Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Saudades do meu Lampião Vermelho encantado.


Conversa ao pé do fogo.
Saudades do meu Lampião Vermelho encantado.

Saudades do meu lampião vermelho,
Quanto tempo fomos amigos
Luz amarelada, me vendo em seu espelho
Foram lindos acampamentos, com este meu amigo.
Ele sempre me deu conselhos
E as noites, nunca me deixou em perigo
Escolheram o tal lampião a gás,
O motivo não sei dizer,
Mas você meu Lampião Vermelho,
Foi o que sempre me deixou fazer,
Nunca se esqueceu de mim, clareou minha vida.
Meu lindo amigo em tempo algum irei te esquecer.


                Minha Avó olhava para mim e dizia – O lampião "cum corosene só serve pra infeitá os comudu da casa”. Era assim que ela falava. Eu gostava de minha avó. Mesmo com seu palavreado de mulher simples da roça, ela era a grande mãe que não conheci. Criou-me desde que nasci em uma casinha de barro e que ela sempre matinha limpa e asseada. Minha mãe morreu de parto e ela sozinha me criou. Plantava roça para sobrevivermos, não deixava que eu andasse de qualquer maneira e fazia questão que fosse à escola mesma que tivesse de andar seis quilômetros todos os dias com chuva ou com sol.

               Um dia ela remexendo em um baú, tirou de lá um Lampião Vermelho a querosene praticamente novo. Lembro que ela disse que meu tio que morava na capital o trouxe para ela a muitos e muitos anos atrás. Sabe o que ele me disse? Ela dizia - Disse que este lampião é sentimental. Fala, chora e ri. Claro não acreditei. Olhei-o. Estava novinho. Era lindo! Não queria testar. Faria isso só junto aos meus amigos da patrulha Raposa em um belo acampamento de verão. Deixei-o guardado em meu quarto até o dia que ele seria entregue ao intendente da Patrulha Raposa. Esqueci-me de dizer, participava de um Grupo Escoteiro na cidade. Todo sábado lá ia eu com meu uniforme, marchando a pé pela estrada sempre cantando uma canção escoteira.

           Foram diversos acampamentos. Muitas outras excursões. Em uma delas descobri que ele falava. Um susto, mas era melhor assim. Ele sempre a nos guiar e com sua luz bruxuleante nos trazia mais próximo à natureza. Ele mesmo nos ensinou como preparar o seu pavio para dar maior claridade. Ensinou-nos também que a querosene devia ser colocada pela metade em seu bujão. Ensinou que o pavio não devia ficar alto se não a chama forçava com a fumaça e iria sujar o vidro. Notei que os outros Escoteiros da patrulha também passaram a conversar com o Lampião Vermelho.

             Por diversas vezes os patrulheiros da Raposa iam me visitar só para conversar com o Lampião Vermelho. Ele quando era noite pedia para acendê-lo e lá fora em frente ao meu barraco de barro, levávamos um banco de madeira e dois banquinhos e ficávamos horas e horas conversando. Minha Avó ao longe cantava uma canção sua predileta e olhava para nos embevecida e orgulhosa. Ah! Luar do sertão. O lampião não gostava. O Lampião Vermelho agora era mais um da raposa. Ele também contava histórias, pois nunca mais perdeu uma atividade da patrulha.

              Um dia consegui passar em um vestibular para uma faculdade. Claro, já quase adulto e tive que ir para uma cidade grande. Iria levar minha Avó comigo, pois sabia que ia trabalhar de dia e a noite estudar e precisava dela como ela precisava de mim. Conversei horas e horas com o Lampião Vermelho. Vi que a tristeza e a dor da despedida o fizeram chorar baixinho. Eu também chorei. Não sabia o que fazer. Levá-lo comigo ou deixá-lo com a Patrulha? Dei a ele inteira liberdade de escolher. Você decide meu querido Lampião Vermelho.

             Não foi uma decisão fácil. Mas ele preferiu ficar com o novo Escoteiro da Patrulha vindo do lobinho. Vi que eles se entendiam perfeitamente. Ele mesmo me disse que na cidade seria somente uma relíquia ou uma recordação de um passado saudoso. Ele não queria ser uma recordação. Achava que tinha muito ainda para iluminar as noites escuras sem luar dos acampamentos junto aos jovens escoteiros sonhadores. Assim como foi meu amigo e iluminou meus dias de juventude ele achava que iria ajudar em muito a nova juventude que iria aparecer na patrulha.

             O dia em que o Noviço foi buscá-lo, ele me olhou e chorou. Eu também chorei. Disse para ele: - Lampião Vermelho você me fez chorar muitas vezes. Deu-me muitas alegrias também. Mostrou-me novos caminhos, novos horizontes. Iluminou minhas noites alegres e tristes. Fez de mim um homem com sua maneira honesta de ver as coisas.  Não queria perder você, mas o destino muitas vezes não nos dá condições de escolha.

            Adeus meu querido Lampião Vermelho. Adeus. Espero que faça a todos felizes como me fez feliz por todos estes anos que ficamos juntos. Fiquei ali na porta do meu barraco de barro, a ver o Lampião Vermelho balançar e ficar sorrindo para o Noviço. Notei que os dois conversavam animadamente. Minha Avó veio de mansinho e me deu um abraço. Chorei nos braços dela. Nunca mais voltei àquela cidade. Nunca mais soube onde anda o Lampião Vermelho que fez parte da minha vida. Acho que ainda existe e deve estar fazendo milhares de acampamentos, excursões e vivendo uma vida feliz junto aos escoteiros que sempre amou.

               Seja feliz meu amigo Lampião Vermelho. Seja feliz. Escolhemos dois caminhos e cada um de nós agora devemos procurar encontrar a nossa felicidade. A luz bruxuleante do Lampião Vermelho me veio à mente. Em segundos revivi toda a vida que vivemos juntos. Moro agora em uma cidade grande. Não tenho mais o meu Lampião Vermelho e nem posso ver mais as estrelas no céu. Outros objetos e aparelhos o substituíram. Mas apesar de tudo nunca esqueci e nunca vou esquecer os dias felizes que passei junto ao meu amado Lampião Vermelho!

      

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