Conversa ao pé do fogo.
Meu primeiro curso Escoteiro foi inesquecível!
Curso é curso, o primeiro ninguém esquece. O meu primeiro foi Inesquecível!
Corria o ano de 1959, sênior com quase dezoito anos fui intimado pelo Chefe
João Soldado a ir fazer um curso na capital. Os demais chefes do grupo não
podiam ou não se interessaram. Desculpem era outra época. – Porque não? Pensei.
A Região se prontificava a pagar a passagem e a taxa do curso. Bom isto não?
Hoje se você não paga não faz. Época boa àquela que não volta mais. Preparei-me
com esmero. Eu não tinha a mínima ideia de como seria o curso. Pensei que seria
uma competição de técnicas Escoteiras para ver quem poderia ser um Chefe. Não
perdi tempo, renovei meus conhecimentos em nós e amarras sem esquecer as cinco
costuras de arremate que arrematava com precisão. Nós eu tirava de letra. Fazia
de todo jeito mais de 40 incluindo aí os de marinheiros. Fiquei dias praticando
semáforas, Morse, orientação, leitura de mapas, cálculos diversos como altura e
distância. Eu era bom nisto e em passo duplo sem contar o passo Escoteiro.
Sabia a lei e a promessa de cor e salteado. Um perito em primeiros
socorros e fazia com maestria todo tipo de tipoia, atadura, sem contar o uso da
medicina natural e alternativa. Armava uma barraca com uma só mão, de olhos
fechados e era bamba em armar a de duas lonas em poucos minutos. Acreditem se
quiserem. O facão afiava com perfeição. Era exímio no uso do machado do
lenhador e no Traçador. Fazia com perfeição uma tala ou torniquete, Sinais de
pista eu ria dos que estavam nos manuais. Reconhecia boa parte dos habitantes
da floresta só em ver suas pegadas. Na cozinha não era um mestre, mas quebrava
o galho num café sem coador, num arroz sem panela, num cozido de peixe e um frango
no barro. Revisei tudo. Tintim por tintim. Esses chefes da cidade grande e
estes comissários iriam conhecer um Escoteiro de corpo e alma. Embarquei numa
terça às sete da noite no noturno da Vitória Minas. De uniforme é claro. Meu
uniforme estava nos trinques. Sapato engraxado (meu Vulcabrás de guerra),
fivela do cinto brilhando, meu chapéu tinindo, meu lenço de fazer inveja.
Fiz questão de colocar tudo que ganhei na camisa escoteira. Cruzeiro do
Sul, Segunda Classe, Primeira Classe, trinta e cinco especialidades, Correia de
Mateiro, Cordão Dourado, as duas tiras de Monitor no bolso esquerdo e meu
distintivo da Patrulha Lobo. Minha faca estava nos trinques devidamente
protegida com pó de arroz. Meu cantil francês limpo e meu cabo trançado para emergência
estava preso ao cinto do lado esquerdo. Fiz questão de colocar todas minhas
estrelas de atividade. Só usava as de um ano. Eram dez. Quatro de lobinho,
quatro de Escoteiro e duas de sênior. Vocês devem estar se perguntando, mas
pode com dezessete anos e meio fazer curso? Se pode ou não eu não sabia. Meu
Chefe me mandou e como bom Escoteiro disciplinado lá fui eu. Cheguei a capital
no horário marcado. A pé e orgulhoso do meu uniforme e Chapelão desfilei da
estação até a Av. Afonso Pena com minha mochila e sorrindo para todo mundo. Próximo
ao Parque Municipal peguei o ônibus para o Zoológico. Às onze e meia cheguei ao
portão do Zoológico. Uma seta indicava o ponto de reunião. Seta mal feita
pensei eu. Eu faria melhor!
Não mais que dois quilômetros seguindo uma pista ridícula cheguei. Uns
vinte e cinco alunos em uma sombra conversavam. Tinha Escoteiro do ar e do mar
de diversos estados. – Pensei comigo: - Vou mostrar a eles como se dá um sempre
alerta mineiro: - Todos me olharam espantados e na melhor pose de um soldado
inglês, juntei os cascos, fiz a saudação e gritei alto: Sempre Alerta! A
maioria começou a rir. – Palhaços, eu pensei, não sabem o que é um Escoteiro de
coração. Sentei em um canto, minha mochila verde da Policia Militar com meus
trecos e a manta negra cheia de distintivos em volta serviram para um cochilo.
Tirei o cantil na melhor pose e bebi uma talagada d’água. Ninguém me pediu um
“golinho”. Às doze horas em ponto ouvi um berro de um berrante. Não era
berrante e depois fui saber que era o Chifre do Kudu. Putz! Que nome. Se
falasse isto para os seniores iriam dizer que era um palavrão.
Formamos
uma ferradura. Bandeira em saudação e oração. A equipe posta na frente se
apresentou – Chefe Francisco Floriano de Paula, Chefe Darcy Malta e Chefe JF
(João Francisco de Abreu). Sabia que seriam seis dias ali acampados. (naquela
época nos cursos existia uma patrulha de serviço de meninos Escoteiros para
ajudar a equipe). Cada um deu um passo à
frente e se apresentou. Quando chegou a minha vez, na melhor pose militar
desfiei meu nome, onde nasci minha idade, meu tempo de escotismo, minha cidade
e o JF fez sinal para eu parar. Explicações como seria o curso. Sistema de
patrulhas em rodizio, responsabilidade e antes do debandar JF me chamou a
frente a todos. Para minha vergonha disse em poucas palavras que um Chefe não
usa distintivos pois isto era incentivo para os escoteiros. Só poderia usar meu
lenço, meu distintivo de promessa e mais nada. Me deu uma hora para tirar tudo!
Ia mandar ele a M... Mas pensei bem e não o fiz.
Quer saber? Dos muitos cursos que fiz este foi meu melhor. Nunca o
esqueci e tampouco os amigos que fiz lá. Tinha Capitão, Coronel, Professor, Juiz
de Direito, Dentistas as pencas. Hoje não lembro de ninguém a não ser o Az de
Ouro, (nome preservado) de Corinto. Aprendi muito com ele. Deixei minha soberba
de ser o melhor. Deixei minha índole de não levar desaforo para casa. Mas quer
saber o melhor do curso? Vocês não vão acreditar. Pela primeira vez deram para
a patrulha fazer fritados de Bacon. Uma delicia. Nunca comi e nunca ouvi falar!
Queria mais e o cozinheiro dizendo que acabou. No “Tempo Livre” chamei o Az de
Ouro. Perguntei se ele gostou. Ele disse sim. Gostamos tanto que resolvemos
pegar “emprestado” da intendência um “bom bocado”. Foi bom demais. O melhor era
correr todo o tempo para o “Miguel” e ali lembrar que “gulodice” não é bom para
escoteiros. Mas que foi bom foi. Quando contasse para a turma da tropa eles
iriam morrer de inveja.
Bem foi meu primeiro curso. Chamava CAB (Curso de adestramento básico
Escoteiro) caminho para a Insígnia de madeira. Na época seis dias. (minha
insígnia foram nove dias). Hoje? Mesmo preso em um alojamento, ou em barracas,
comida pronta ou quentinhas deve acontecer muitas delicias no curso. Quando
leio os nomes dos cursos de hoje me assusto, mas tenho certeza que os alunos
voltam dizendo maravilhas. Eu se pudesse iria fazer um curso como daqueles
tempos. Patrulhas, cozinha, pioneirías, correr pela mata de madrugada ao ouvir
o som do Chifre do Kudu (A tropa deu excelentes gargalhadas), cantar uma canção
nova dentro do lago, fazer um ninho de águia ou um caminho do Tarzan são coisas
que a gente não esquece. Quer saber? Valeu. E como valeu. Espero que você que
está lendo tenha boas lembranças como eu tenho. São coisas de velhos escoteiros
que ainda acham que sua época foi a melhor. Qual época? Hoje a minha, amanhã
vai ser a sua!
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