Onde anda o Zé Neguinho?
(Uma historia quase real)
Ah o tempo! A
gente não percebe e quando percebe ele deu uma volta ou milhões de voltas para
nos trazer as lembranças de um tempo que já se foi. Zé Neguinho nunca foi
Escoteiro. Deveria ter sido, mas seu destino estava escrito de outra maneira.
Queira ou não fomos amigos. Amigos que se respeitavam. Brigamos muito, de tapa,
de soco, mas de arma branca nunca. Eu e ele sabíamos que nenhum de nós dois era
melhor que o outro. Acho que a primeira vez eu estava com oito anos e ele por
aí também. As brigas foram frequentes pelo menos uma a cada dois meses. Nunca
envolvi meus amigos Escoteiros em nossas brigas. Mas hoje fico pensando: -
Porque brigamos tanto? Não havia ódio, rancores, quantas vezes cansávamos e
sentados olhando um para o outro dávamos belas gargalhadas?
O tempo passou. Acho
que uns dez anos. Eu não lembrava mais dele e tenho certeza que ele também não se
lembrava de mim. Escoteirando eu viajava em um trem da Leopoldina de Caratinga
para Ponte Nova. Ia para Barra longa a convite de um Grupo Escoteiro que estava
começando. Era Comissário Regional em Minas Gerais e sempre fazia estas viagens
aqui e ali. Eu cochilava quando o trem parou em uma estação. Olhei pela janela
e vi lá fora dezenas de soldados armados correndo para todo lado. Ouvi um grito
alto: - Zé Neguinho! Quem fala é o Capitão Nonato. Você me conhece e me deve sua vida. Sei que está aí neste vagão. Desça com as mãos
para cima. O trem está cercado de policia! Olhei de lado. Era ele. Cresceu,
ficou forte, muito forte, o cabelo grande sempre amarrado em um rabo de cavalo.
Ele me viu. Deu uma gargalhada – Vado Escoteiro? O Valente da porrada? É você? Era
chamado por ele assim. Levantei e dei nele um abraço.
O Delegado
gritou de novo – Vamos evitar passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele gritou –
Me dá dez minutos delegado e vou descer sem reagir, eu prometo. Sentado ao meu
lado um senhor de idade. – Suma! Ele disse e sentou comigo. Ficamos estes dez
minutos lembrando o passado. Nunca na vida contei “causos” do passado sob a
mira de fuzis. Lembra-se da descida do Bairro do Pastoril? Eu lembrava. Uma
turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um pau na mão. Desceu a burduna
na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu posso dar porrada nele! Ele se
levantou e me deu um abraço, apertado. Chegou a doer. Vi que seus olhos
encheram-se de lágrimas. – Adeus meu amigo. Acho que nunca mais vamos nos ver! Desceu
do trem e vi dezenas de policiais apontando armas para ele. Na plataforma me
deu um último adeus!
Não fiquei
sabendo dos seus crimes ou roubos. Não havia jornal na minha cidade para
informar. Mas Zé Neguinho me marcou muito. Não foi escoteiro. Deveria ter sido.
Nunca o esqueci. De vez em quando procuro aqui na internet se vejo alguma
noticia dele. Deve ter morrido. Se fosse hoje poderia ter descido e conversado
com o Delegado. Quem sabe poderia ter ajudado. Não o fiz. O destino não se mede
pelas ações, mas sim pelo que se fez ou faz. Espero que ele tenha conhecido a
felicidade. Seu sorriso sempre foi contagiante e dizem que quem sabe dar um
lindo sorriso é feliz.