Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Minha, nossa, tua admirável Vovó Guiomar.


Conversa ao pé do fogo.
Minha, nossa, tua admirável Vovó Guiomar.

                   Ela não foi e nem era minha avó consanguínea. De nenhum dos Escoteiros. Assim como eu todos nós a chamávamos de Vovó e tínhamos por ela um amor todo especial. Acho que foi a Vovó com mais netos no mundo. Idade? Ela dizia ter 92 anos quando cheguei ao Grupo. Nunca esqueci aqueles sábados deliciosos que ela estava conosco sorrindo, cantando, brincando e tentando ser séria no cerimonial de bandeira, mas com um sorriso brejeiro. Disseram-me um dia que no passado ela acampava ia aos acantonamentos, viajava com a tropa e me garantiram que quando pediram a sede no Grupo Escolar Pedro de Matos ela foi sozinha no palácio do Governador para pedir que cancelassem a ordem. Não quiseram deixá-la entrar e ela ficou ali na porta sentada no meio fio por um dia inteiro. Teve insolação e depois de medicada quiseram levá-la para casa. – Não sem antes falar com o Governador ela disse. – Um assessor se prontificou e ela agradeceu, mas o assunto era com o governador. – Mocinho, eu votei nele e ele não pode me receber? – Doutor Morato o Governador assustou quando soube e deu belas risadas. Foi lá na antessala e deu nela um forte abraço. Claro aproveitou para fotos, pois a eleição estava próxima. A ordem foi cancelada e ganharam mais uma sala. A diretora que agiu assim foi demitida. Vovó Guiomar não gostou e de novo voltou ao Governador. Agora entrava direito. A demissão foi revogada.

                               Interessante que ela se tornou um de nós e a gente nem prestava mais atenção nela. Mas quando faltava era aquela preocupação e lá íamos nós após as reuniões em grupos a casa dela preocupados. Sei que morava só. Sei também que sempre foi solteira e no passado distante namorou um Chefe de nome Castor. Um dia foi achado boiando no rio Santissimo. Ninguém soube por que morreu. Vovó Guiomar não chorou. Ficou dias pranteando seu amado no Cemitério das Flores. Meses depois voltava lá uma vez por mês fato que até hoje/ontem se repete. Se aquele que amei não foi meu eu não serei de mais ninguém. Ela ria e dizia – Eu casei com o Escotismo. Baden-Powell foi meu padrinho! Era uma pândega e a gente nunca a viu chorar. Se um Chefe faltasse lá estava ela para substituir. Nunca fez nenhum curso e todos sentavam em sua volta e ela fazia um campeonato de piadas. Gostosas piadas. Ela era mestre e sabia contar cada uma que coravam a gente, mas a risada vinha naturalmente sem malícia.

                        Faltou barraca? Faltou facão? Faltaram talheres? Faltou material para os lobos? – Quero a lista ela dizia. No dia seguinte o comércio local tinha de aguentar seus pedidos.  Não perdoava nem mesmo os supermercados com a lista de mantimentos para os acampamentos. Nunca aceitava sair de mão abanando. Ela resolvia tudo. Um dia um Chefe novato resolveu fazer uma diretoria. Não a consultou. Os novos diretores assumiram e nem ligaram mais para ela. Ficava no pátio se sentindo rejeitada. O dinheiro do grupo escasseou. Não tinha mais para comprar materiais. Ela não mais sorria. Sempre com uma cadeira que pegava na sede e na sombra da aroeira sentava como se estivesse cochilando. No conselho de chefes falaram sobre ela. Ela não merecia o que estava acontecendo. – Se não fosse ela não seriamos o que somos hoje – Disse a Akelá Naninha. Reverteram tudo. Disseram a ela que seria a Presidenta. Mandava agora na diretoria. Muitos não quiseram e pediram demissão. O grupo voltou ao normal.

                            Uma tarde alguém veio avisar que ela tremia. De olhos abertos sorria e tremia. Ninguém sabia o que era. Não reconhecia ninguém. O Chefe Damásio levou-a ao pronto socorro. Ainda sem exames completos diagnosticaram como Mal de Alzheimer. Sua memória começou a falhar, ficava desorientada para voltar para casa, mesmo indo ao grupo se sentia desinteressada, e em alguns momentos ficava agressiva e desagradável. O Hospital marcou o dia para levá-la a uma casa de repouso especializada. Ela foi a contragosto. Todos os domingos a escoteirada corriam todos para lá. Ela aos sábados fugia e pedindo carona chegava ao Grupo Escoteiro sorrindo. Suas crises iam e vinham. Os enfermeiros já sabiam onde ela estava e ninguém deixava que a levassem enquanto não acabasse a reunião. Tentaram fazer um pedido de uma medalha de Gratidão Ouro e recusaram. 120 Escoteiros foram pessoalmente na Assembleia Regional e entraram no auditório pedindo a palavra. Aprovaram a medalha. Foi entregue em um sábado de sol, ela em uma cadeira de rodas com dois enfermeiros no cerimonial de bandeira. Havia neste dia mais de quinhentas pessoas presentes. Antigos Escoteiros do grupo acorreram de todas as partes. A palma escoteira dizem que em tempo algum será a mesma.


                         Morreu quatro anos depois. Estava irreconhecivel. Nas suas exéquias milhares de antigos Escoteiros presentes. Lorentino morava no Japão e quase não chegou a tempo. Zeca e Bambocha estavam no Suriname e alugaram um jatinho. Centenas de milhares de pessoas emocionadas e lágrimas caiam sobre a terra do campo santo. Zé Arrebol levou seu clarim e tocou o mais lindo toque do silêncio de todos os tempos. A canção da despedida com milhares cantando foi em determinados momentos silenciosa. Seres humanos engasgados choravam e cantavam baixinho. Contaram-me que todas as tardes milhares de borboletas invadiam o seu tumulo por muitos anos. O enterro foi às cinco da tarde, mas às onze da noite guardas de patrulhas escoteiras lá estavam prestando sua homenagem. Rio Pequeno nunca mais foi o mesmo. Mudaram o nome do grupo para Vovó Guiomar. Nos encontros, jamborees e Camporee e outras atividades riam quando se falava o nome do grupo. Mas eles não sabiam que no coração de cada um Vovó Guiomar fez sua morada. E sabiam quem ali era iria morar para sempre. 

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