Conversa
ao pé do fogo.
Quebra
Coco. O último desafio!
Ainda bem que o tempo não
apagou estas lembranças incríveis. Não sei se hoje cantam nos fogos do conselho
o quebra coco. Não sei se tem bons repentistas que passam horas fazendo seus
desafios. Até alguns me disseram que hoje isto não existe mais, os tempos são
outros. Novas músicas. Novas canções e quem se anima a cantar as antigas? Sei
que tem muitos que nunca viram, nunca participaram e só sabem do quebra coco por
ouvir falar ou pela canção cantada pelo Trio Irakitan. Era bom demais e como
era gostoso desafiar alguém. E meu Deus! E quando se encontrava um bom
repentista? Pensar no que ele ia dizer tirar de improviso sua prosa? Não era
fácil. Eu mesmo posso dizer que tentei quando cresci manter a chama do Quebra
Coco nos Grupos Escoteiros que participei. Acho que não fui feliz. Os jovens
não se interessavam mais. Tudo foi mudando, novas ideias novos Fogos de
Conselho. Só se pensava em copiar os esquetes vistos na TV e os conjuntos de funk.
Quem diria que naquela época teríamos um animador de fogo? Nunca! Animador? Nem
pensar. Era tudo natural, improvisado na hora. Todos participantes eram
contadores de histórias e claro um pouco de animadores de fogo.
Para dizer a verdade acho que
foi quando fiz um ano de lobo que ouvi pela primeira vez o Quebra Coco.
Estávamos acampados na Vertente do Vale do Onça. Lobos acampando? Risos. Claro,
era comum. E porque não? Era mais divertido. 1948, ainda com meus sete anos. Lembro-me
do Miúdo (era nosso Balu, nunca fiquei sabendo seu nome real) e do Munir Boca
Grande (nossa Bagheera) a fazer os almoços e jantas e que manjar! Eles eram
bons e todos nós em volta ajudando, buscando água, lenha, cantando e contando “pataquadas”.
Bons tempos. Já tinha participado de dois Fogos de Conselho. Não sabia como era
o Quebra Coco. Foi o Bagueera Laudelino Pé de Chumbo quem explicou. Tratava-se
de um desafio entre escoteiros. A tropa antes do encerramento do Fogo de
Conselho fazia o desafio. No começo todos participavam, mas depois de algum
tempo ficavam dois ou três. Os demais não eram bons repentistas e se deixavam
de responder eram desqualificados.
Na tropa era minha diversão
favorita nos Fogos de Conselho. Não adiantava ficar treinando e invento versos
em casa. O desafio era claro, tinha de responder o perguntado. Lembro-me do
Paulo Salviano. Tinha uma facilidade grande em criar versos. Nada dos
conhecidos. Isto era para Patas Tenras. Poucos tinham a “audácia” de desafiá-lo.
Já começava cantando assim – “Meus amigos, escutem bem, hoje estou um pouco
rouco, mas é bom ficar sabendo, sou o campeão do Quebra Coco” e daí em diante
não parava mais. Mas tudo mudou, pois um dia quebraram seu orgulho de cantador.
Foi humilhado por um menino matuto, magro, olhos miúdos e cozinheiro da
Patrulha Coruja. Era de um Grupo Escoteiro em uma pequena cidade do fim do
mundo. Fomos acampar em Serra Vermelha com eles que vieram da cidade de Rio Grande
e foi um desastre. Todos da tropa deles perguntavam se nós tínhamos bons
“cantadores” do Quebra Coco. Apontaram-no e ele ficava todo orgulhoso. Não
falaram nada do Mandinho para ele. Um Escoteiro magrelo, desengonçado e achei
até que ele era gago. Quando chegou a hora e ele em pé aceitou o desafio do
Paulo, sorri de leve. “Este estava no papo”.
Deus do céu! Onze horas, meia
noite e o danado lá aceitando todos os versos do Paulo e devolvendo em dobro! O
Chefe disse que quem quisesse podia ir para as barracas, mas ninguém arredou o
pé. Ficamos ali eletrizados com os dois repentistas. Minha cabeça fervilhava, torcendo
pelo Paulo dar uma sova naquele magrelo. Mais de quatro horas e o danado do
Mandinho ali com um sorriso simples, sem afetação dando uma lição no Paulo e o
colocando no chinelo! – Vi que chegou uma hora que ele entregou os pontos. Foi
lá do outro lado da fogueira cumprimentá-lo. Parabéns Mandinho ele disse. Perdi
mas estou orgulhoso de você! Ele quase desistiu de ser um cantador de quebra
coco. Ainda bem que sempre teve em mente que ganhar é bom, mas saber perder é
uma arte. Isto sempre nosso Chefe Jessé dizia.
Os tempos foram mudando. Eu participei
de muitos Fogos de Conselho. O Quebra Coco se tornou saudades de um tempo que
já se foi. Outras canções trazidas pelos novos chefes, e ele, o meu amado
Quebra Coco ficou na história de um livro que não foi escrito. Nunca mais vi o
Paulo. Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá, Escoteiro Quebra Coco e
depois vai trabalhar! Até hoje eu me lembro dele e canto com boas lembranças.
Sei que a origem é nordestina. Deve ter começado com os repentes esses
maravilhosos cantadores que encantam até hoje os que apreciam a música
nordestina.
Tem canções antigas que ninguém esquece. Eu
hoje penso e faço minhas histórias nas lembranças boas que passei. Costumo sentar
na minha cadeira rústica e sempre vejo uma chusma de meninos jogando bola. Uma
rua íngreme. Poucos carros. Cada um se diverte como gosta. Cantava baixinho o
Quebra Coco. Saudades vem e vão. Aqui vou lembrando como posso dos meus tempos
de criança. Quebra Coco, O meu Chapéu tem Três Bicos, A Árvore da Montanha e
tantas outras. Onde está meu violão? Acho que as cordas arrebentaram. Preciso
comprar novas e ficar na minha varandinha a cantar. Fazer a melodia brotar de
novo pelo som do meu violão. Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá...
Estou
agora chegando, mesmo estando um pouco rouco,
Muito
cuidado comigo, sou campeão do quebra coco.
“Minha
mãe chamava Caca, e meu pai Caco Maria,
Juntando
caco com caco, eu sou filho da Cacacaria!
Quem
fica no Facebook, não é um doido varrido,
É
uma turma das boas, turma de muitos amigos.
Não
chorem na minha partida, hora de o Velho sumir.
A
hora passou no tempo desculpem, preciso dormir.
Boa
noite meus amigos e amigas. Agora vou dormir embalado pelas estrelas no céu e
sonhando que a vida voltou novamente no calor de um Fogo de Conselho! Durmam
com Deus!
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