Conversa
ao pé do fogo.
O
meu inesquecível chapéu Escoteiro.
Quanto tempo? Não
sei. Entrei em 1947 e ele já existia. Ops! Enganei-me, o conheci muito antes.
Acho que foi em 1945 e estava com cinco anos. Um Grupo Escoteiro passou desfilando
em frente a minha casa. Lindos, garbosos caqui e chapelão. Meu primeiro contato e sabia que era minha
primeira paixão. Rodei mundo com ele. Fui a lugares incríveis e ele ali firme.
Meu companheiro de jornadas e alegrias. Desfilei garboso por muitos anos com
ele em várias cidades do Brasil. Acordei um dia em um longínquo arraial chamado
Martelo em um campinho de futebol na minha barraca de duas lonas o sol
nascendo, um povaréu em volta. – Quem são eles? Escoteiros gritou um. Escoteiro
claro veja o uniforme e o chapéu. Na pequena igrejinha caída, as margens do Rio
das Velhas, quase confluência com o Velho Chico (Rio São Francisco) eu estava
lá com mais quatro seniores admirando a enorme árvore que nascera dentro dela.
Diziam que ali aconteceram belas histórias. Soube de algumas. Um dia vou contar
aqui. Aquela do Jagunço Normandia que ficou ali encurralado pela volante e saiu
atirando até no vento acho que já contei. Mas dava para ver um desenho feito a
mão de um chapéu Escoteiro e um lenço.
Ele sempre foi famoso no
Brasil inteiro. Criou raízes de norte a sul e de leste a oeste. Demorou mas se
tornou um hábito de comportamento e conhecido entre os Escoteiros. Firmou
presença em muitos lares e na mente dos brasileiros. São histórias e histórias
para contar. Lembro-me de algumas famosas que digitei em meu chip cerebral para
não se perder com o vento que leva nossas saudades e não as trás de volta. Eu e
meus companheiros descíamos de Jangada o rio Paraopeba lá pelos idos de 1957/8
não lembro bem. Éramos quatro. Vimos uma enorme fazenda e resolvemos parar.
Quem sabe iriamos filar um jantar daqueles gostosos? Isto sempre aconteceu nas
fazendas onde estivemos. Apoitamos, descemos e fomos cercados por quatro
jagunços armados e levados até a varanda da fazenda a espera das ordens do
Coronel. Nome dele? Não lembro. Ele saiu nos olhou, deu uma bela risada e nos
abraçou. – Cambadas! Eles são Escoteiros! Veja o uniforme e o chapéu! Ficou em
posição de sentido e gritou alto: - Sempre Alerta! Um lauto jantar e camas para
dormir e graças a quem?
É. Causos e
causos para contar. Ele fez história. Todos o conheciam. Em Malacacheta cidade
perigosa onde os matadores faziam fila para mandar alguém para o outro mundo,
chegamos inocentes sem saber que ali o clima não era amistoso. A cidade era
dominada por grandes empresários que exploravam a Mica (a mica tem alta
resistência dielétrica e excelente estabilidade química. Muito usada na época
para capacitores, placas de circuito eletrônico etc. Servia e serve também como
isolante em equipamentos de alta-voltagem). Já era tardezinha. Quem sabe um
campinho de futebol para pernoitar? Na pracinha alguns mal encarados começaram
a gritar: - Polícia de Captura! Polícia de Captura! Não entendíamos nada. Um
bigodudo com enormes barbas vermelhas veio correndo. “Suas bestas” são
Escoteiros, não estão vendo o uniforme e o chapéu?
Mas confesso que fui
muito paquerado e bem recebido por gente grande. Graças a ele conheci a melhor
mulher do mundo. Minha esposa Celia. Conheci também Quatro governadores, dois
ministros, secretários estaduais aos montes, vários prefeitos e quando na
década de sessenta o Senhor Jânio Quadros candidato a Presidente do Brasil fazia
um comício em plena praça da minha cidade, me viu de uniforme (voltava da sede)
e gritou – Ei Escoteiro! Faço questão que fique ao meu lado aqui no palanque! E
agora José? Fazer o que? Risos. Fiquei apaixonado pelo “cara” e depois me
decepcionou. Éramos conhecidos mesmo. Éramos não, somos conhecidos até hoje. Se
você duvida embrenhe por matas e cidades perdidas no sertão brasileiro ou mesmo
em belas capitais e veja o que seu caqui vai mostrar. Olhe! Eles são
Escoteiros! Um costume que criou raízes. Não tirávamos o uniforme para nada em
atividade escoteira. Sempre foi nosso salvo conduto. Já contei aqui o susto que
demos no exército brasileiro as margens do Rio Doce. Soltamos uma enorme
abobora rio abaixo, toda recortada como se fosse uma feiticeira dentuça, com
velas acesas e muitas folhas verdes para produzir fumaça e quando ela passou
pelo acampamento do Tiro de Guerra nunca se viu tanto tiro. A soldadesca
gritava de medo que era o capeta, o demônio, o belzebu e o diabo. Fomos vistos.
Estávamos de caqui e chapelão. Na semana seguinte O Capitão Martinho em pessoa
no Grupo. Formados em linha ele passou a revista. – Então são vocês? Seis
merdinhas escoteiros que botaram o exército brasileiro para correr?
Causos e causos. O
tempo foi passando. Alguns que não viveram este passado começavam a aparecer. Queriam
criar um novo uniforme. Uma meia dúzia entre dezenas de milhares sentiam
vergonha da Calça Curta. Sempre aqueles afoitos que acham que o moderno
substitui o tradicional. Surgiu o cinza azul mescla, depois o traje e não
satisfeitos criaram agora e para ficar a tal da vestimenta. Sem criticas. Minha
época de aventuras se foi. Este orgulho que ainda tenho dele sei que será por
pouco tempo. Juram por tudo que é sagrado que ele vai conviver com a
vestimenta. Coitado. É boi de piranha. Serve para ficar ao lado do novo
simpático e ser reconhecido como Escoteiros. Bem planejado. Dois anos, três,
cinco oito dez anos talvez? Não sei. Não estarei aqui para ver. Mas torço por
aqueles que não conheceram a tradição e querem fazer uma nova. Que tudo dê
certo. Quase oitenta anos para se fazer um hábito de comportamento. Dizem agradar
os tradicionais e o deixarão por muito tempo. Que seja como São Tomé queria ver
para crer. Dizem maravilhas do novo. Que ele é lindo e era o que os jovens
esperavam para acorrerem ás fileiras escoteiras. Será? Uma vestimenta moderna
vai trazer novamente a chama que faltava nos jovens do Brasil? Desculpe. Não dá
para acreditar. Se assim o for agora chegaremos fácil aos cem mil. Verdade? É
isto que os jovens que não são querem? Desejo sorte. Vender um produto não é
difícil. Difícil é provar que o produto é bom. Desejo mesmo do fundo do coração
o êxito da mudança. Não foi BP quem colocou em seu livro Escoteiro que devemos
olhar além da ponta do nariz? Mas quem sou eu para criticar. Meu tempo passou.
Agora só vivo preso em uma gaiola e vez ou outra alço voou com minhas asas de
cera.
Pouco tempo ainda
me resta. Mas com certeza vou aproveitar cada minuto. Farei do meu uniforme
tradicional (que muitos discordam) um marketing do passado. Contarei histórias por
este Brasil querido. Contarei dos amigos Escoteiros de outrora, de gente nova
que ainda preserva as tradições e que aos poucos vão sendo apagadas da memória
escoteira. Mas viver só de memórias não leva a lugar algum. Precisamos sentir o
chão aos nossos pés. Ficar de olhos e ouvidos abertos e tomar cuidado, pois um
movimento sem tradição nunca terá um belo futuro. Que o vento leve minhas lembranças.
Eu sei que ele vai voltar, mas o que ele levou ficará perdido no tempo do
passado. - "Sem tradição não pode haver
virtude, nem dignidade, nem independência, nem amor à glória. Sem tradição,
cada um procura o gozo material, os prazeres, o dinheiro, as posições e os
cargos, porém jamais procura os caminhos do Dever para com Deus e a
Pátria". – Plinio Salgado.
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