Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O meu inesquecível chapéu Escoteiro.


Conversa ao pé do fogo.
O meu inesquecível chapéu Escoteiro.

                             Quanto tempo? Não sei. Entrei em 1947 e ele já existia. Ops! Enganei-me, o conheci muito antes. Acho que foi em 1945 e estava com cinco anos. Um Grupo Escoteiro passou desfilando em frente a minha casa. Lindos, garbosos caqui e chapelão.  Meu primeiro contato e sabia que era minha primeira paixão. Rodei mundo com ele. Fui a lugares incríveis e ele ali firme. Meu companheiro de jornadas e alegrias. Desfilei garboso por muitos anos com ele em várias cidades do Brasil. Acordei um dia em um longínquo arraial chamado Martelo em um campinho de futebol na minha barraca de duas lonas o sol nascendo, um povaréu em volta. – Quem são eles? Escoteiros gritou um. Escoteiro claro veja o uniforme e o chapéu. Na pequena igrejinha caída, as margens do Rio das Velhas, quase confluência com o Velho Chico (Rio São Francisco) eu estava lá com mais quatro seniores admirando a enorme árvore que nascera dentro dela. Diziam que ali aconteceram belas histórias. Soube de algumas. Um dia vou contar aqui. Aquela do Jagunço Normandia que ficou ali encurralado pela volante e saiu atirando até no vento acho que já contei. Mas dava para ver um desenho feito a mão de um chapéu Escoteiro e um lenço.

                                Ele sempre foi famoso no Brasil inteiro. Criou raízes de norte a sul e de leste a oeste. Demorou mas se tornou um hábito de comportamento e conhecido entre os Escoteiros. Firmou presença em muitos lares e na mente dos brasileiros. São histórias e histórias para contar. Lembro-me de algumas famosas que digitei em meu chip cerebral para não se perder com o vento que leva nossas saudades e não as trás de volta. Eu e meus companheiros descíamos de Jangada o rio Paraopeba lá pelos idos de 1957/8 não lembro bem. Éramos quatro. Vimos uma enorme fazenda e resolvemos parar. Quem sabe iriamos filar um jantar daqueles gostosos? Isto sempre aconteceu nas fazendas onde estivemos. Apoitamos, descemos e fomos cercados por quatro jagunços armados e levados até a varanda da fazenda a espera das ordens do Coronel. Nome dele? Não lembro. Ele saiu nos olhou, deu uma bela risada e nos abraçou. – Cambadas! Eles são Escoteiros! Veja o uniforme e o chapéu! Ficou em posição de sentido e gritou alto: - Sempre Alerta! Um lauto jantar e camas para dormir e graças a quem?

                                    É. Causos e causos para contar. Ele fez história. Todos o conheciam. Em Malacacheta cidade perigosa onde os matadores faziam fila para mandar alguém para o outro mundo, chegamos inocentes sem saber que ali o clima não era amistoso. A cidade era dominada por grandes empresários que exploravam a Mica (a mica tem alta resistência dielétrica e excelente estabilidade química. Muito usada na época para capacitores, placas de circuito eletrônico etc. Servia e serve também como isolante em equipamentos de alta-voltagem). Já era tardezinha. Quem sabe um campinho de futebol para pernoitar? Na pracinha alguns mal encarados começaram a gritar: - Polícia de Captura! Polícia de Captura! Não entendíamos nada. Um bigodudo com enormes barbas vermelhas veio correndo. “Suas bestas” são Escoteiros, não estão vendo o uniforme e o chapéu?

                           Mas confesso que fui muito paquerado e bem recebido por gente grande. Graças a ele conheci a melhor mulher do mundo. Minha esposa Celia. Conheci também Quatro governadores, dois ministros, secretários estaduais aos montes, vários prefeitos e quando na década de sessenta o Senhor Jânio Quadros candidato a Presidente do Brasil fazia um comício em plena praça da minha cidade, me viu de uniforme (voltava da sede) e gritou – Ei Escoteiro! Faço questão que fique ao meu lado aqui no palanque! E agora José? Fazer o que? Risos. Fiquei apaixonado pelo “cara” e depois me decepcionou. Éramos conhecidos mesmo. Éramos não, somos conhecidos até hoje. Se você duvida embrenhe por matas e cidades perdidas no sertão brasileiro ou mesmo em belas capitais e veja o que seu caqui vai mostrar. Olhe! Eles são Escoteiros! Um costume que criou raízes. Não tirávamos o uniforme para nada em atividade escoteira. Sempre foi nosso salvo conduto. Já contei aqui o susto que demos no exército brasileiro as margens do Rio Doce. Soltamos uma enorme abobora rio abaixo, toda recortada como se fosse uma feiticeira dentuça, com velas acesas e muitas folhas verdes para produzir fumaça e quando ela passou pelo acampamento do Tiro de Guerra nunca se viu tanto tiro. A soldadesca gritava de medo que era o capeta, o demônio, o belzebu e o diabo. Fomos vistos. Estávamos de caqui e chapelão. Na semana seguinte O Capitão Martinho em pessoa no Grupo. Formados em linha ele passou a revista. – Então são vocês? Seis merdinhas escoteiros que botaram o exército brasileiro para correr?

                            Causos e causos. O tempo foi passando. Alguns que não viveram este passado começavam a aparecer. Queriam criar um novo uniforme. Uma meia dúzia entre dezenas de milhares sentiam vergonha da Calça Curta. Sempre aqueles afoitos que acham que o moderno substitui o tradicional. Surgiu o cinza azul mescla, depois o traje e não satisfeitos criaram agora e para ficar a tal da vestimenta. Sem criticas. Minha época de aventuras se foi. Este orgulho que ainda tenho dele sei que será por pouco tempo. Juram por tudo que é sagrado que ele vai conviver com a vestimenta. Coitado. É boi de piranha. Serve para ficar ao lado do novo simpático e ser reconhecido como Escoteiros. Bem planejado. Dois anos, três, cinco oito dez anos talvez? Não sei. Não estarei aqui para ver. Mas torço por aqueles que não conheceram a tradição e querem fazer uma nova. Que tudo dê certo. Quase oitenta anos para se fazer um hábito de comportamento. Dizem agradar os tradicionais e o deixarão por muito tempo. Que seja como São Tomé queria ver para crer. Dizem maravilhas do novo. Que ele é lindo e era o que os jovens esperavam para acorrerem ás fileiras escoteiras. Será? Uma vestimenta moderna vai trazer novamente a chama que faltava nos jovens do Brasil? Desculpe. Não dá para acreditar. Se assim o for agora chegaremos fácil aos cem mil. Verdade? É isto que os jovens que não são querem? Desejo sorte. Vender um produto não é difícil. Difícil é provar que o produto é bom. Desejo mesmo do fundo do coração o êxito da mudança. Não foi BP quem colocou em seu livro Escoteiro que devemos olhar além da ponta do nariz? Mas quem sou eu para criticar. Meu tempo passou. Agora só vivo preso em uma gaiola e vez ou outra alço voou com minhas asas de cera.


                              Pouco tempo ainda me resta. Mas com certeza vou aproveitar cada minuto. Farei do meu uniforme tradicional (que muitos discordam) um marketing do passado. Contarei histórias por este Brasil querido. Contarei dos amigos Escoteiros de outrora, de gente nova que ainda preserva as tradições e que aos poucos vão sendo apagadas da memória escoteira. Mas viver só de memórias não leva a lugar algum. Precisamos sentir o chão aos nossos pés. Ficar de olhos e ouvidos abertos e tomar cuidado, pois um movimento sem tradição nunca terá um belo futuro. Que o vento leve minhas lembranças. Eu sei que ele vai voltar, mas o que ele levou ficará perdido no tempo do passado. - "Sem tradição não pode haver virtude, nem dignidade, nem independência, nem amor à glória. Sem tradição, cada um pro­cura o gozo material, os prazeres, o dinheiro, as posições e os cargos, porém jamais procura os caminhos do Dever para com Deus e a Pátria". – Plinio Salgado.

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