Conversa
ao pé do fogo.
O
peixe da boca torta.
Uma das coisas que eu mais gostava
quando acampava, era pescar. Adorava. Muitas vezes após o horário das
atividades escoteiras lá pelas onze da noite, eu ia pescar alguns bagres e
traíras. A noite era o melhor horário para esses peixes. Afinal comer só
linguiças não dava. Não levávamos mais nada para completar o arroz, feijão,
batata e macarrão. Portanto o peixe era uma mão na roda. Na minha mochila
sempre tinha três linhas para pescar. Uma para peixes miúdos, linha fina e
chumbada pequena. Outra com dois anzóis. Linha número dois, chumbada média,
para pescar peixes até meio quilo. E a mais grossa, três anzóis, numero três
para pescar peixes acima de meio quilo.
Claro, podem até duvidar, mas no Rio
Piranga com apenas nove anos eu peguei um piau de mais de cinco quilos. Comemos
peixe à vontade e ainda dividimos com o Antonio Vaqueiro que não saia de nosso
acampamento. O danado tinha 14 filhos! Nunca faltava peixe em nossa cozinha. Os
demais patrulheiros gostavam de comer de pescar não. Mas eu adorava. Na beira
do córrego, da lagoa, do rio ou de uma represa eu era “bamba” na pesca. Usava
duas espécies de isca. Um pedaço de queijo partido em fatias pequenas e
minhocas, sem esquecer lesmas e coração de boi. Na época conhecia dois tipos de
minhocas, a puladeira e a preguiçosa. Fácil de conseguir em qualquer barranca.
Lembro de uma vez que fomos acampar no
córrego dos “Pintos”. Uma aguada excelente. O riacho corria por quilômetros
sobre pedras, fazendo belas cachoeiras e corredeiras. Nós nos divertíamos a
valer. Claro, só íamos às partes rasas. Próximo onde acampávamos ficava uma
curva sinuosa do riacho. Uma parte ficava represada e devido a chuvas fortes na
barraca se juntava muitos paus e diversos tipos de arvores arrastadas pela
correnteza. Um pesqueiro dos melhores.
Uma época onde se preservava a
natureza. Nada de garrafas “pet” sacolinhas e latas vazias de cerveja. Lembro
como se fosse hoje, que no segundo dia pela manhã falei com Romildo nosso
monitor que iria pegar uns peixes para o almoço. Nosso campo já possuía todas
as pioneirias necessárias e pela manhã não estávamos fazendo nada. Com minha
faca escoteira fui à barranca, lá tinha um pequeno bambuzal de bambus chineses.
Perfeito para pescar.
Ali ao lado um pequeno lamaçal. As
minhocas a rodo. Peguei na beira do córrego duas folhas de inhame amarelo, que
não servia para comer. Suas folhas eram enormes. Muito usada como copos na
falta destes. Com barro e muita minhoca enrolei a folha e fui para o meu lugar
favorito. Mas de dez minutos e nada. Nenhum peixe mordia. Nenhum puxão. Notei
um peixe próximo com a boca para fora da água. O danado tinha a boca torta. A
água estava meio turva, mas deu para ver que era uma Cará. Das grandes. Daria
uma boa fritada. Jogava o anzol próximo e ela nada. Ficamos assim no jogo de
gato e rato e desisti.
Voltei ao campo e esqueci na beira do
remanso, minhas iscas amarradas na folha de inhame. Depois do almoço voltei lá.
Em nossa programação só pelas quatro iríamos até a casa do Zé do Boi, um
fazendeiro amigo. Ele sempre insistia que fossemos lá. Gostava de sentar fora
da sua choupana e contar “causos e causos” pitando um cigarrinho de palha. O
danado era bom nisso, pois ficávamos horas e horas ouvindo e só voltávamos
tarde da noite. Sua esposa dona Hortência sempre fazia um “quentado” para nós.
Na volta, fui direto ao “pesqueiro”.
As iscas desapareceram. Alguém desamarrou as folhas de inhame e as minhocas
sumiram. No outro dia cedo, lá fui eu de novo. Peguei muitas minhocas. Logo ela
apareceu. A danada da cará e sua boca torta. Nenhum peixe. Quando desisti por
volta das onze da manhã, e vinha saindo, um redemoinho de peixes se formou. A
cará da boca torta deu vários pulos como se estivesse rindo. Pensei comigo.
Aguarde! Vou comer você frita!
Depois do almoço todos foram até o
morro onde se avistava toda a cidade onde morávamos. Iriam treinar semáforas.
Não fui. Voltou ao “pesqueiro” de novo as minhocas se foram. Quem estaria
desamarrando as folhas? Fiquei ali até as cinco. Nada. Não pegava nada. Ao ir à
danada da cara da boca torta pulava e um redemoinho de peixes se formava.
Parecia que ela estava rindo de mim. Fiquei toda tarde e a noite fazendo um
“balaio” de taquaras. Era bom nisso. Fiz um belo balaio.
No dia seguinte, voltei lá. Sabia que
não ia pescar nada. Fingi que vinha embora e quando a cará pulou e os peixes
pularam joguei o balaio e pulei na água. Levantei o balaio e lá estava ela, a
bela cará e sua boca torta. Mais de um palmo e meio. Sai da água, olhei para
ela e disse – E agora ladrona de minhocas, vai dar sua risada? Ela fechou os
olhos, mexeu com a boca e parece que saiu um pequeno gemido. Não aguentei.
Joguei-a de novo na água. Ela começou a pular e o cardume em sua volta pulando
também.
Naquele acampamento só comemos
linguiça. Peixes? Nem pensar!
PS – Não é historia de pescador. É
História de escoteiros e suas lembranças extraordinárias!
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