Uma deliciosa conversa ao pé do fogo!

Amo as estrela, pois mesmo tão distantes nunca perdem seu brilho, espero um dia me juntar a elas, e estar presente a cada anoitecer alegrando o olhar daqueles que amo

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O solitário Eddy. O leão Branco da Montanha dos Sete Cavalos.


Lendas escoteiras
O solitário Eddy. O leão Branco da Montanha dos Sete Cavalos.

                    “Azanka, Malenka, Lelenka - Lita, kalita Zazá – Rá, rá, rá, Raposa”! Ninguém esquece. O grito de patrulha de quem já foi um patrulheiro fica marcado para sempre. Eu era um deles, da Raposa. Um ano e meio na tropa. Era meu mundo naquela época. Não havia outro. O escotismo para mim estava no meu sangue, na minha alma e no meu coração. Naquela quinta do mês de julho, lá pelos idos de 1952 combinamos com o Seu Leôncio de pegar uma carona em seu Carro de Boi até o seu sítio, nas proximidades da Colina dos Sete Cavalos. O Chefe Jessé amigo dele aprovou um acampamento nosso em suas terras de seis dias. Prometeu passar por lá pelo menos duas vezes e Seu Leôncio disse que tomaria conta de nós.

                   Quem um dia teve a felicidade de viajar num carro de boi, Jamais esqueceu. Aquele zumbido infernal com o tempo é como se fosse uma suave melodia de uma recordação sem igual. Foram duas horas e meia de sorrisos, e a gente ficava cantando, gritando, dando vivas e olhando a Canga, o Canzil, os Arreios, o Cabeçalho, e tentando descobrir o cantar das rodas no Cocão, na Cheda, no Recavem e tantas coisas lindas que compõe o carro de boi. Seu Leôncio era bom carreiro. Usava com maestria a vara do ferrão com dois guizos sem machucar os bois. Chegamos à subida das Colinas dos Sete Cavalos lá pelas onze da manhã. Trabalho duro. Armar campo. Mesa, toldos, fogão suspenso, lenheiro, aguadeiro e o Jairinho era muito bom na construção de um pórtico.

                   Eu gostava daquela Patrulha. Éramos amigos de verdade. Depois do jantar ainda à tardinha, sentados no chão e tomando um cafezinho próximo à mesa (faltavam os bancos) nós levamos o maior susto. Susto tal que nem correr deu ânimo. Minhas pernas tremiam como se fossem vara verde. Bem no centro do pórtico um enorme Leão Branco! Isso mesmo! Um Leão Branco. Parado a nos olhar. Eu comecei a molhar as calças e acho que os demais também. Lembramos quando o Chefe Jessé nos instruir quando víssemos uma onça. – Não correr Jamais. Todos olham nos olhos dela. Um de nós passo a passo para trás tenta dar a volta. Sobe em uma árvore e lá grita, Faz barulho para chamar a atenção do animal. Quando conseguisse todos corriam e subiam na primeira árvore que encontrassem. Eu era o que estava mais atrás. Não fiz nada disto. Um medo terrível. Meu corpo parecia um tronco fincado no chão. Diabos! Não sei o que deu em Marino. Como se estivesse hipnotizado foi devagarinho até o leão. Ele afagou sua juba. O Leão Lambeu os pés de Marino. Ninguém acreditava no que via.

                     Assim começou a fantástica amizade de sete escoteiros e um Leão Branco. Marino o chamou de Eddy. O dia inteiro ele brincava conosco em nosso campo de Patrulha. Chegou até a nadar junto a nós no córrego da Canoa Quebrada. A noite ele sumia para bem de manhãzinha voltar. Muitas vezes ainda dormindo ele abria as portas das barracas e nos lambia fazendo cocegas. Amei aquele Leão. Ninguém pensou o que ele estaria fazendo ali. Ninguém lembrou como ele se alimentava. No sábado Seu Leôncio viu. Assustou. Pegamos na mão dele e o levamos até o Eddy. Ele não acreditava. Manso como um potrinho recém-nascido. Conversou com nosso Monitor. Natanael nos contou depois. Eddy estava matando para comer bezerros e pequenas ovelhas dos fazendeiros da redondeza. Queriam matá-lo. Eles sabiam que ele havia fugido do circo Garcia há cinco meses. Tentaram capturá-lo e até alguns homens armados percorreram os montes, vales, campinas e tantos outros lugares tentando encontrá-lo e matá-lo e não conseguiram.

                   Eu não podia acreditar. Matar o Eddy? Nunca. Preferia morrer com ele. No domingo pela manhã chegaram mais de vinte homens armados junto com Seu Leôncio. Eddy estava conosco brincando. Gritaram para sairmos de perto. Eu não saí. Agarrei o pescoço de Eddy. Ele me deu um puxão e foi correndo em cima dos homens armados. Um verdadeiro tiroteio. Nós gritávamos para não matá-lo. Eddy gemeu forte, virou para nós e como se fosse um último adeus abanou seu rabo e mexeu com sua enorme juba. Caiu morto no chão crivado de balas. Tinha sangue em todo seu corpo. Eu corri e fiquei abraçado com Eddy. Eu gritava e chorava. Chamava os homens de assassinos. – Mataram meu amigo! Malditos! Vão para o inferno! Não sabia o que pensar, coisas de meninos coisa de escoteiros que amam os animais.

               Durante vários meses nossa Patrulha não sabia o que falar. Nas reuniões ficávamos por muito tempo em nosso canto de patrulha, calados sem nada dizer a não ser ter os olhos vermelhos e cheio de lágrimas. De vez em quando um olhava para o outro e soluçava forte. Papai e Mamãe tentaram me consolar. Tentaram explicar que um leão tem um alto custo para alimentar. Come mais de oito quilos de carne por dia. Ele estava matando os animais dos fazendeiros. Nada. Isto para mim nada adiantava. Eu amei o Eddy enquanto vivo e o amava agora também.

           “Azanka, Malenka, Lelenka - Lita, kalita Zazá – Rá rá rá, Raposa”! O tempo passou. Mas sempre me lembrava do Eddy. Um dia encontramos toda a Patrulha no Bar do Elias. Já adultos. Eu com mais de vinte e cinco anos. Tomamos varias cervejas e comemos linguicinhas picadinha com cebolas fritas, famosas na cidade.  E quem se lembra do Eddy? Perguntou Afonsinho. Pronto. Marmanjos chorando. Quem nos visse naquela mesa iria ver sete marmanjos chorando. Ficamos no bar por mais de cinco horas, sempre a lembrar dos belos dias que passamos com o Eddy. E triste ter belas histórias para contar como esta sem um final feliz. Um Leão Branco que vivia na Montanha dos Sete Cavalos. Nunca mais voltamos lá. Para que? Para chorar? Para lembrar-nos de um Leão que amamos e que nos tiraram assim? Hoje sei que foi a melhor decisão. Mas lá no fundo do meu coração eu não aceito isto. Como conviver com o Eddy para sempre eu não tinha explicação. Mas sua morte foi dura demais para enfrentar.


          “Azanka, Malenka, Lelenka - Lita, kalita Zazá – Rá, rá, rá, Raposa”! Minha Patrulha. Patrulha que amei por muitos anos. Patrulha com belas histórias que nos marcaram para sempre. Marquito, Marino, Natanael, Jovelino, Afonsinho, Jairinho e eu. Onde andam vocês? Saudades de todos. Imensas Saudades também do Eddy. O Leão Branco da Montanha dos Sete Cavalos que amei e ficou para sempre no meu coração.

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