Lendas escoteiras.
Impisa – “O lobo que nunca
dorme!”.
Claro que Gegê não era um intrépido. Nem tão pouco valente. Mas tinha
lido tantas histórias de Baden Powell (BP) que ele pensou que poderia ser um
assim. Bem era outra época, não havia uma tribo dos Ashantís para lutar, e
Mafeking hoje era uma cidade pacificada. Pena que ele não pudesse voltar no
tempo na guerra do Transwall. Se pudesse! Mas quem sabe ele conseguiria algumas
aventuras na sua cidade? Gegê tinha treze anos. Um menino cheio de ideais. Um
Escoteiro sonhador. Em sua Patrulha todos achavam graça dele. Seu Monitor sabia
que sua mente fervilhava. Ele não sonhava como Dibs, o menino em busca de sí
mesmo ou como nas Aventuras de Tom Sawyer “O que um menino faz num sonho não
faz também quando acordado?”. Dizem que todo menino normal (parodiando Mark
Twain) tem hora que surge um desejo furioso de ir a algum lugar e descobrir um
tesouro enterrado. Gegê era assim. Um sonhador!
Gegê
não saia à noite. Sempre ia para a varanda de sua casa e ali devorava os livros
de Baden Powell (BP). Fechava os olhos e pensava que podia ser um dos dezoitos
escolhido por ele para o primeiro acampamento em Brownsea. Sentado na cadeira
de balanço de sua Vó, Gegê lia e aos poucos seus olhos se fechavam. Algum
estranho aconteceu. Gegê se viu transportado para Brownsea, olhou no relógio e
viu que era vinte e nove de julho a data do inicio do acampamento. Ele não
estava acreditando. A ilha era comum, parecia muito com a ilha da Carlinga de
sua cidade. Viu os meninos chegando. Contou um por um, não eram mais que
dezoito. Ele contou vinte! O tempo estava afirme. Alguém recebia os meninos e
pelas fotos ele reconheceu Sir Percy Everett um amigo de BP. Ele sabia
que a ilha era pequena, menos de três quilômetros por um e meio. [Claro tinha
muitos bosques, dois lagos e que BP dizia ser um bom terreno Escoteiro.].
Gegê estava sonhando. Ou não? Ninguém o via. Mesmo
chegando perto era por eles ignorado. Sabia que cada menino participante levou
todo o material pedido e que sabiam de cor e salteado os nós direito, escota e
volta do fiel. Gegê se lembrava do que tinha lido, pois o convite que ele
enviou foi aceito com entusiasmo. Os pais se orgulhavam dos filhos participarem
com um herói de Mafeking como era conhecido na Inglaterra. Lá estava também seu
amigo de armas, o Major Keneth McLaren que ficou como seu assistente. Nossa!
Que vontade de ser visto por eles, de participar de uma das patrulhas. Não
importava qual. Poderia ser os Corvos, os Lobos, os Maçaricos ou os touros. Viu
que os monitores já tinham sido escolhidos e eram responsáveis por tudo que
faziam no campo. Sabiam que BP solicitou que a eficiência e a coragem fosse
ponto de honra. Ele sabia que os meninos não usavam uniformes. Viu que cada um
recebeu as fitas de Patrulhas com suas cores que ficaram para sempre como
símbolo daquelas patrulhas.
Gegê
estava embasbacado. Era tudo real. Viu o treinamento de Técnicas de
Acampamento, observação, artes mateiras e como ele era desenvolvido. Assistiu
BP contar para eles como era um bom rastreador. No Fogo de Conselho ele mostrou
como seguir pistas a noite. No dia seguinte (cada Patrulha tinha uma barraca)
BP adestrou os monitores e assim o acampamento seguia seu rumo. Gegê lembrava
que ele mais tarde comentou que dar responsabilidade ao Monitor, foi o segredo
do sucesso da atividade. Gegê olhava e aprendia. Construção de abrigos, fazer
colchões, acender fogo, cozinha mateira e se divertiu com os jogos que eles
fizeram. Eu queria tanto estar com eles dizia. O que ele mais gostou foi
do jogo "Caça ao Urso" - Um dos rapazes maiores é o urso e tem
três bases nas quais ele pode se refugiar e estar a salvo. Ele leva um pequeno
balão de borracha cheio de ar nas costas. Os outros rapazes estão armados com
bastões de palha amarrados por um cabo (ou jornal enrolado) e com os bastões
procuram fazer estourar o balão, enquanto o urso está fora da base. O urso tem
um bastão semelhante com o qual procura tirar os chapéus dos caçadores. Se isto
acontecer o caçador está morto, mas o balão do urso tem de ser arrebentado para
que ele seja considerado morto.
Gegê estava vibrando com tudo aquilo. O bivaque feito só pela Patrulha
foi sensacional. Mas as Atividades Práticas da Natureza eram
fora de série. Relatórios
de observação da natureza - “Envie suas Patrulhas para descobrirem por
observação e relatarem depois, coisas como estas: Como o coelho silvestre cava
sua toca? Quando um grupo de coelhos é assustado, um coelho corre apenas porque
os outros correm ou olha ao redor para ver qual é o perigo, antes de também
correr? Um pica-pau tira a casca para apanhar os insetos no tronco da árvore,
ou apanha-os pelo buraco, ou como é que os acompanha? etc.”. Gegê viu que Baden
Powell era um esplêndido contador de estórias. Tinha um espantoso estoque de
anedotas sobre os heróis de todos os tempos. Para seu próprio uso, ele havia
criado um código de ética, baseado nos códigos dos Cavaleiros do Rei Arthur e
nas suas próprias reflexões. Agora ele pode procurar instilar nos rapazes os
mesmos ideais, contando-lhes as façanhas dos heróis admirados pelos jovens e
imprimindo em suas mentes a ideia de “Boa Ação Diária”.
Gegê procurou um lugar
junto a todos e assistiu o melhor debate que BP teve nesta ocasião com os
rapazes. Foi ali que viu cristalizar o seu pensamento e a formular um código
aceitável para os rapazes: A Lei e a Promessa Escoteira. Ele experimentou jogos
que lhe parecia capaz de por em relevo e dar expressão prática aos traços de
caráter que ele desejava que os rapazes possuíssem. Ele pôs à prova a lealdade
e a esportividade deles em jogos de equipe com regras estritas. Pôs à prova a
coragem deles com alguns golpes e chaves simples de jiu-jitsu, e a disciplina e
obediência num jogo em botes - a caça à baleia. Gegê queria intervir queria
participar, mas não podia. Alguém o balançava e ele assustado e tremendo
acordou com sua mãe o chamando para dormir. Gegê queria chorar. Perdera a
melhor oportunidade de sua vida, pois queria muito ver os olhares de todos
quando o acampamento terminasse. Mas Gegê sabia que agora era esperar outro
sonho. Poucos muito poucos poderiam dizer que viram boa parte do primeiro
acampamento dos escoteiros no mundo. Mesmo em sonhos.
Gegê viu. Contar para
quem? O sonho de Gegê morreria com ele, Ninguém acreditaria. Mas isto
importava? Para Gegê não. O que os outros pensassem dele não tinha nenhuma
importância. Sabia que muitos gostariam de estar em seu lugar, e só ele teve
esta oportunidade. Nunca deixaria de ser o Escoteiro sonhador. Sonhar é viver
novamente e acreditar que o mundo pode se modificar. Os sonhos de Gegê pelo
menos na sua inocência poderiam mudar o mundo! Sonhe Gegê, Sonhe!
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