Lendas
Escoteiras.
Rick, um
lobinho em sua fantástica viagem a Jângal.
Lembro-me de Rick. Nunca o
esqueci. Era Chefe assistente e para dizer a verdade quase não tinha contato
com lobos. Rick me chamou a atenção pelo seu porte, estilo, maneiras muito
diferente de meninos da sua idade. Rich era negro. Olhos enormes e corpo
desenvolvido para sua idade. Em pouco tempo de Alcateia sem perceber chamou a
atenção de todos. Alguns queriam saber como seria ele na escola e em sua casa.
Rick tinha várias facetas e para dizer a verdade nem seus pais sabiam de todas
elas. Mesmo presentes no colégio e no Grupo Escoteiro não negavam a assumir
qualquer responsabilidade. Pela idade os pais o deixavam vir e ir às reuniões
sozinho. Nunca esqueci o dia que entrou no Grupo. O Diretor Técnico foi que fez
as honras de praxe. Família simples, mãe mulata extremamente educada. O pai era
mestre de obras e trabalhava de sol a sol. Foi Jane a Akelá quem fez o convite.
A Alcateia o recebeu muito bem. Uma idade que as fantasias e folguedos superam
os adultos nas amizades. Ali não havia ódio, inveja, rancor orgulho vaidade.
Dizem que na Alcateia de Seeonee todos são amigos e irmãos.
No primeiro dia estranhou a
Gruta da Alcateia. Disseram que ali morava Mowgly. Entrada baixa ele teve de
abaixar para entrar. Gostou da decoram, dos desenhos dos bichos da floresta, do
Balu e da Bagueera. Assustou-se com o Bastão Totem. Aprendeu o que era Roca do
Conselho e viu com inveja o Grande Uivo, pois soube que quando fizesse a
promessa iria participar dele. Não entendeu muito, mas aos poucos foi dominando
tudo. Menos de três meses fez a promessa. Acharam interessante por ser caladão
taciturno e muitas vezes parecia não se entrosar. Ria com as danças, mas
obedecia sem discutir as ordens da Akelá e do Primo de sua matilha. Quando fez
seu primeiro acantonamento esboçou um leve sorriso. Não deu adeus para os pais
que foram leva-lo até a sede. Aconteceu que após o almoço ele saiu sem falar
nada com ninguém. Dois lobos foram encarregados de procura-lo e o encontram
encostado em uma árvore com os olhos semicerrados. Viram que ele falava
baixinho. Correram e avisaram o Balu e a Bagueera.
Todos que estavam lá
assustaram com ele, foi aumentando a voz e entenderam o que falava: - Não me
tema, disse Mowgly, eu sou amigo de vocês. Quando estive com Bagheera na
encosta do morro frente à Waiganga, fim do inverno vi um vale semi-deserto. Vi
um pássaro cantando notas incertas tentando aprender para quando viesse à
primavera. Bagheera lembrou que o tempo das Falas Novas estava próximo. Disse
que precisava recordar o seu canto e se pôs a ronronar. Mowgly sabia das
mudanças das estações. Ficava triste por que os outros corriam e o deixavam
sozinho. – Balu correu a chamar a Akelá. Queria que ela visse o que o Rick
dizia. Ela veio e trouxe toda a alcatéia. Sentaram em volta de Rick e se
encantaram com ele. Ele mexia a cabeça para frente e para trás, com os olhos
fechados e sua maneira de contar a história era bondosamente esplêndida. Todos
permaneceram calados. – Continuou Rick: - Senhor da Jângal, sabe que tenho que
viver sozinho disse Bagheera. Sabe que é na primavera que vou para todos os
lugares. Tenho que correr com os outros animais até o anoitecer e voltar ao
amanhecer!
Era incrível ver e ouvir
Rick contando a história da Jângal. A Akelá e o Balu nunca viram nada
igual. – Mowgly continuou Rick ficava
sozinho e aborrecido. Correu naquela noite e às vezes gritando, às vezes
cantando. Avistou uma estrela abaixa e lembrou-se do Touro que lhe deu a flor
vermelha. Mowgly lembrava quando se mudou da Alcateia de Seeonee. É hora de
parar de correr. Viu uma cabana. Cães latiram. Ele deu um profundo uivo de lobo
e fez os cães que latiam calarem. Escondido nos arbustos Mowgly também tremeu.
Reconheceu à cabana – Reconheceu a voz que dizia – Quem está ai? Ele respondeu:
- Sou eu Messua! Nathoo seu filho! Ele se aproximou ela o acolheu deu-lhe de
beber e comer. Mowgly cansado deitou-se e dormiu.
Rich parou. Sua cabeça ficou firme.
Levantou, olhou para todos e saiu rumo à sede onde estavam acantonados. Não
disse nada. Todos suspiraram. Esperavam o fim da historia. Era conhecida. A
Embriagues da Primavera sempre era contada por Bagheera. Mas não da maneira que
Rich contava. Foi um acantonamento marcante. Rich não contou mais historias.
Voltou como era e sempre foi. Calado, taciturno. O tempo passou um dia Rich
deixou sua matilha e foi sentar no primeiro degrau da escada que levava a
biblioteca. Começou a cantar. Eu sabia o que ele cantava. Musicas de um vasto
repertório de Cantos Gregorianos. Sua voz
retumbava em todo o pátio onde se realizava a reunião. Quando cantou a Ave
Maria et Benedictus foi demais. Todos choraram. Todo o Grupo Escoteiro parou
suas atividades. Estáticos ficaram a li a ouvir tão delicia voz que Rick tinha.
Isto não aconteceu uma só, foram várias. Era um espetáculo ver aquele menino
negro, de uniforme de lobo, sorrindo e cantando.
Rick passou para a tropa eu
estava lá em sua passagem. Conquistou a todos pela sua simpatia. Um dia disse
que ia embora. Seu pai foi contratado para fazer vários edifícios em outra
cidade. Na despedida no cerimonial de bandeira para surpresa de todos começou a
cantar a Canção da despedida. Nunca vi nada igual. Espetacular! O silencio da
tropa e da Alcateia era completo. Não fizeram a cadeia da fraternidade, as mãos
não foram entrelaçadas, mas havia um momento sublime em seu canto. Era como se
todos Escoteiros e lobinhos do mundo também estivessem ali cantando. Foi um
acontecimento notável e inesquecível. Eu fiquei tremendo. Rick partiu. Por
muitos anos ninguém ouviu falar dele. Ele deixou saudades. Marcou o coração de
muitos. Seu nome é contado em versos e em prosas no Fogo de Conselho. A
Alcateia o homenageou colocando sua foto em destaque na gruta da Alcateia. A
vida tem disto, pelos motivos que o destino não explica um dia ganhei dois
ingressos para assistir a ópera “O Elixir do amor” (Uma Furtiva Lágrima” no
Teatro Municipal.
Fui eu e a Célia. Eis que uma
enorme e deliciosa surpresa aconteceu. O
tenor que todos comentavam de Nome Boono Lastimer, de 31 anos interpretou com
tanto sentimento que demorei algum tempo para reconhecê-lo. Nada mais nada
menos que Rich. Quando terminou a platéia o ovacionou por muito tempo. Tentei
me aproximar do seu camarim. Impossível. Acompanhei por longos anos seu sucesso
no Teatro La Scala de Milão e em outros famosos por vários países. Eu sorria
sempre a lembrar dele. O via cantando no pátio da sede e nunca podia imaginar o
seu sucesso de agora. Fatos assim são importantes. Eles nos trazem a vida real,
nos marcam e fazem de nos o que somos. Nunca mais me esqueci de Rich. Quando
penso nele me lembro das palavras de Kaa, que na sua nobreza de serpente sempre
dizia – “Somos do mesmo sangue, tu e eu!
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