Lembranças
da meia noite.
Zé
Neguinho, muitas histórias para contar.
Nunca esqueci o Zé Neguinho. Olhe ele não era negro. Moreno
claro e usava um cabelo comprido. Gostava de usá-lo com um rabo de cavalo. Eu
ia fazer sete anos quando o vi pela primeira vez. Jogava bolinha de gude em
frente a minha casa do outro lado da linha da estrada de ferro. Ele chegou e
passou as mãos em todas as bolinhas. Acho que ele era um ano mais que eu e bem
mais forte. Todos olharam para ele e dois meninos choravam. Eu não. Exigi minhas
bolinhas. Ele riu. Dei nele um pescoção e recebi outro. Cai feito bolacha e ele
saiu correndo levando mais de 20 bolinhas.
Nonato com seus doze anos me disse - Vado
se quiser defender dele, entre para os Escoteiros. Lá ninguém se mete com a
escoteirada. Logo entrei para os lobinhos. Ele parou de me perseguir. Os anos
foram passando eu crescendo e ele também. As brigas voltaram. Motivo? Não sei.
Ele me desafiou um dia no campinho do Nonô Cabrita. - Sem os Escoteiros ele
disse – Aceitei. Ninguém sabia das nossas brigas. Demoravam horas e cansados,
muitas escoriações e sangue no nariz cada um ia para sua casa. Dificilmente passávamos uma semana sem uma
briga. Eu e ele nunca pedimos ajuda. Nossas brigas sempre eram fora da cidade
ou no campinho. Não havia aglomerações. Nunca usamos paus, pedras facas nada.
Só no soco e tapa. Meus dedos ficavam todos feridos entra mês sai mês. Lembro
que a nossa ultima briga eu estava com dezessete anos. Foi uma briga gostosa.
Durou quase hora e meia. Sentamos os dois embaixo de uma aroeira próximo ao
curtume do Seu Chico Nonato. Ele me olhava e eu para ele. Meu corpo doía,
braços esfolados, uma costela quebrada, nariz inchado. Ninguém falava nada.
Depois começamos a rir, a rir sem parar.
O tempo passou. Acho que uns dez anos.
Viajava em um trem da Leopoldina de Caratinga para Ponte Nova. Ia para Barra
longa a convite de um Grupo Escoteiro que estava começando. Cochilava quando
parou em uma estação. Lá fora centenas de soldados armados correndo para todo
lado. Ouvi um grito alto: - Zé Neguinho! Sei que está aí neste vagão. Desça com
as mãos para cima. O trem está cercado de policia! Olhei de lado. Era ele.
Cresceu, ficou forte, muito forte, o cabelo grande sempre amarrado em um rabo
de cavalo. Ele me viu. Deu uma gargalhada – Vado Escoteiro? O Valente da
porrada? É você? Era chamado por ele assim. Levantei e dei nele um abraço. O
Delegado gritou de novo – Vamos evitar passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele
gritou – Me dá dez minutos delegado e vou descer sem reagir, eu prometo. Ao meu
lado um senhor de idade. – Suma! Ele disse e sentou comigo. Ficamos estes dez
minutos lembrando o passado. Nunca na vida contei “causos” do passado sob a
mira de fuzis. Lembra-se da descida do Bairro do Pastoril? Eu lembrava. Uma
turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um pau na mão. Desceu a burduna
na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu posso dar porrada nele! Ele se
levantou e me deu um abraço, apertado. Chegou a doer. Vi que seus olhos
encheram-se de lágrimas. – Adeus meu amigo. Acho que nunca mais vamos nos ver! Desceu
do trem e vi dezenas de policiais apontando armas para ele. Na plataforma me
deu um último adeus!
Não fiquei sabendo dos seus crimes ou
roubos. Não havia jornal na minha cidade para informar. Mas Zé Neguinho me
marcou muito. Não foi escoteiro. Deveria ter sido. Nunca o esqueci. De vez em
quando procuro aqui na internet se vejo alguma noticia dele. Deve ter morrido. Se
fosse hoje poderia ter descido e conversado com o Delegado. Quem sabe poderia
ter ajudado. Não o fiz. O destino não se mede pelas ações, mas sim pelo que se
fez ou faz. Espero que ele tenha conhecido a felicidade. Seu sorriso sempre foi
contagiante e dizem que quem sabe dar um lindo sorriso é feliz.
Boa noite meus amigos, durmam bem.
Amanhã domingo aproveitem mais um dia em suas vidas. Sempre Alerta e boa
caçada!
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