Conversa ao pé do fogo.
A mesa de campo do cozinheiro Fumanchu.
Acordei hoje
pensando nela. Minha mesa a primeira pioneiria que fiz na Patrulha Lobo. Já
tinha ajudado ao Akelá a fazer uma, mas só dei alguns nós e uma amarra. Uma
época que lobos ainda viviam na Jangal e em matilhas sempre juntas. Mas vamos a
minha mesa. Tinha um mês que tinha passado para a Tropa de Escoteiros. Patrulha
Lobo com muito orgulho. Romildo o monitor sempre com um sorriso e me recebeu
com um abraço que nunca mais esqueci. Vai e vem na patrulha chegou o dia do
acampamento. Pedi ao monitor para fazer a mesa do cozinheiro. Iria fazer uma
mesa mais comprida, onde além do fogão de barro tivesse espaço para colocar o
vasilhame e os condimentos necessários para uma refeição das boas, pois
Fumanchu foi o maior cozinheiro Escoteiro que conheci. Iria surpreendê-lo, até
imaginava seu sorriso com tanto espaço para viajar nas suas cozinhanças.
Queria
mostrar para a Patrulha Lobo que não era mais um pata-tenra. Planejei os
mínimos detalhes. Nada ia falhar. Eu já tinha bons conhecimentos de cipós e
sabia qual ia usar. Nós e amarras não eram mais segredo. Costuras de arremate
também. Naquela época sisal era um artigo de luxo e ainda não existia. Pedi ao
Chefe para não ir com o uniforme de lobo. Dava má impressão à patrulha e não
queria ser visto como um Lobinho e sim um Escoteiro aventureiro e forte que não
tinha medo de nada. Mamãe já tinha feito meu uniforme caqui. Calça curta com
muito orgulho. Mas ele não deixou. Romildo ficou em dúvida com meu pedido, mas
acreditou em minha palavra e me deu liberdade para fazer a mesa. Ainda
perguntou se eu queria ajuda do Construtor de Pioneirías, mas agradeci. Iria
fazer sozinho. Iria mostrar minha raça oriunda da Jângal onde nasceram os lobos
de Seeonee. Minha cabeça fervilhava. Quantos paus? Quantas varas? Quantos
metros de cipó? Só usar barro ou entre eles achas de lenha verde? Chegou o
grande dia. Partimos rumo ao Sítio do Roncador, um local conhecido onde sempre
acampávamos nos fins de semana. Perto, menos de cinco quilômetros.
Adorei
empurrar a carretinha com nossas tralhas. Eu sorria e cantava ao mesmo tempo.
Sabia que seria um acampamento de patrulha, cada uma com seu campo. Diferente
dos lobos onde as barracas eram alinhadas ou em círculo. Sabia que iriamos ter
a liberdade de fazer fazendo, que não haveria chefes a nos empurrar. O monitor
era meu guia e nas dificuldades era com ele que devia me entender. O local era
lindo, próximo ao Ribeirão do Tatu, não muito largo, mas com águas cristalinas.
Seria uma delicia um banho gostoso ao entardecer. Ajudei a armar minha barraca.
Duas lonas, dez minutos? Não mais que isto para ela ficar de pé. Mamãe fez para
mim um colchão, ou melhor, emendou dois sacos para que no campo enchêssemos de
palhas ou folhas secas. Quantas vezes dormi sobre um deles. Centenas. Perdi a
conta nestes anos que passaram.
Romildo o
monitor piscou o olho para mim. Mãos a obra Vado. Precisamos do fogão para
poder almoçar. Eram oito e meia da manhã. Tínhamos saído da sede às cinco e
meia. Procurei o Almoxarife. Peguei uma boa machadinha e um facão afiado. Ele
era bamba na manutenção da intendência de sua responsabilidade. Parti até uma
mata linda e verdejante. Lá tinha árvores de todo tamanho. Escolhi uma que
parecia um Jacarandá. Não tinha certeza. – Madeira! E lá foi a primeira. A
segunda foi demais, já cansado de tanto cortar e olhe escolhi arvores finas,
menos de quatro polegadas de diâmetro, mas retas. Levei as duas até o local
escolhido. Quem escolheu foi o Fumanchu. Queria uma sombra perto para quando
viesse o sol forte e as brasas esquentasse ele pudesse respirar.
Meio dia e meio. Ainda furava as valas. A madeira já tinha sido cortada.
Eu estava em pandarecos. Romildo educadamente ria e não deixou ninguém me
ajudar. – Foi escolha dele, disse. Jota Ávila o sub. riu. – Não vai aguentar
mais meia hora. Os cipós não foram difíceis, tinha muito na mata. Fiquei os
quatro paus que serviram como base. Sorria com as mãos cheia de calos. Que se
dane pensava. Não podia voltar atrás. Às duas da tarde a mesa ficou pronta.
Fumanchu fez um fogão tropeiro para adiantar o almoço. Parei para almoçar.
Arroz, linguiça frita e farofa. Que fome! Comi feito um cavalo. As quatro a
mesa estava pronta com o fogão. Ah! Se fosse hoje, iria tirar uma bela foto.
Todos vieram me cumprimentar. Eu sorria de orgulho. Minha mesa tinha ficado
linda. O fogão era demais. Começou a ventar. A mesa a balançar. Uma rajada
maior e ela a mesa foi ao chão.
Não acreditava no que via. Tanto carinho tanto trabalho e ei-la ali
inerte sem serventia para nada. Ninguem riu. Patrulha Lobo danada. Gente fina.
Sabe que um erro não é motivo para chacotas. Juventino me chamou – Vado, você
cavou só uns dez centímetros. Ela nunca ficaria no prumo. Na próxima cave
quarenta centímetros. Vivendo e aprendendo. Era assim que vivíamos em patrulha.
Aprender a fazer fazendo. Romildo me perguntou se eu aceitaria que todos
ajudassem para refazer a mesa e o fogão. Claro que sim. Mãos a obra. Duas horas
depois ela estava firme e arretada a servir aos bravos escoteiros e ao bravo
cozinheiro Fumanchu da Patrulha lobo. Eu vivi com eles até passar para os
seniores. Patrulha Touro. Ainda não havia a escolha de nomes históricos ou
outros que pudessem ser escolhidos.
Quantos acampamentos eu fiz? Quantas pioneirías? Centenas e centenas.
Dizem que hoje tudo é simples, as fotos pipocam para todo lado. Eu só fui ter
uma pequena máquina fotográfica aos quinze anos. Filme para ela caro. Revelar
mais caro ainda. Mas tive uma experiência incrível com os Lobos. Não só como
Lobinho, mas como patrulheiro de uma patrulha onde nos consideramos irmãos. Fiz
muitas mesas depois, eu mesmo para provar que era perfeita pulava em cima dela.
Se continuasse firme e não caísse então estava no ponto. Dizem que pioneirías e
mesas mal feitas são como os distintivos de especialidades que o Escoteiro não
aprendeu direito. Pregadas com “cuspe”. Ninguem queria esta pecha.
Orgulhávamo-nos em fazer bem feito. Foi bom enquanto durou. Depois veio o
martírio. Fui ser Chefe! Deus meu! Que castigo. Mas tentei ao meu modo passar a
juventude que conheci o mesmo que aprendi. Se fizerem assim ótimo, se não terão
oportunidade novamente para aprender.
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