Crônicas de
um Chefe Escoteiro.
O menino
Escoteiro cujos sonhos o vento levou!
(esta é uma história
de ficção, qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência).
Era uma tarde “rabugenta”. Uma
pequena garoa caia desde as primeiras horas da manhã. Naquela rua sem graça,
molhada, escorregadia, quem passasse ia ver naquela casinha de varanda simples
um velho sentado, vestindo um pijama azul e sobre suas pernas uma manta cheia
de distintivos escoteiros. Se observasse melhor veria que era um velho de
cabelos brancos, cacheados, pele enrugada, os olhos fechados como se estivesse
dormindo. Vovô Teobaldo dormitava. Sua mente, entretanto estava viva. Não
parava de pensar como nosso mundo nos deixa de vez em quando triste e muitas
vezes nos falta ação para continuar a sorrir. A mente do Vovô Teobaldo voltou
no tempo. Naquela manhã de domingo. Estava lendo um livro no seu quarto quando
foi à cozinha beber uma água gelada. Ele gostava. Uma das suas manias.
Na sala, sentados na poltrona
estava Nininha, sua neta de oito anos e lobinha, Maninho, seu neto de doze anos
e Escoteiro e em pé ao lado Landinho o neto mais velho de dezesseis anos e
escoteiro Sênior. Vovô Teobaldo se assustou. Eles estavam chorando. – O que
foi? Interpelou. – Vovô, meu Vovô querido, vão acabar conosco! – Acabar como?
Vão fechar nosso grupo Escoteiro! – Calma isto não vai acontecer. Conheço o
Chefe Mauricio. Ele nunca faria isto. – Não é ele Vovô, são os outros! -
Outros? – Olhe Vovô Teobaldo, ontem na escola minha amiga Joaninha que é
lobinha do outro grupo me deu uma cópia de um artigo que ela copiou de seu tio,
Chefe Escoteiro. No artigo dizem que vão acabar com nosso Grupo! – Onde está
este artigo? Ela entregou para ele. Ele sentou em outra poltrona e leu.
- Era um comunicado da outra
organização. Informava aos seus sócios das providencias que estavam tomando
para processarem todos os que não estivessem do lado deles. Claro, um direito
sem sombra de duvida. Mas ali estava escrito que eles não podiam ser chamados
de escoteiros, de lobinhos, de pioneiros, de chefes, não podiam dizer a promessa
Escoteira, estavam proibidos de usar a Lei Escoteira, de comprar livros deles,
pois tinham registrado tudo na organização deles. Quem usasse seria processado.
E terminava com uma lista dos processos que já foram abertos. Vovô Teobaldo se
assustou com aquilo. Ele já sabia que isto estava acontecendo. Infelizmente os
meninos que entraram naquele e em outros grupos que não eram da organização, sonharam
com o escotismo. Nunca se preocuparam se eram de outra organização. Achavam que
todos eram irmãos. Fizeram promessa, as leis que seguiam eram do fundador Baden
Powell. Agora diziam que eles eram dono de tudo! Eles choravam copiosamente.
Vovô Teobaldo ficou triste. Maninho
em lágrimas perguntou – E agora Vovô! Minha promessa não vale? Não posso mais
ser chamado Escoteiro? Pensei que era um nome mundial. Até pesquisei e vi que
tem muitos que o usam. Nas estradas de ferro chamam de locomotiva sozinha de
Escoteira. Vovô, eu gosto de ser escoteiro. Não quero mudar de grupo. Eu amo
onde estou. – Vovô Teobaldo não sabia o que dizer. – Landinho o Sênior também
chorava. – Vovô! – ele disse. Tenho sete anos no grupo. Fui lobinho, Escoteiro,
e agora sênior. Meu passado não vai mais existir? Olhe Vovô, o Senhor lembra.
Eu sonhava em ir ao Jamboree deles. Não deixaram. Mesmo o Senhor indo conversar
com o Comissário deles foram inflexíveis. O Senhor lembra-se disto. E olhe Vovô
como sonhei em ir lá e conhecer tanto jovens como eu! O Senhor sabe Vovô, nós
temos muitos amigos lá. O tal comissário já foi no grupo deles falar que deviam
ficar longe de nós. Mas somos da mesma cidade. Do mesmo colégio. Somos amigos
Vovô, não importa onde estamos!
A noite chegava mansa e
gostosa e a garoa continuava. Um frio gelado soprava com a brisa noturna. Vovô
Teobaldo pensava. Mundo difícil. Mundo de expiação e provas? Mundo mutante? Mas
eram escoteiros, afinal não dizem que são amigos de todos e irmãos dos demais?
Será que vale só para eles? Mas não eram só eles, os outros também. Dirigentes
que não se entendiam. Ele sabia que de ambos os lados não havia adultos anjos. Gastavam
fábulas com processos só para ver o outro lado no chão. Vovô Teobaldo pensou se
Jesus de Nazaré viesse a terra para ser o juiz da contenda o que iria resolver?
Ia falar que devemos amar a Deus sobre todas as coisas? Ou quem sabe lembrar a
palavra do seu pai, que dizia que devemos amar ao nosso próximo como a nós
mesmos? Que diria Jesus de Nazaré? Vovô Teobaldo não sabia o que dizer. Não
teve palavras para consolar seus netos. Lá em cima, entre os homens fortes de
cada organização só havia ataques, defesas, direitos e deveres de ambos os
lados. E os jovens? E a sua neta lobinha? O que seria dela? Nunca iria perdoar
os adultos que fizeram isto. Afinal é culpa dela?
Vovô Teobaldo dormia. Alí.
Naquela cadeira em seus sonhos rezava. Rezou muito. Rezou pelos homens, pela
sua promessa que eles um dia fizeram. Prometeram pela sua honra, cumprir seus
deveres para com Deus e a pátria. Ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e
obedecer à lei do Escoteiro. A lei. Ora a lei. Seria só deles? Baden Powell
doou tudo que fez para eles? Ah! Jesus. Deixe que eles conheçam melhor suas
palavras. Não foi o Senhor quem disse que devíamos amar nossos inimigos, que
devemos fazer o bem para aqueles que nos odeiam. Que devemos abençoar aqueles
que nos amaldiçoam, rezar por aqueles que nos maltratam. E Jesus só você mesmo
para dizer a eles, pois eu não posso – “Se alguém te bater no rosto, ofereça a
outra face”.
Vovô Teobaldo acordou na sua
varanda altas horas da noite. Todos já haviam ido dormir. Não havia mais chuva.
Não havia mais garoa. Uma brisa gostosa e refrescante soprava em sua face. No
céu uma lua enorme. Rechonchuda, iluminando o céu cheio de estrelas. Lá, muitas
delas brilhantes pareciam escrever no céu azul, em letras grandes, enormes –
Pai perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem! Vovô Teobaldo foi dormir. Sorria.
Sabia que tudo se resolveria. Afinal Jesus de Nazaré não disse que “o que queres que os homens façam por ti, faça
igualmente por eles”? “O amor é tudo”
“Ame seus
inimigos, faça o bem para aqueles que te odeiam, abençoe aqueles que te
amaldiçoam, reze por aqueles que te maltratam. Se alguém te bater no rosto,
ofereça a outra face”.
Jesus de Nazaré
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