Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Rick, um lobinho em sua fantástica viagem a Jângal.


Lendas Escoteiras.
Rick, um lobinho em sua fantástica viagem a Jângal.

                Lembro-me de Rick. Nunca o esqueci. Era Chefe assistente e para dizer a verdade quase não tinha contato com lobos. Rick me chamou a atenção pelo seu porte, estilo, maneiras muito diferente de meninos da sua idade. Rich era negro. Olhos enormes e corpo desenvolvido para sua idade. Em pouco tempo de Alcateia sem perceber chamou a atenção de todos. Alguns queriam saber como seria ele na escola e em sua casa. Rick tinha várias facetas e para dizer a verdade nem seus pais sabiam de todas elas. Mesmo presentes no colégio e no Grupo Escoteiro não negavam a assumir qualquer responsabilidade. Pela idade os pais o deixavam vir e ir às reuniões sozinho. Nunca esqueci o dia que entrou no Grupo. O Diretor Técnico foi que fez as honras de praxe. Família simples, mãe mulata extremamente educada. O pai era mestre de obras e trabalhava de sol a sol. Foi Jane a Akelá quem fez o convite. A Alcateia o recebeu muito bem. Uma idade que as fantasias e folguedos superam os adultos nas amizades. Ali não havia ódio, inveja, rancor orgulho vaidade. Dizem que na Alcateia de Seeonee todos são amigos e irmãos.

                  No primeiro dia estranhou a Gruta da Alcateia. Disseram que ali morava Mowgly. Entrada baixa ele teve de abaixar para entrar. Gostou da decoram, dos desenhos dos bichos da floresta, do Balu e da Bagueera. Assustou-se com o Bastão Totem. Aprendeu o que era Roca do Conselho e viu com inveja o Grande Uivo, pois soube que quando fizesse a promessa iria participar dele. Não entendeu muito, mas aos poucos foi dominando tudo. Menos de três meses fez a promessa. Acharam interessante por ser caladão taciturno e muitas vezes parecia não se entrosar. Ria com as danças, mas obedecia sem discutir as ordens da Akelá e do Primo de sua matilha. Quando fez seu primeiro acantonamento esboçou um leve sorriso. Não deu adeus para os pais que foram leva-lo até a sede. Aconteceu que após o almoço ele saiu sem falar nada com ninguém. Dois lobos foram encarregados de procura-lo e o encontram encostado em uma árvore com os olhos semicerrados. Viram que ele falava baixinho. Correram e avisaram o Balu e a Bagueera. 

                    Todos que estavam lá assustaram com ele, foi aumentando a voz e entenderam o que falava: - Não me tema, disse Mowgly, eu sou amigo de vocês. Quando estive com Bagheera na encosta do morro frente à Waiganga, fim do inverno vi um vale semi-deserto. Vi um pássaro cantando notas incertas tentando aprender para quando viesse à primavera. Bagheera lembrou que o tempo das Falas Novas estava próximo. Disse que precisava recordar o seu canto e se pôs a ronronar. Mowgly sabia das mudanças das estações. Ficava triste por que os outros corriam e o deixavam sozinho. – Balu correu a chamar a Akelá. Queria que ela visse o que o Rick dizia. Ela veio e trouxe toda a alcatéia. Sentaram em volta de Rick e se encantaram com ele. Ele mexia a cabeça para frente e para trás, com os olhos fechados e sua maneira de contar a história era bondosamente esplêndida. Todos permaneceram calados. – Continuou Rick: - Senhor da Jângal, sabe que tenho que viver sozinho disse Bagheera. Sabe que é na primavera que vou para todos os lugares. Tenho que correr com os outros animais até o anoitecer e voltar ao amanhecer!

                       Era incrível ver e ouvir Rick contando a história da Jângal. A Akelá e o Balu nunca viram nada igual.  – Mowgly continuou Rick ficava sozinho e aborrecido. Correu naquela noite e às vezes gritando, às vezes cantando. Avistou uma estrela abaixa e lembrou-se do Touro que lhe deu a flor vermelha. Mowgly lembrava quando se mudou da Alcateia de Seeonee. É hora de parar de correr. Viu uma cabana. Cães latiram. Ele deu um profundo uivo de lobo e fez os cães que latiam calarem. Escondido nos arbustos Mowgly também tremeu. Reconheceu à cabana – Reconheceu a voz que dizia – Quem está ai? Ele respondeu: - Sou eu Messua! Nathoo seu filho! Ele se aproximou ela o acolheu deu-lhe de beber e comer. Mowgly cansado deitou-se e dormiu. 

                     Rich parou. Sua cabeça ficou firme. Levantou, olhou para todos e saiu rumo à sede onde estavam acantonados. Não disse nada. Todos suspiraram. Esperavam o fim da historia. Era conhecida. A Embriagues da Primavera sempre era contada por Bagheera. Mas não da maneira que Rich contava. Foi um acantonamento marcante. Rich não contou mais historias. Voltou como era e sempre foi. Calado, taciturno. O tempo passou um dia Rich deixou sua matilha e foi sentar no primeiro degrau da escada que levava a biblioteca. Começou a cantar. Eu sabia o que ele cantava. Musicas de um vasto repertório de Cantos Gregorianos. Sua voz retumbava em todo o pátio onde se realizava a reunião. Quando cantou a Ave Maria et Benedictus foi demais. Todos choraram. Todo o Grupo Escoteiro parou suas atividades. Estáticos ficaram a li a ouvir tão delicia voz que Rick tinha. Isto não aconteceu uma só, foram várias. Era um espetáculo ver aquele menino negro, de uniforme de lobo, sorrindo e cantando.

                    Rick passou para a tropa eu estava lá em sua passagem. Conquistou a todos pela sua simpatia. Um dia disse que ia embora. Seu pai foi contratado para fazer vários edifícios em outra cidade. Na despedida no cerimonial de bandeira para surpresa de todos começou a cantar a Canção da despedida. Nunca vi nada igual. Espetacular! O silencio da tropa e da Alcateia era completo. Não fizeram a cadeia da fraternidade, as mãos não foram entrelaçadas, mas havia um momento sublime em seu canto. Era como se todos Escoteiros e lobinhos do mundo também estivessem ali cantando. Foi um acontecimento notável e inesquecível. Eu fiquei tremendo. Rick partiu. Por muitos anos ninguém ouviu falar dele. Ele deixou saudades. Marcou o coração de muitos. Seu nome é contado em versos e em prosas no Fogo de Conselho. A Alcateia o homenageou colocando sua foto em destaque na gruta da Alcateia. A vida tem disto, pelos motivos que o destino não explica um dia ganhei dois ingressos para assistir a ópera “O Elixir do amor” (Uma Furtiva Lágrima” no Teatro Municipal.


                 Fui eu e a Célia. Eis que uma enorme e deliciosa surpresa aconteceu.  O tenor que todos comentavam de Nome Boono Lastimer, de 31 anos interpretou com tanto sentimento que demorei algum tempo para reconhecê-lo. Nada mais nada menos que Rich. Quando terminou a platéia o ovacionou por muito tempo. Tentei me aproximar do seu camarim. Impossível. Acompanhei por longos anos seu sucesso no Teatro La Scala de Milão e em outros famosos por vários países. Eu sorria sempre a lembrar dele. O via cantando no pátio da sede e nunca podia imaginar o seu sucesso de agora. Fatos assim são importantes. Eles nos trazem a vida real, nos marcam e fazem de nos o que somos. Nunca mais me esqueci de Rich. Quando penso nele me lembro das palavras de Kaa, que na sua nobreza de serpente sempre dizia – “Somos do mesmo sangue, tu e eu!   

Nenhum comentário: