Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A lenda de Chico Mortalha – O malvado.


Lendas escoteiras.
A lenda de Chico Mortalha – O malvado.

        Todos os habitantes de Floradas na Serra conheciam a lenda. Claro, lenda é lenda e serve para contar, não para acreditar. Mas a criançada da cidade acreditava. Mamães, professoras, pais, vovós quando queriam chamar atenção por uma simples travessura lá estava Chico Mortalha presente para amedrontar. Se foi verdade ou não isto não posso dizer. Quem me contou foi o Padre Josenilton. Chico Mortalha era um pistoleiro famoso. Um matador. Matava tudo que encontrava. Velhos, moços, jovens, crianças, animais. Matava tudo que aparecesse em sua frente. Seu último crime foi à morte do Bispo Marcelino. Gente boa, boníssima. Mas o prefeito encrencou com ele. Pagou a Chico Mortalha para dar um sumiço no bispo. Dito e feito. O Bispo sumiu! Ninguém nunca mais o viu.

         Desconfiaram que fosse crime encomendado. Chamaram o Delegado Paredes da capital. Não provou, mas disse que foi Chico Mortalha. O povo se revoltou. Foi na casa dele. Levaram-no para a Lagoa das Piranhas. Tiraram a roupa dele e amarraram em todo seu corpo nacos de coração de boi. As piranhas adoram. Amarraram ele em um galho que dava em cima da lagoa. Iam descendo aos poucos seu corpo. As piranhas devoravam tudo que mergulhava na água. Primeiro suas pernas, depois seu corpo, só sobrou à cabeça de Chico Mortalha. Dizem que não deu um gemido. Por fim cortaram a corda e Chico sumiu nas aguas profundas da lagoa. Contava-se que uma vez por ano, na data de sua morte, ele aparecia na lagoa, em pé, sem afundar e dava gemidos imensos que nenhum peixe, nenhum animal ficava por perto.

          Há mais de trinta anos existia um belo Grupo Escoteiro em Floradas na Serra. Quase todos os homens da cidade haviam passado pelas suas fileiras. Uma grande Alcatéia, uma ótima tropa, três Patrulha seniores e um Clã que precisa definir quantos poderiam participar, pois em suas reuniões sempre apareciam mais de cinquenta pioneiros. Seria um tema para o próximo Conselho de Chefes do Grupo. Chiquinho Mortalha era Sênior. Desculpe. Risos. Seu nome era Lorenildo Simplício das Mercês. Não gostava do nome. Nunca gostou. Quando foi lobinho colocaram nele este apelido. Não se incomodou. Ficou para sempre. Talvez por ficar sempre de cara amarrada. Não sorria. Mas todos gostavam dele. Tinha uma força descomunal para sua idade. Não era alto, mas levantava toras, pesos enormes com facilidade. Nos acampamentos o pau para toda obra. Era bem quisto na Patrulha. Desde quando Escoteiro. Conseguiu a Primeira Classe. Pretendia ser Escoteiro da Pátria.

          Em sua Patrulha todos os temiam. Não pela sua força, mas pela sua astúcia. Dizia que quando desse na telha ia enfrentar este tal de Chico Mortalha lá na lagoa na data que costumava aparecer. Ninguém acreditava. Dito e feito. Em onze de agosto, data da morte do tal Chico Mortalha lá foi ele rumo à lagoa. Sozinho é claro. Levou sua faca, sua machadinha e uma corda de dez metros. Lá chegando subiu no pé de uma Copaíba enorme. Se amarrou nos galhos e esperou. Não tinha pressa. Que venha o Chico Mortalha. Estava na hora de enfrentá-lo. Sete horas da noite, nove, dez, onze, meia noite. Nada do Chico. Era fanfarronice. Ela assim pensava. Uma hora cochilou. Dormiu. Não caiu, pois estava amarrado. Mas alguém o desamarrou. Ele caiu do alto dentro da lagoa. Afundou. Abriu os olhos e viu com horror o Chico Mortalha. Só a caveira, pois as piranhas não deixaram nada. Chico sorria para Chiquinho. Não teve medo. Pegou sua faca e disse que ele era Escoteiro. “O Escoteiro não tem medo de nada” A caveira começou a rir.

         Gargalhadas enormes. Chiquinho isto é Lorenildo precisa de ar. Subiu até a borda da lagoa, respirou e mergulhou de novo. Danado de Sênior. Não tinha medo mesmo. A caveira o pegou pelo ombro, o levou até o pé da árvore fora da lagoa. O abraçou e disse a ele que era bom conhecer um Escoteiro. Poderia ter sido um, pois quem sabe não seria o que tinha sido. Ficaram amigos. Conversaram toda a madrugada. Chico Mortalha contou muito da sua vida. De seu grande amor por Nininha, mas nunca disse a ela. Morrera de tuberculose e solteira. Hoje ela faz companhia a ele no fundo da lagoa.

         O dia amanheceu. Lorenildo voltou para sua casa. Seus pais preocupados. Todos os escoteiros a procurada dele. Resolveu não contar nada. Não devia. Agora era amigo de Chico Mortalha o Malvado. Tinha prometido a ele que voltaria no próximo aniversário e iria conhecer Nininha. O tempo passou. Lorenildo casou. Contou para seus filhos, mas eles riam e achavam que seu pai era um bom contador de histórias.

        Todos os anos, durante toda a sua vida Lorenildo voltava à lagoa. Fizera um amigo, ou melhor, amigos. Chico e Nininha. Sentava a beira da Copaíba e Chico Mortalha aparecia com Nininha e eles se abraçavam. Ficavam ali conversando por toda a madrugada. A cidade sabia, mas tinha medo. O Grupo Escoteiro não comentava. A Patrulha entendia. Amigos são amigos. Durante toda sua vida agora como Chefe Escoteiro não deixava de visitar Chico Mortalha e Nininha na Lagoa das Piranhas. Amigos para sempre. Diferente, pois Chiquinho era um Escoteiro do bem. 

           E como dizem por aí, boi não é vaca, feijão não é arroz e quem quiser que conte dois! E como dizia minha avó, “Pedro, nem tê-lo, nem vê-lo, nem querê-lo, nem a porta da casa consegui-lo... mas sempre é bom na casa havê-lo”. Risos.

E quem quiser que conte outra!

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