Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O espectro maligno de um Chefe chamado Trovão.


Conversa ao pé do fogo.
O espectro maligno de um Chefe chamado Trovão.

             Contaram-me esta história. Quem contou disse que nunca tinha visto um Chefe como ele. Perfeito em tudo que fazia. Eu recém no grupo acreditei. Nós novatos acreditamos em tudo. Disseram-me que era enérgico, cobrava sempre a postura e não aceitava atrasos. Dizem que por outro lado era um amigo e tanto. Nunca deixava ninguém só e conversava com todo mundo. Não era o chefão do Grupo Escoteiro e assim como chegou um dia desapareceu, mas sempre mandando um alô, um Sempre Alerta ou mesmo uma cartinha. Falaram-me que era um expert em escotismo. Dirigia cursos, viaja pelos estados do Brasil e ia muito ao exterior. – Olhe Chefe, ele me dizia – Tornou-se para nós um grande amigo. Visitava-nos em nossas casas, sempre convidando para uma churrascada ou comer uma pizza onde rolava papos deliciosos acompanhado de bons chopes.

             - Acredite Chefe, nunca vi ninguém igual a ele. Chegou a arregimentar trinta pais do grupo, adestrou, deu cursos e dentre eles tivemos muitos Insígnias de Madeira. Nossa maneira de pensar mudou com ele. Ele nos fez sentir mordido pelo mosquito encantado de Baden-Powell. Lembro que nos mês de julho o programa indicava um acampamento da Tropa Escoteira. Os seniores iriam também, mas separados dos demais. Ele fez questão de deixar que cada um de nós aprendesse como preparar o material, a intendência, as caixas de patrulha, ou seja, tudo aquilo que os Escoteiros conhecem tão bem. Chefes que acamparam com ele se encantaram com seu estilo, mas reclamaram muito de suas exigências. Contaram-nos que ele fazia questão que todos participassem do banho das três e meia da manhã. Rimos quando soubemos disto, mas porque não? Sempre no primeiro dia de acampamento. Chovendo ou frio intenso ninguém podia faltar.

                  Chefe acredite, eu ri de tudo isto. Disseram-me que para ele era uma tradição e ninguém podia faltar. – “Que diabos” é isto? Eu pensei. Não entendi a finalidade. Mas se havia um respeito nato com ele pelas “Barbas do Profeta” que eu aceitaria. No dia marcado partimos. Alegria geral. Chegamos cedo ao local. Lindo se quer saber. Um grande lago tendo em volta uma pequena floresta nativa. Havia uma bela clareira e a poucos metros acima corria um córrego com águas limpas e com uma pequena cascata. Mais acima uma bica que chamavam de Bica Molhada por todos que acamparam ali. Os monitores escolheram seu campo e nós ficamos em um campo próprio não muito distantes deles. Esqueci-me de contar do frio. As noites descia a dois ou três graus positivos. Contaram-nos que nas madrugadas facilmente chegaria a um ou dois negativos.

                  Tudo transcorreu nos conformes.  À tardinha, ainda com sol, todos se lavaram junto ao lago, e nós fomos até uma bica bem abaixo, que corria em bambus formando uma ducha sem igual. Um banho gelado delicioso. O Chefe Trovão não tomou banho. À noite após o jogo e da Reunião de monitores nos recolhemos. Nem nos lembrávamos do pedido do Chefe Trovão. Mas o danado apareceu na porta da barraca e disse que as três e vinte e cinco nos esperava próximo à lagoa. Repetiu que era sagrado a participação. Não falou mais nada. Nesta hora foi que nos lembramos do tal banho. Achei um absurdo. Um frio de rachar. Para que isto? Pensei em discordar, mas vi o Chefe Trovão me olhando enviesado como a adivinhar meu pensamento. “Diacho” E agora? Como não podia fugir e os demais não comentaram, não falamos nada. Tínhamos todos enorme respeito pelo Chefe Trovão. Dormi preocupado. Era o cúmulo do absurdo. Se isto era escotismo meu pai era um macaco falante. Pensei até em ir embora no outro dia. Nunca passei por isto. Mas meu filho estava ali. Seria uma falta muito grande e uma tremenda decepção para ele. O jeito era esperar a madrugada, pois achava que aquilo não passava de uma piada.

                Não acordei às três e meia. Ninguém acordou. Não fomos chamados. Mas o Cléu um dos pais acordou dez minutos após e chamou a todos nós. Levantamos assustados, um frio de rachar. Enrolado em um cobertor nos reunimos em volta do que restava do fogo aceso frente às barracas. O chefe Trovão não estava na sua. Já tinha partido sozinho. O que fazer então? Cada um deu sua opinião no final, resolvemos ir até a ducha onde ele estaria e pedir desculpas. Não era longe nem perto. Uns 200 metros abaixo da lagoa. Saímos tiritando de frio. Na trilha todos nós sentíamos calafrios. Não acredito em fantasmas nem em alma do outro mundo. Mas não sei por que, talvez o silêncio, as arvores sombrias, sombras na lagoa. O medo me bambeava as pernas.

               Pé ante pé avistamos a ducha (ficava uns 10 metros abaixo de nós). Assustamos! O chefe Trovão só de short, debaixo da ducha que saia fumaça com o frio e com as mãos levantadas, parecia estar a rezar algum que não entendíamos. Um susto enorme quando uma luz brilhante apareceu. – Chefe, eu tremia mais que vara verde. Nunca em minha vida tinha visto nada igual. A luz foi aumentando e em poucos segundos, diversos vultos como sombras também lá estavam saudando o chefe Trovão. Pensei em rezar. Alí só podia ser a imagem do demônio. Em seguida o Chefe Trovão levantou as mãos para o céu e ficou acima do chão uns dois metros girando sobre si mesmo. Os vultos em uma espécie de dança ficaram rodando em sua volta. Um grande redemoinho foi formado. Não vi mais os vultos e o chefe Trovão. A luz brilhante começou a faiscar, lançando raios para todos os lados. Fugimos dalí esbaforidos, tremendo, alguns garanto que tinham molhado os pijamas, ninguém falou nada, todos queriam ir à frente e ninguém atrás.

              Cada um entrou em sua barraca, ofegando, esperando a calma chegar. Que nada, a tremedeira não passava. Não estávamos acostumados com isto. Os minutos foram passando, estávamos acalmando e eis que bem no inicio da trilha, pela fresta da barraca avistamos o chefe Trovão. Com um short curto, a toalha jogada nos ombros, assoviava alegre o “Acampei lá na montanha”. Parecia estar em uma praia num escaldante verão. Não mostrou curiosidade em saber se estávamos acordados. Fez uma pequena ondulação com o corpo, mexeu com os braços e se dirigiu a sua barraca. Ao entrar se voltou e abanou as mãos em direção à mata. Nada vimos.               No dia seguinte levantamos calados. Poucos conseguiram dormir.

              O acampamento cumpriu seu programa. Os escoteiros alegres, os seniores com seu grito de guerra, enfim uma grande exaltação de um programa que se não fosse o acontecido, poderia dizer sem similar. Retornamos no dia marcado. O Chefe Trovão parecia o mesmo. Professor, tutor, instrutor, mas sempre quando nos encarava, um sorriso maroto brotava para logo mostrar sua carranca de chefão. Na semana seguinte, notei que somente eu e mais dez pais ainda estávamos participando do grupo. Os demais assustados não voltaram mais ao grupo. Um pacto de silêncio ficou entre os chefes que lá estiveram. Eu mesmo nem com minha esposa falei do assunto e do acontecido. Acho que todos tinham medo de serem ridicularizados. Mas acredito e disso não tenho nenhuma dúvida, que o Chefe Trovão tem parte com o coisa-ruim ou então com espíritos malignos, cuja visita recebe sempre no afamado “banho das três e meia e seu sabonete mágico”. Até hoje Chefe não entendi o porquê ele nos convidou. Quem sabe pode ter alguma lógica que nunca descobrimos.


                 Olhei para o Chefe que me contou esta história. Queria rir, mas ele estava sério. No sábado seguinte chegou um convite para um curso avançado da Insígnia da Madeira. Era o curso que esperava. Assustei quando vi quem iria dirigir o curso. Nada mais nada menos que o Chefe Trovão. Inscrevi-me. Eu precisava do curso e ia passar a limpo o Chefe Trovão e suas estripulias com o demônio. Aguardem meu segundo conto sobre esta figura fantasmagórica!

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