O relógio se aproxima da meia noite, é hora de
dormir!
As tardes são para os velhos escoteiros.
Eu gosto de ver as tardes chegando. São belas.
Algumas têm um lindo por do sol, outras uma garoa gostosa e tem aqueles de frio
e chuva torrencial. Não importa. Elas sempre me encontrarão sentado na minha
varanda, para mim um local delicioso e para outros uma varanda comum. Sei que
ali me sinto bem e sinto que a pequena varanda faz parte do meu lar. Eu chamo de
Morada da Felicidade. Na maioria das vezes a Celia está do meu lado. Ela
tricotando e eu pensando. Ficamos horas em silencio. Talvez nossos pensamentos
se cruzam lá onde um dia iremos viver para sempre.
Minha morada é simples. Nada de palacete, nada de
casarão. Uma casa pequena, em uma rua comum, em um bairro de periferia, mas que
não troco por nenhuma outra. É uma morada humilde. Eu a tenho em alta conta.
Não preciso de mais. Muitos fizeram de suas casas o sonho que tiveram em suas
vidas. Eu nunca tive este sonho. Sei que quando me for só levarei o que fiz de
bom e ruim. Serão somente as obras que irão prevalecer do outro lado da
vida.
Hoje estive pensando na chuva, na garoa fina que se espalhou por toda à tarde.
Lembrei-me das garoas, das chuvas que um dia me maravilhou em muitos
acampamentos nas terras longínquas do meu país. Lembrei-me um dia de chuva fria
e gelada no Pico da Bandeira, de uma densa neblina no Itatiaia, das chuvas
torrenciais quando acampava no Rio do Peixe. Lembrei-me quando resolvemos
explorar onde se deu o desastre que vitimou os escoteiros e Caio Martins na
Serra da Mantiqueira. Lembrei-me também quando ficamos perdidos em uma gruta próxima
a Maquiné. Lá fora choveu há cântaros por quatro dias, lá dentro da caverna
onde fizemos nossa barraca era gostoso, ouvia a chuva lá fora, o cheiro da
terra entrava pela fresta que ainda conseguíamos ver. Quantas lembranças quantas histórias para
contar.
A chuvas eram incessantes, mas deliciosas.
Lembrei-me de trovões que marcaram uma época. Da árvore que caiu em cima de
nossa barraca suspensa provocada por um raio espetacular. Risos. Quantos raios incandescentes
caíram próximos ao campo de patrulha? A mão de Deus estava ali a nos proteger. Quantas
e quantas descidas perigosas da Serra Da Piedade, onde sempre chovia dias e
dias sem parar. De quantas e quantas noites choveu na Serra do Cipó. Na
travessia do Rio Doce em uma jangada de piteiras, com a cheia do rio, dormindo
noites e noites em suas margens debaixo de chuva, molhados, sorrindo e cantando
o Rataplã. A cheia de que transformou o Rio São Francisco em um mar de águas e
a patrulha descendo sem medo por muitos quilômetros em uma pequena canoa e a
chuva não parava. Da chuva intermitente quando acampamos próximo ao Rio das Velhas
e sem poder atravessar ficamos ali por seis dias. Foram centenas de lembranças. Para cada uma
delas um sorriso de um tempo que não volta mais.
Olhei para a Celia. Ela parecia dormitar ali na varanda com seus apetrechos de
agulhas, linhas e afins. A noite chegava calma e gostosa. A chuva sessou. Uma
brisa fresca no ar. O céu carregado de nuvens brancas e cinzas. Lá ao longe a
cidade de pedra piscava radiantes suas luzes aos nossos olhos. Hora de dormir.
De descansar. De orar e pedir a Deus por aqueles que precisam. De agradecer a
ele a vida que nos deu. Sem ostentação sem riqueza, mas cheia de felicidade.
Durmam bem meus amigos. Durmam bem. Que a chuva que
um dia vai cair traga um doce perfume da primavera e que as esperanças nunca deixem
de existir para cada um de vocês! Boa noite!
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