Lembrança
da meia noite.
Uma
lobinha no Vale das Flores Cinzentas.
Sempre o dia de reunião
era dia de sorriso. Quando entrou sonhava com os sábados. Dona Florência sempre
a inquiria: Tininha! Volte para seu mundo! Estamos na sala de aula! – Tininha
se transportava. Não importa onde estivesse. Via-se na Bandeira, no Grande
Uivo. E sempre sonhando em ser chamada para hastear ou harrear a Bandeira. Ela
tremia de alegria. Seu coraçãozinho batia mais forte. Mas precisava voltar para
a escola. Seu espírito vinha correndo, pois quando Dona Florência dizia era
melhor tomar cuidado. Tininha sentia no ar o perfume das flores. Sempre se
imaginava em uma colina cheia de flores coloridas a correr junto com o vento. Seu
rosto sempre desabrochando um sorriso. Na Alcatéia não era diferente. A Akelá
Norminha, o Balu Gilberto e a Baguira Francisca para ela era um sonho que virou
realidade. Nas reuniões ela vibrava. Cantava, sorria, pulava. E os amigos? Não
eram amigos, eram irmãos lobos, pois não foi assim quem disse Kaá? – Somos do
mesmo sangue tu e eu?
Mas um dia notaram um
rosto sério, não havia mais sorriso, a alegria de Tininha desapareceu. Era como
se seu lindo jardim cheio de flores coloridas tivessem todas elas se tornadas
cinzentas. Esta era uma vantagem dos chefes da Alcatéia. Eles conheciam seus
lobos um por um. Nunca quiseram ter uma grande Alcatéia. Mesmo assim eram
dezoito. Oito meninas e dez meninos. A alegria de participar era tão grande que
dificilmente alguém saia e faltar então? Os pais vinham até a sede para pedir
aos chefes ajudarem, pois precisavam fazer uma viagem ou então umas férias e
eles não queriam de forma alguma abandonar as reuniões, as excursões e os
acantonamentos. O que tinha acontecido
com Tininha? Esperaram duas reuniões para investigar. A Baguira conversou com
Tininha. Ela abaixava os olhos e não dizia nada. Só dizia que iria sair dos
lobinhos.
Tentaram tudo para saber
dela o que aconteceu. O que a fez mudar. A Baguira Francisca que morava mais
perto da casa dela ficou encarregada de ir lá. Estava passando da hora. Uma
função de chefes escoteiros e eles não podiam fugir. Tinham de saber o que
estava havendo. Dona Helena, mãe de Tininha não foi muito educada no telefone.
Alegou falta de tempo. Mesmo assim a Baguira Francisca insistiu. – Tininha não
tem nada – respondeu. Ela anda meio triste e taciturna, mas vai ser por pouco
tempo. – Toda criança é assim. Não havendo abertura na mãe a Baguira Francisca
ligou para o Senhor Wantuil seu pai. Ele foi mais simpático. – Olhe deve ser
por que eu e a Helena vamos nos divorciar. Infelizmente não temos mais condição
de ficar juntos. – Pronto. Alí estava o motivo do procedimento de Tininha.
A Baguira Francisca
sabia. Tinha sofrido na própria pele tal tipo de situação. Ainda estava
sofrendo. Seu marido a deixou por outra. Não brigou, não gritou. Dizia para sí
própria que tinha de levar sua vida sem ficar se lamentando. Era difícil, mas a
vida era dela e de seu filho agora escoteiro. Ela sabia que as crianças são as
mais vulneráveis nestas situações. Nunca entendem as situações mais complexas e
ficam confusas perante o que acontece na família. Emocionalmente a consciência
desabrocha e tendem a culpar-se pela ruptura familiar. Ela sabia que Tininha
pensava que se tivesse se portado bem, o seu pai não teria saído de casa. A
Baguira Francisca sabia que nem todas as crianças reagiam assim. Mas este devia
ser o caso de Tininha.
Conversou longas horas
com a Akelá Norminha e o Balu Gilberto. Interferir, dizer para Tininha que o
mundo era assim, que ela precisa aceitar a separação, que seu pai e sua mãe a
amavam e outras explicações do gênero ficaram em duvida. O melhor era deixar o
tempo passar. Não podiam de maneira alguma entrar no problema da família. Não
deviam nunca. O pai e a mãe dela eram adultos, sabiam o que iriam fazer. Muitos
parentes e amigos já devem ter interferido e nada se resolveu. Sabiam que o
escotismo é uma maneira de colaborar com os pais e não os substituir. O melhor
era tentar levar Tininha de novo para o Jardim das flores coloridas. Esta era a
visão dela e esta visão tinha de voltar.
Aos poucos o sorriso
voltou nos lábios de Tininha. Aos poucos ela começou a sorrir e a ser aquela
Tininha de sempre. O Balu Gilberto disse que tinha visto ela com o pai em um
parque de diversões e ela gritava de alegria nos brinquedos. A separação houve.
Cada um sofreu muito, mas o tempo cura feridas. No dia que Tininha recebeu o
Cruzeiro do Sul só sua mãe compareceu. Mas quando ela passou para as escoteiras
seu pai estava lá. A vida continuou. Tininha cresceu. Soube mudar quando
preciso. Os chefes souberam agir. Sabiam que não poderiam nunca ser pai e mãe
de lobos. Não era a função deles. Isto é que fez da Alcatéia uma família feliz.
Todos os lobos se respeitavam, pois seus chefes eram mais que chefes, eram seus
irmãos e amigos por todas as horas.
Nem sempre todas as
situações são assim. Tem aquelas que não se muda a trilha que foi determinada
pelo destino. Mas não podemos pensar em termo de desânimo em tudo. Como dizia
Day Anne, planto flores no caminho, para que não me falte borboletas. Foram
elas que me ensinaram que o casulo não é o fim. É o começo!
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