Lembranças da
meia noite.
A cidade
Fantasma
Sempre me divirto quando me lembrando do
passado deixo os pensamentos soltos a procurar “causos” dos bons. Dizem que faz
bem. As saudades substituem os pensamentos que vagueiam com os problemas do dia
a dia. Eu era sub monitor sênior. Patrulha Gavião. (só mais tarde sugeriram
nomes históricos ou lugares históricos para nomes de patrulhas seniores.) Há
tempos sabíamos da “Cidade fantasma“ próxima a um rio caudaloso que acompanhava
a estrada de ferro. Bem perto onde morávamos. Duas horas de trem. A História
era antiga. Quando da construção da Ferrovia, devido ao ataque frequente dos
Índios Aimorés e da malária, que dizimava completamente a maioria dos
trabalhadores, não havia peão que ficava muito tempo na Empreiteira encarregada
da construção. De cada vinte contratados, pelo menos oito morriam uma taxa alta
demais.
- O Governo pressionado, pois queria
a todo custo terminar a ferrovia, ofereceu liberdade condicional aos presos na
Capital de algumas grandes cidades, em troca do trabalho forçado para a Estrada
de Ferro. Pelo contrato, após três anos de serviço, estariam livres. - A lenda
contava que em uma determinada cidade, como muitas que apareciam com a ferrovia
à maioria dos criminosos ali residiam. O padre local sempre fora contra este
tipo de coisa e era frequentemente jurado de morte pelos bandidos. Durante uma
procissão da Semana Santa junto a milhares de fieis, agarraram o “dito cujo“ e
o enterraram em frente à Igreja Matriz só com o pescoço para fora. Dizem que
suas últimas palavras foram que não ficaria pedra sobre pedra naquela cidade. A
maldição parece que “emplacou“. Dai há alguns anos a cidade foi ficando deserta
e praticamente não ficou uma viva alma. (a Estrada de Ferro mudou de itinerário
e a população acompanhou, fundando outra cidade).
Pegamos o trem rápido das nove da
manhã. Onze horas e chegamos a Barra do Cuieté. Mais oito quilômetros e
chegamos à antiga Cuieté. Passava das duas da tarde quando avistamos a tal
cidade. Havia uma rua com calçamento de pedra e pequenas paredes caídas. Era o
que restavam das casas que ali existiram. Montamos barraca bem próximo
onde devia ser a antiga praça. Queríamos ouvir o famoso grito do Padre que
todos juravam ouvir após a meia noite. Era um desafio a nossa coragem. Se
existia uma lenda, nós seniores iríamos verificar se era verdade ou não. Não
perguntamos e não pedimos orientação a ninguém. Ali eram os quatro mais
experientes do Grupo. Não havia nada que não enfrentávamos de frente. - A tarde
corria solta. O sol se pôs no horizonte e se foi. A noite chegou brava e eu
estava fazendo o meu “Celebre e histórico“ sopão. Ainda não eram nove horas da
noite. O Grito foi ensurdecedor! - Gelei! - Os “valentes mosqueteiros“ correram
para a cozinha. Nosso lampião a querosene dava uma iluminação bruxuleante.
Ficamos ali grudados uns aos outros.
Era uma tremedeira geral. O Grito aumentava mais ainda quando o vento soprava
mais forte. Não havia outro jeito. Caminhamos em direção ao Grito. Não preciso
explicar como estávamos. Para dizer a verdade, minha calça curta estava toda molhada
na frente. O bravo escoteiro agora era um “escoteiro mijão”. Risos. O grito
vinha da praça onde enterraram o padre, pensei. - O medo aflorava a pele! - Mas
éramos persistentes e insistentes. Caminhávamos no rumo da pedra onde
pensávamos vinha o grito. Grito? Uma grande piada. O grito do padre
nada mais era que uma fenda que ia de um lado a outro de uma grande pedra bem
no meio da antiga praça.
O vento forte vindo do rio próximo
entrava pôr um lado e saia pôr outro e uma espécie de apito davam impressão de
um grito. Todos na cidade sabiam da historia. Não nos contaram. Diziam que
sempre vinham "otários” de todas as partes para ver. Nada mais a dizer, os
“otários” voltaram para suas casas. Pelo menos a investigação chegou a bom
termo.
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