Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

domingo, 20 de setembro de 2015

A mesa de campo do cozinheiro Fumanchu.



Conversa ao pé do fogo.
A mesa de campo do cozinheiro Fumanchu.

                    Acordei hoje pensando nela. Minha mesa a primeira pioneiria que fiz na Patrulha Lobo. Já tinha ajudado ao Akelá a fazer uma, mas só dei alguns nós e uma amarra. Uma época que lobos ainda viviam na Jangal e em matilhas sempre juntas. Mas vamos a minha mesa. Tinha um mês que tinha passado para a Tropa de Escoteiros. Patrulha Lobo com muito orgulho. Romildo o monitor sempre com um sorriso e me recebeu com um abraço que nunca mais esqueci. Vai e vem na patrulha chegou o dia do acampamento. Pedi ao monitor para fazer a mesa do cozinheiro. Iria fazer uma mesa mais comprida, onde além do fogão de barro tivesse espaço para colocar o vasilhame e os condimentos necessários para uma refeição das boas, pois Fumanchu foi o maior cozinheiro Escoteiro que conheci. Iria surpreendê-lo, até imaginava seu sorriso com tanto espaço para viajar nas suas cozinhanças.

                      Queria mostrar para a Patrulha Lobo que não era mais um pata-tenra. Planejei os mínimos detalhes. Nada ia falhar. Eu já tinha bons conhecimentos de cipós e sabia qual ia usar. Nós e amarras não eram mais segredo. Costuras de arremate também. Naquela época sisal era um artigo de luxo e ainda não existia. Pedi ao Chefe para não ir com o uniforme de lobo. Dava má impressão à patrulha e não queria ser visto como um Lobinho e sim um Escoteiro aventureiro e forte que não tinha medo de nada. Mamãe já tinha feito meu uniforme caqui. Calça curta com muito orgulho. Mas ele não deixou. Romildo ficou em dúvida com meu pedido, mas acreditou em minha palavra e me deu liberdade para fazer a mesa. Ainda perguntou se eu queria ajuda do Construtor de Pioneirías, mas agradeci. Iria fazer sozinho. Iria mostrar minha raça oriunda da Jângal onde nasceram os lobos de Seeonee. Minha cabeça fervilhava. Quantos paus? Quantas varas? Quantos metros de cipó? Só usar barro ou entre eles achas de lenha verde? Chegou o grande dia. Partimos rumo ao Sítio do Roncador, um local conhecido onde sempre acampávamos nos fins de semana. Perto, menos de cinco quilômetros.

                     Adorei empurrar a carretinha com nossas tralhas. Eu sorria e cantava ao mesmo tempo. Sabia que seria um acampamento de patrulha, cada uma com seu campo. Diferente dos lobos onde as barracas eram alinhadas ou em círculo. Sabia que iriamos ter a liberdade de fazer fazendo, que não haveria chefes a nos empurrar. O monitor era meu guia e nas dificuldades era com ele que devia me entender. O local era lindo, próximo ao Ribeirão do Tatu, não muito largo, mas com águas cristalinas. Seria uma delicia um banho gostoso ao entardecer. Ajudei a armar minha barraca. Duas lonas, dez minutos? Não mais que isto para ela ficar de pé. Mamãe fez para mim um colchão, ou melhor, emendou dois sacos para que no campo enchêssemos de palhas ou folhas secas. Quantas vezes dormi sobre um deles. Centenas. Perdi a conta nestes anos que passaram.

                      Romildo o monitor piscou o olho para mim. Mãos a obra Vado. Precisamos do fogão para poder almoçar. Eram oito e meia da manhã. Tínhamos saído da sede às cinco e meia. Procurei o Almoxarife. Peguei uma boa machadinha e um facão afiado. Ele era bamba na manutenção da intendência de sua responsabilidade. Parti até uma mata linda e verdejante. Lá tinha árvores de todo tamanho. Escolhi uma que parecia um Jacarandá. Não tinha certeza. – Madeira! E lá foi a primeira. A segunda foi demais, já cansado de tanto cortar e olhe escolhi arvores finas, menos de quatro polegadas de diâmetro, mas retas. Levei as duas até o local escolhido. Quem escolheu foi o Fumanchu. Queria uma sombra perto para quando viesse o sol forte e as brasas esquentasse ele pudesse respirar.
                   
                                  Meio dia e meio. Ainda furava as valas. A madeira já tinha sido cortada. Eu estava em pandarecos. Romildo educadamente ria e não deixou ninguém me ajudar. – Foi escolha dele, disse. Jota Ávila o sub. riu. – Não vai aguentar mais meia hora. Os cipós não foram difíceis, tinha muito na mata. Fiquei os quatro paus que serviram como base. Sorria com as mãos cheia de calos. Que se dane pensava. Não podia voltar atrás. Às duas da tarde a mesa ficou pronta. Fumanchu fez um fogão tropeiro para adiantar o almoço. Parei para almoçar. Arroz, linguiça frita e farofa. Que fome! Comi feito um cavalo. As quatro a mesa estava pronta com o fogão. Ah! Se fosse hoje, iria tirar uma bela foto. Todos vieram me cumprimentar. Eu sorria de orgulho. Minha mesa tinha ficado linda. O fogão era demais. Começou a ventar. A mesa a balançar. Uma rajada maior e ela a mesa foi ao chão.

                                    Não acreditava no que via. Tanto carinho tanto trabalho e ei-la ali inerte sem serventia para nada. Ninguem riu. Patrulha Lobo danada. Gente fina. Sabe que um erro não é motivo para chacotas. Juventino me chamou – Vado, você cavou só uns dez centímetros. Ela nunca ficaria no prumo. Na próxima cave quarenta centímetros. Vivendo e aprendendo. Era assim que vivíamos em patrulha. Aprender a fazer fazendo. Romildo me perguntou se eu aceitaria que todos ajudassem para refazer a mesa e o fogão. Claro que sim. Mãos a obra. Duas horas depois ela estava firme e arretada a servir aos bravos escoteiros e ao bravo cozinheiro Fumanchu da Patrulha lobo. Eu vivi com eles até passar para os seniores. Patrulha Touro. Ainda não havia a escolha de nomes históricos ou outros que pudessem ser escolhidos.


                                   Quantos acampamentos eu fiz? Quantas pioneirías? Centenas e centenas. Dizem que hoje tudo é simples, as fotos pipocam para todo lado. Eu só fui ter uma pequena máquina fotográfica aos quinze anos. Filme para ela caro. Revelar mais caro ainda. Mas tive uma experiência incrível com os Lobos. Não só como Lobinho, mas como patrulheiro de uma patrulha onde nos consideramos irmãos. Fiz muitas mesas depois, eu mesmo para provar que era perfeita pulava em cima dela. Se continuasse firme e não caísse então estava no ponto. Dizem que pioneirías e mesas mal feitas são como os distintivos de especialidades que o Escoteiro não aprendeu direito. Pregadas com “cuspe”. Ninguem queria esta pecha. Orgulhávamo-nos em fazer bem feito. Foi bom enquanto durou. Depois veio o martírio. Fui ser Chefe! Deus meu! Que castigo. Mas tentei ao meu modo passar a juventude que conheci o mesmo que aprendi. Se fizerem assim ótimo, se não terão oportunidade novamente para aprender.  

Nenhum comentário: