Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Zé Neguinho, muitas histórias para contar.


Lembranças da meia noite.
Zé Neguinho, muitas histórias para contar.

Nunca esqueci o Zé Neguinho. Olhe ele não era negro. Moreno claro e usava um cabelo comprido. Gostava de usá-lo com um rabo de cavalo. Eu ia fazer sete anos quando o vi pela primeira vez. Jogava bolinha de gude em frente a minha casa do outro lado da linha da estrada de ferro. Ele chegou e passou as mãos em todas as bolinhas. Acho que ele era um ano mais que eu e bem mais forte. Todos olharam para ele e dois meninos choravam. Eu não. Exigi minhas bolinhas. Ele riu. Dei nele um pescoção e recebi outro. Cai feito bolacha e ele saiu correndo levando mais de 20 bolinhas.

Nonato com seus doze anos me disse - Vado se quiser defender dele, entre para os Escoteiros. Lá ninguém se mete com a escoteirada. Logo entrei para os lobinhos. Ele parou de me perseguir. Os anos foram passando eu crescendo e ele também. As brigas voltaram. Motivo? Não sei. Ele me desafiou um dia no campinho do Nonô Cabrita. - Sem os Escoteiros ele disse – Aceitei. Ninguém sabia das nossas brigas. Demoravam horas e cansados, muitas escoriações e sangue no nariz cada um ia para sua casa.  Dificilmente passávamos uma semana sem uma briga. Eu e ele nunca pedimos ajuda. Nossas brigas sempre eram fora da cidade ou no campinho. Não havia aglomerações. Nunca usamos paus, pedras facas nada. Só no soco e tapa. Meus dedos ficavam todos feridos entra mês sai mês. Lembro que a nossa ultima briga eu estava com dezessete anos. Foi uma briga gostosa. Durou quase hora e meia. Sentamos os dois embaixo de uma aroeira próximo ao curtume do Seu Chico Nonato. Ele me olhava e eu para ele. Meu corpo doía, braços esfolados, uma costela quebrada, nariz inchado. Ninguém falava nada. Depois começamos a rir, a rir sem parar.

O tempo passou. Acho que uns dez anos. Viajava em um trem da Leopoldina de Caratinga para Ponte Nova. Ia para Barra longa a convite de um Grupo Escoteiro que estava começando. Cochilava quando parou em uma estação. Lá fora centenas de soldados armados correndo para todo lado. Ouvi um grito alto: - Zé Neguinho! Sei que está aí neste vagão. Desça com as mãos para cima. O trem está cercado de policia! Olhei de lado. Era ele. Cresceu, ficou forte, muito forte, o cabelo grande sempre amarrado em um rabo de cavalo. Ele me viu. Deu uma gargalhada – Vado Escoteiro? O Valente da porrada? É você? Era chamado por ele assim. Levantei e dei nele um abraço. O Delegado gritou de novo – Vamos evitar passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele gritou – Me dá dez minutos delegado e vou descer sem reagir, eu prometo. Ao meu lado um senhor de idade. – Suma! Ele disse e sentou comigo. Ficamos estes dez minutos lembrando o passado. Nunca na vida contei “causos” do passado sob a mira de fuzis. Lembra-se da descida do Bairro do Pastoril? Eu lembrava. Uma turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um pau na mão. Desceu a burduna na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu posso dar porrada nele! Ele se levantou e me deu um abraço, apertado. Chegou a doer. Vi que seus olhos encheram-se de lágrimas. – Adeus meu amigo. Acho que nunca mais vamos nos ver! Desceu do trem e vi dezenas de policiais apontando armas para ele. Na plataforma me deu um último adeus!

Não fiquei sabendo dos seus crimes ou roubos. Não havia jornal na minha cidade para informar. Mas Zé Neguinho me marcou muito. Não foi escoteiro. Deveria ter sido. Nunca o esqueci. De vez em quando procuro aqui na internet se vejo alguma noticia dele. Deve ter morrido. Se fosse hoje poderia ter descido e conversado com o Delegado. Quem sabe poderia ter ajudado. Não o fiz. O destino não se mede pelas ações, mas sim pelo que se fez ou faz. Espero que ele tenha conhecido a felicidade. Seu sorriso sempre foi contagiante e dizem que quem sabe dar um lindo sorriso é feliz.


Boa noite meus amigos, durmam bem. Amanhã domingo aproveitem mais um dia em suas vidas. Sempre Alerta e boa caçada!       

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