somos vencedores. Pensar em termos de BSA onde se forma tropas ou sessões independentes, vemos que eles são bem considerados pela sociedade americana. Seria exemplo para nós? Poderia servir para nós o seu sistema?  Vale a pena pensar no assunto? Ou é melhor esquecer e dizer: - O Grupo Escoteiro tem sua razão de ser e nada pode ser mudado.

                    Mas convenhamos, o tema é discutível? Temos como exemplo outros temas interessantes, mas por nos acostumarmos a ele, nos fechamos como uma ostra. A própria UEB merecia uma longa discussão se sua estrutura é a melhor ou não. Entramos no escotismo, vivenciamos e aprendemos a gostar de tudo. Nunca discordar. Sempre tem aqueles que dizem que a prioridade é o jovem. Eles os novos sem perceber acreditam que nossa estrutura é badeniana. Tudo que temos aqui é fruto do que BP nos deixou. Claro que os entendidos, os dirigentes, os politicamente corretos sabem que não é assim. E assim vamos levando sem nunca entrarmos nesta seara. Seria imutável? Sempre me lembro de que apesar de todos dizerem que o Grupo Escoteiro é a razão de ser do escotismo, sabemos que ele não tem voz e voto nas diretrizes organizacionais.  Claro que tem aqueles que dizem o contrário. Mas quem se arrisca a dizer que não?

                  Pegue um voluntário. O coloque a frente de alguma sessão Escoteira. Pronto. Se ele for mordido pelo bichinho Escoteiro não terá mais tempo nas suas atividades familiares e sociais quiçá a profissional. Outro dia recebi um relato de um ex Chefe que exemplificou bem o tema. Estava saindo, pois a pressão era grande e a estrutura de um Grupo Escoteiro não o fazia sentir que participava de uma grande família. Achava ele que para ser um líder Escoteiro a entrega pessoal é tão grande que se esquece da vida familiar e social. Lembremos que tem muitos cuja família não participa e até cobra sua participação. Quem sabe em uma unidade ou sessão autônoma ele teria mais tempo? Sem as programações hoje de grupo distrito e região? Bem para ter certeza precisamos saber como os outros países fazem. Aqui o lema é ou você é um Escoteiro obediente e disciplinado, ou então desista. Escoteiro para muitos é aquele que está presente, sempre dando seu Sempre Alerta, firme junto aos demais não importa se chove ou não. Não seria isto motivo de desistência por parte de centenas ou milhares que desistem do escotismo não importando a idade?

                  Teríamos nós a coragem de repensar o que fazemos? Será que algum dia poderíamos idealizar um escotismo perfeito? Se nos países de primeiro mundo a estrutura de um Grupo Escoteiro como o nosso não existe, porque não discutir o sucesso deles, afinal tem muito maior número de membros Escoteiros não só em qualidade como em quantidade. Qualquer um bem informado sabe que nestes países mais avançados o escotismo é visto como um importante meio auxiliar na educação de um jovem para a vida. E nos enquanto isto pecamos por falta de uma boa divulgação e ficamos na rotina de dizer a A ou B que não vendemos biscoito e nem ajudamos a velhinha a atravessar a rua. É pena que até hoje tenhamos medo de discutir o obvio, ou melhor, discutir se nosso caminho para o sucesso é o mais correto.


                   Vale a pena pensar a respeito?

sábado, 27 de setembro de 2014

A árvore da colina. “A paz esteja convosco!”


Lendas Escoteiras.
A árvore da colina.
“A paz esteja convosco!”

                - Eu só o vi uma única vez na vida. Na verdade aquele foi um dia especial, não me perguntem por quê. Notei sua figura surgindo na estrada do Alencar, a pé, com um cajado simples, mas com passadas belas sem se mostrar cansado. Ele não me disse quem era e nem eu perguntei. Quando se aproximou de mim senti um brilho em sua figura e inexplicavelmente ele se transformou. Juro que ao longe estava com uma bata branca e ali na minha frente estava agora com um lindo uniforme Escoteiro. Como ele podia fazer aquilo? Era mágico? Se fosse o truque era perfeito. Não usava o chapéu e eu sei que aquela áurea brilhante o chapéu tiraria toda sua pose badeniana. Quem seria? Ele sorria para mim, um sorriso gostoso, dentes alvos olhos negros, cabelos castanhos compridos.

                  Parei ali para descansar um pouco da minha jornada e fazer um café. Precisava. A Árvore da Colina já era minha velha conhecida. Pequena, mas com uma folhagem que em todo seu redor fazia uma sombra invejável. Não havia nascente, não havia rios e nem tampouco regatos por perto. Somente a árvore para nos dar o descanso devido. Pensava em chegar ao acampamento da patrulha ao entardecer. Uma obrigação com meu pai me obrigou a ir depois deles. O destino não era longe. Após a curva do Falcão já se podia avistar a mata pequena, a cascata e o bambuzal. Tirei a mochila, pendurei meu chapéu em um galho e duas achas facilitarem o Tropeiro que iria fazer. Na mochila tinha café e pó. Meu canecão militar serviria para esquentar a água.

                  Levantei e disse bem vindo! Ele sorria. Não era bonito, mas tinha alguma coisa especial que encantava a todos em seu redor. Em vez de sapatos usava uma sandália. Calado se assentou a sombra junto ao tronco. Fechou os olhos e parecia rezar. Passei o café e  ofereci a ele. Olhou meu cantil, estava cheio pela metade. Passei para suas mãos e ele bebeu devagar, parecia sorver o líquido com carinho de quem tem sede. Tomou o café me olhando nos olhos. Minha caneca de esmalte parecia brilhar em suas mãos. Fechou os olhos e dormiu por alguns segundos. Acordou sorrindo e levantou. Colocou a mão em minha cabeça e disse – “Que a paz esteja convosco”. Partiu sorrindo acenando com a mão e ao longe vi que estava de novo com a bata branca e seu cajado.

                   Fiquei só naquela sombra da Árvore da Colina meditando. Quem seria? De onde veio e para onde iria? O sol já ia se por na Montanha do Cavalo. Era hora de partir. Ainda havia mais duas horas de jornada. Conhecia o caminho. Limpei o fogo, joguei uma pitada de água do meu cantil nas brasas, mochila nas costas e parti. Não olhei para trás. A Árvore da Colina tinha o dom de não deixar ninguém partir. A noite chegou mansa e calma. Meu caminho estranhamente era claro, uma estrela no céu jorrava raios brilhantes na estrada. Nunca tinha visto nada igual. Do alto da Colina avistei a curva do Falcão. Estava perto. Meus pensamentos giravam entre chegar e lembrar-se daquela figura tão simples, com um sorriso inesquecível e com uma áurea brilhante que me encantou para sempre.

                     Nunca soube quem era. Não perguntei. Acho que ele sabia que um dia eu iria lembrar-se dele e saber que ele veio do céu. Porque eu não sei. Eu era apenas um Escoteiro a ir para seu acampamento. Meu café ele tomou sorrindo sinal que não era ruim. Nunca contei esta história para ninguém. Eu sabia que a partir deste dia o meu mundo se transformou pra sempre. Sabia que agora a paz morava em mim. A harmonia e o amor reinavam. A paz de um sorriso predominava. Agora eu sabia que naquele dia, naquela Árvore da Colina, Jesus me deixou entrar em seu coração!  


E que a paz esteja sempre convosco! 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.


Lendas escoteiras.
(Um repeteco gostoso de reler)
João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.

            O aviso estava dado. Chefe João Soldado (era sargento, mas o apelido pegou) autorizou. Batista nosso intendente logo nos disse que não nos preocupássemos. O material estaria pronto em vinte e quatro horas. Platão o cozinheiro iria entregar a lista de mantimentos para cada um dia seguinte bem cedo. Tudo era dividido. Pedrinho o Monitor sorriu de orgulho da patrulha. Todos sabiam como e quando deviam fazer. – Sairemos na quinta pela manhã. Vamos aproveitar bem o feriado. A reunião de patrulha acontecia na casa do Mino Pastel o sub. monitor. Seriam quatro dias bem aproveitados. Destino? As Florestas Verdes do Brasil. Que nome eim? Mas foi Ditinho quem a batizou assim. Estivemos lá duas vezes. Na primeira vez ao chegarmos ao cume do morro do João Papudo ficamos abismados. A floresta era verde, um verde musgo lindo, no seu seio muitos Ipês das flores amarelas. – Ditinho, para ser o Brasil falta o branco e o azul, eu disse. Ele riu. Vado Escoteiro O céu meu amigo e as nuvens em sua volta.

         Ninguém nunca esqueceu João Papudo. Ele tinha no pescoço um papo enorme. Hoje chamam de Bócio que é devido ao aumento da glândula tireoide. Fácil de operar nos dias de hoje, mas naquela época não. Ficou nosso amigo pelo simples fato de o cumprimentarmos, tomar café com ele e comer sua “brevidade” uma das melhores que já comi. Ninguém gostava dele. Logo ele uma alma de Deus. Só por causa do papo no pescoço todos tinham medo e asco. Um absurdo. Na primeira vez que chegamos lá para acampar assustamos. Ele estava na porta com uma foice enorme. Ninguém se mexeu. – Um café? Ele disse. - Porque não? Respondeu Pedrinho. Daí para a amizade foi um pulo. Ele queria conhecer o grupo e a escoteirada. –Apareça amigo, será bem recebido. Nunca foi. Quando ele precisava fazer compras ou vender suas plantações só ia à cidade à noite, e enrolava no pescoço um cachecol para ninguém ver sua deformidade.

           Foi Motosserra, isto é o Lorenzo o escriba da patrulha quem deu a ideia de uma vez por mês fazermos uma campanha do quilo e levar para ele. Na primeira vez chorou e disse não. Ele não merecia. Não falamos nada. Deixamos lá e voltamos. Pedrinho colocou em votação qual o melhor local para acamparmos naquele feriado prolongado. Foi descartada a Lagoa da Lua Branca, a montanha do Gavião, o vale do Esplendor e as campinas da flor vermelha. Eram ótimos locais, mas as Florestas verdes do Brasil ganhavam de longe de todas e iriamos saudar nosso amigo João Papudo. Dito e feito, seis da manhã café no papinho, pé no caminho. Sete e meia a bordo das nossas máquinas voadoras chegamos. Na porta ninguém. Estranhamos. João Papudo sempre estava lá nesta hora. A porta estava aberta e chamamos. Nada. Entramos, pois ficamos preocupados. João Papudo estava gemendo e suando na sua cama de palha. Seu corpo tremia. No chão vimos muita água e sujeira, sinal que ele estava ali a mais de dois dias.

          O que fazer? Sabíamos que nosso acampamento nas Florestas Verdes do Brasil foi para o brejo. João Papudo tinha prioridades. Nunca iriamos deixá-lo ali a mingua e sem ninguém. Tinhamos que levá-lo urgente para o Hospital Santa Inês, o único da cidade. Mais de quinze quilômetros. Patrulha boa não se aperta. Luiz Nantes o Porta Corrente, nosso Sinaleiro e socorrista deu a solução. Mãos a obra. Duas horas e estava pronto. Fizemos uma maca com o toldo da cozinha, cada ponta amarramos em uma bicicleta. Usamos quatro e pé na taboa. Antes das onze estávamos na porta do hospital. Não o deixaram entrar. Ninguém se arriscou a ir ver o que se tratava. Pedrinho correu a chamar o Chefe João Soldado. Estava na sede do batalhão e veio correndo. Ameaçou, xingou fez tudo e eles nem deram bola. Foi até a casa do Juiz Ponderado e nada. Chamou o Delegado Praxedes e nada. Uma enfermeira Dona Adelaide nos chamou e deu uns comprimidos. Quem sabe ajuda? Com nosso cantil fizemos João Papudo tomar.

          Os Escoteiros e seniores do grupo estavam chegando. Uma aglomeração se fez. – Vamos levá-lo para a porta da prefeitura. Se o prefeito não tomar providências ele vai ver com quem estão se metendo, disse o Sênior Jovialto, nove anos no grupo. Um mestre na ação no grupo. Aliás, tínhamos poucos amadores. O prefeito chamou a policia. Chefe João Soldado era policia. Nem deu bola. A patrulha Touro correu a sede e trouxe um enorme toldo da chefia. Armado com rapidez no jardim da prefeitura. Uma cama foi improvisada. João Papudo era tratado pelos Escoteiros na porta da prefeitura. Doutor Melão o prefeito foi lá reclamar. Pé de Pato um lobinho segunda estrela pegou na mão dele. – Doutor prefeito, venha ver como ele está. Afinal o senhor não tem coração? Ele deu meia volta e sumiu nas salas da prefeitura.  O povo aglomerava na praça em frente. Doutor Noel um medico antigo na cidade veio ver João Papudo. – Malditos disse – Um simples bócio faz dele um homem marcado? – Venham comigo a minha clinica.

               A história termina aqui. Doutor Noel tratou dele e conseguiu uma internação para operar na Santa Casa da Capital. Dois meses depois eu estava recebendo o meu Correia de Mateiro. Orgulhoso, já tinha o cordão dourado e o vermelho e branco. Esperando a Primeira Classe. Poucos conseguiam. Tinham de ralar para conseguir. Todo mundo olhou para o portão. Eis que ali estava João Papudo em carne e osso. Agora não tinha mais o papo. Orgulhoso levantava a cabeça como a mostrar – Nunca mais! Doutor Noel, vocês e Deus me deram a alegria de viver. João Bonito (mudamos o apelido dele) entrou na ferradura, foi saudado com uma enorme palma escoteira. Não teve jeito, chorou igual menino. Fez questão de dar um abraço em cada um. Abraço gostoso, sincero, amigo.


             Seis meses depois João Bonito fez a promessa. Nunca vi ninguém chorar assim. Vá lá, uma promessa é uma promessa. Nossa tropa ganhou um novo assistente. João Bonito era um novo homem. Trabalhava durante o dia na prefeitura (o prefeito com vergonha e não querendo perder as eleições o admitiu como auxiliar geral) e a noite estudava. Três anos depois terminou o curso Técnico em Contabilidade. João Papudo perdeu o papo, mas ganhou uma cidade. Hoje e feliz cortejando Dona Mocinha uma alegre e linda jovem do Bairro Tatu Bola. Ficou um Chefe Escoteiro todo pomposo. As Florestas Verdes do Brasil tiveram nossas presenças por muitos anos. A casa onde João Bonito morava foi jogada ao chão para uma nova estrada até Muzambinho. Histórias que se foram histórias de Escoteiros. E quantas mais por este Brasil imenso?

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O Cisne Negro da asa partida. Uma história de lobinhos.


Lendas escoteiras.
O Cisne Negro da asa partida.
Uma história de lobinhos.

                   Beth Blue era muito amiga da Celia desde os tempos que ambas foram coordenadoras bandeirantes. Beth Blue me visitava uma ou duas vezes por ano. Eu a conheci em cursos, pois sempre recorria a ela pela sua vasta experiência com lobinhos. Era Akelá em um grupo do outro lado da cidade. Infelizmente pela idade poucos a convidavam. Não dá para entender. Lembro que ha alguns anos atrás ela me contou esta história. Era uma tarde linda. Junto com a Célia ela nos fazia companhia na varanda e o sol ia aos poucos se pondo no horizonte. Beth Blue sabia contar histórias. Narrava com perfeição. Prendia a todos nós com seus gestos, seu timbre de voz que mudava de acordo com o desenrolar da história. Ela me garantiu que era uma história verdadeira. Como duvidar de Beth Blue?

                   Olhe Chefe, no verão passado fomos fazer um acantonamento No sítio Caminho Azul de um pai de um Escoteiro. Local magnífico. Um lago não muito grande, um bosque gramado, um campinho de futebol e um riacho pequeno de águas límpidas. Os lobinhos adoraram. Nossa Alcatéia era composta de dezoito lobos. Dez meninos e oito meninas. Muitos com um ou dois anos de atividade. Pretendíamos ficar lá três dias aproveitando um feriado prolongado. A casa sede tinha dois quartos e mesmo assim levamos quatro barracas. Se o tempo permitisse dormiríamos em casas de lona. Chegamos cedo. Por volta de nove da manhã. Duas mães estavam conosco para ajudar nas atividades e refeições. Eu estava com mais três assistentes. Um Balú, uma Kaá e a Bagheera. A Chill não pode ir.

                   Mas vamos ao que interessa. Após o almoço cuja matilha branca alega que foi ela quem fez (risos) claro sem esquecer as duas mães cozinheiras, nós fomos fazer um jogo calmo. Não tão calmo e sabíamos que ele levaria pelo menos uma hora para ser todo desenvolvido. Eram três bases. Uma um Assistente escondia em cima de uma árvore um relógio que devia ser visto de um só ângulo. Outra um Assistente com duas sacolas e a cada cinco segundos tirava um objeto, o jogava para cima e guardava na segunda sacola. Seriam vinte objetos. A terceira um sisal amarrado entre duas árvores a uma altura de três metros aproximadamente e quatro petecas.

                    O jogo consistia no seguinte: - Uma matilha em cada base. Quinze minutos para cada uma desenvolver sua tarefa individualmente. Na primeira eles deveriam ver no perímetro marcado onde estava o relógio. Avistando não deveriam apontar e nem dizer nada. Iam até o Assistente responsável e em uma prancheta escreviam onde estava e assinava e dizia uma lei do lobinho. Após os quinze minutos um grito longo de Lobo, trocavam-se as bases. Na segunda eles deviam observar por um minuto os objetos que eram jogados ao ar e memorizar. Depois cada um recebia uma caneta e uma folha de papel para escrever o que estava na memória. Em seguida deviam em conjunto cantar alguma canção Escoteira. A terceira base cada um devia usar a peteca, dar uma palmada que devia atravessar por cima do sisal, ante de cair o lobo ia para o lado contrário e dar outra palmada devolvendo. Ai a peteca podia cair ao chão. Se isto acontecesse ele teria feito a prova. Para não demorar a base tinha quatro petecas.

                   Tudo corria tranquilamente, os lobos se divertindo e o tempo foi passado. Pensamos que dez ou vinte minutos por base seria suficiente. Pretendíamos naquela tarde que o banho no riacho fosse feito mais cedo. Foi então que Letícia, uma lobinha de oito anos veio correndo avisar que viu um lindo Cisne Negro. Interessante. Não sabia que ali existiam esses pássaros. Fui até lá com ela. O cisne Negro era um espetáculo. Se abrisse as asas acho que teria bem um metro de envergadura. O cisne tinha os olhos fixos para uma árvore. Não se importava conosco. Nem nos olhava. Logo todos os lobos ficaram em volta. O cisne nem estava aí. Só olhando para a árvore. O Balu tentou descobrir o que tinha na árvore. Conseguimos avistar lá em cima um grande ninho. Só podia ser do Cisne Negro. Observando melhor o Cisne notei que uma das asas estava meio caída. Deduzimos que ele ou ela não podia voar.

                   Deveriam existir filhotes e o Balu subiu na árvore e confirmou. Eram dois e piavam sem parar. Lembrei que eu tinha feito uma pesquisa há tempos sobre Cisnes. Chamei a Alcatéia e aproveitar para falar sobre eles. Enquanto isto o Balu foi até o lago a procura de plantas e pequenos bichinhos para alimentar os filhotes. Os lobos em volta do cisne que não olhava para ninguém. Só para a árvore. – Sabem lobinhos, comecei – O cisne gostas de lagos, brejos e outras áreas de água doce ou salgada. Vivem em bandos. Alimentam-se de plantas aquáticas e parei de falar. Vi que Norminha uma lobinha se aproximou do cisne. Passou a mão em sua cabeça. Ouvimos um cantar diferente. Não identifiquei. Parecia que o Cisne chorava. Toda a Alcatéia começou a chorar.

                   Levei os lobos para a Casa Grande, tentamos mudar o rumo do programa, mas o Cisne não parava de cantar. A noite ele calou. No dia seguinte ainda estava lá em pé olhando para a árvore. O Balu alimentava os filhotes duas vezes ao dia. No dia do retorno, os lobos levantaram cedo. Correram até devia estar o cisne. Não estava mais lá. Como? E a asa partida? E os filhotes? O Balu subiu na árvore e encontrou o ninho vazio. O cisne e os filhotes haviam partido. A lobada começou a chorar. Tentamos mostrar que foi bom, que a mãe e os filhotes agora podiam voar e foram para onde deveriam ir. Eu sabia que quando se aproximava o inverno eles em bandos descolocavam para regiões de clima mais ameno. Mas não adiantou. Os lobos com olhos vermelhos chorando por não verem mais o Cisne Negro da Asa partida.

                 Às quatro da tarde, já com a tralha pronta, fomos para o cerimonia de bandeira. Os lobinhos formados em círculo e em posição para o Grande Uivo. Quando eu ia fazer o sinal ouvimos um barulho de asas. Olhamos para cima, centenas de cisnes voando em direção ao infinito. Três deles desceram até nós, um grande e dois pequenos. Eram eles! Voaram sobre nossas cabeças por alguns segundos e partiram. Todos calados. Um grito explodiu na alcatéia. Uma alegria imensa. Todos gritaram alto – Bravô! Os lobos sabiam que era o Cisne Negro e seus filhotes que vieram se despedir. Ninguém nunca mais esqueceu. Contavam a todos na sede, seus amigos da escola e a história durou muitos e muitos anos.


                  Beth Blue se calou. Olhei para ela, Célia também. E? - Fim Chefe. Nada mais. A noite chegou. Um cafezinho e Beth Blue partiu. Fiquei ainda por longo tempo na varanda. Uma ótima história. Seria verdade? Sei não. E como se diz por aí das histórias escoteiras contadas: - Feijão não é vaca, boi não é arroz. E quem quiser que conte dois! 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

As coisas boas na vida de um Escoteiro.


Conversa ao pé do fogo.
As coisas boas na vida de um Escoteiro.

As coisas boas quando fazemos escotismo à gente não esquece. Quer ver? Vou mostrar, mas sei que você se estivesse aqui ao meu lado teria outras tantas para contar. São coisas boas que todo Escoteiro e Escoteira sabe, pois já passou por isto. E sabem? Esta é a força que o escotismo nos dá. A força de não esquecer. A força de um amor que vai surgindo até estar no sangue, no espírito e no coração.

- Duas horas da tarde, o sol a pino. Montando campo de Patrulha. Uma fome terrível. A fumaça do fogão aparece, a gente dá um breve sorriso. Logo cozinheiro batendo nas panelas – Almoço pronto! Sentamos na nossa mesa, o cozinheiro nos serve. Um belo tutu de feijão com torresmo e ovos estrelados. Puxa!  Um manjar dos deuses. Quer melhor que isto? São coisas boas da vida.

- Jornada noturna a pé. A gente sempre vibrando. Nove da noite, encontro, revisão e partida. Uns doze se muito. Risos, canções nos primeiros quilômetros. Depois um cansaço terrível. Olhos piscando. – Jesus! O que vim fazer aqui? – Chefe grita – trinta minutos de descanso. Ah! Pés para cima. Sangue circulando, começo a cochilar. Sem palavras. E bom demais tudo isto.

- Reunião de sede. Todos formados. Chefe vai à frente e diz – “Com orgulho quero entregar ao Escoteiro “fulano” autorizada pela UEB do Distintivo de Escoteiro da Pátria” Meu Deus! Sou eu. Maior alegria? São coisas boas da vida.

- Um grande jogo. Um sol a pino. Um calor enorme. Corre daqui, corre dali pega um e outro é pego. Cansado, muito mesmo. Damos uma volta no morro, um enorme castanheiro, uma sombra incrível! Deitar, cochilar, refrescar e o jogo? São coisas boas da vida.

- Acampado. Trovões e relâmpagos uma enorme tempestade. Evitem árvores diz o Chefe. A barraca dança com o vento. Nos meus doze anos eu morro de medo. Os pingos fazem um barulhão na barraca. Meia hora depois o sol aparece. Saímos. Olhamos para o céu limpo. A chuva se foi. Melhor que isto? São coisas boas da vida.

- Tarde livre – Pescaria. Não pesco nada. Lindo remanso com peixes pulando. Fico pensando o por que. Ao meu lado meus amigos sempre fisgando. Que coisa! Minha linha corre. Seguro a vara. Puxo devagar, um piau enorme. Todos correndo para ver. Alegria. São coisas boas da vida.

- Caminhada enorme, pés doendo, o sol rindo da gente. Chapéu tentando dar sombra, o suor escorrendo, na curva se avista um regato, águas límpidas, um som imperdível para um Velho mateiro. Vinte minutos! Diz o Chefe. A gente corre, tira o sapato, as meias, pés na água gelada. Putz! Vai ser bom demais lá...

- Uma subida enorme, um pico inalcançável. Longe demais, uma trilha cheia de pedras, a gente escorrega e não desiste. Subida íngreme. A gente usa as mãos na escada de terra. Aqui e ali uma picada de um inseto. Então a gente chega, senta em uma pedra enorme. A vista? Nossa! Espetacular, montanhas, cidades e pequenas estradas parecendo que a gente está no céu a observar. E nem se lembra mais da subida. Bom demais!

- Montando campo de patrulha. Uma mesa sendo construída. Medida exata de cada acha de lenha. Mãos vermelhas mais tarde os calos vão aparecer. Uma amarra quadrada aqui e ali uma paralela. Os galhos pequenos já cortados para o estrado. Uma costura de arremate. Um corte pelo sisal. Terminamos. Uns passos para trás, olhar nossa pioneiria. Linda de morrer. Valeu os calos e o sangue saindo de um dedinho. Bom demais!

- Chegar à sede. Todos correndo. Monitor me cumprimenta. Diz que sou importante na Patrulha. Chefe chega. Me dá sempre alerta. Dá um tapinha nas minhas costas e diz – sabe fico contente em ver você aqui sempre. Olha para mim e dá um sorriso. Obrigado ele diz. É ou não é as coisas boa da vida?

- O Fogo de Conselho, todos brincando, rindo, cantando e alguém distribui um cafezinho, uma bolacha, minha hora com a patrulha do esquete. Palmas, sentamos novamente e o Chefe nos convida para a Cadeia da Fraternidade. Mãos entrelaçadas, olhos fitando o infinito, a canção entra na gente. Dá uma vontade de chorar. Depois termina, olhamos em volta quantos amigos eu tenho! Bom demais, uma emoção que nunca será superada.

- O fogo do Conselho terminou, as brasas vão se apagando. Pequenas fagulhas fujonas ainda se arriscam a subir aos céus. Uns poucos em volta do fogo. Deitados na grama, uma leve brisa, o orvalho começa a cair, a gente de olho no céu. Não pisca milhões de estrelas brilhantes, uma estrada iluminada no céu. Um cometa passa deixando um rabo brilhante e a gente? A gente logo faz um pedido. Meu Deus! Faça todos felizes. É bom demais.

- Um olho aberto depois outro. A voz do Monitor e o apito do Chefe. Hora de levantar. Alvorada! Uma nesga de sol aparece na porta da barraca. Poucos se arriscam a levantar. Um sono incrível. Quem sabe a melhor hora para dormir. Mas o dever vem em primeiro lugar, à física e depois a inspeção. Monitor diz – Senhor obrigado pelo novo dia. Mãos a obra, um café gostoso um pão meio duro, mas nunca comi melhor. Campo preparado, inspeção. Bandeira. Olhar fixo e o Chefe a dizer: Patrulha X tirou o primeiro lugar. Você olha para seus companheiros é putz! É a sua. Vai ser bom demais assim lá...
  

- E quantas e quantas coisas boa da vida acontecem a todo o momento? Quantas alegrias surgem assim sem a gente esperar? Ei você escoteiro! Fique aqui ao meu lado. Conte as suas. Dê um sorriso mesmo se lembrar das ruins. Olhe para mim, sinta nossa sintonia. São coisas que só nós Escoteiros temos afinal se Somos irmãos Escoteiros só isto não são coisas boas da vida?