Crônicas de
um Chefe Escoteiro.
Molécula, Um Escoteiro
amado e odiado.
Já dizia Confúcio que para conhecermos os amigos é necessário
passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na
desgraça, a qualidade. Não era o caso de Molécula, ou melhor, Nando Orinoco da
patrulha Águia quando o conheci. Você olhava para ele e não sustentava o olhar.
Ele era firme, como a inquirir tudo que você sabia e não contava para ninguém.
Parecia saber tudo que você pensava. Sua maneira franca com o passar dos anos
lhe trouxe muitos amigos, mas um número enorme de inimigos. Molécula não era de
esconder as verdades. Se ele pensava a seu respeito mesmo que não agradasse ele
dizia. Todos nós sempre pedimos para nos dizerem a verdade e quando ela é dita
dependendo da maneira com quem foi dita não gostamos. Molécula era franco.
Franco demais. Ele comentava com alguns que a verdade é tão preciosa que
precisa de tantas mentiras para não ser reveladas. Isto ele nunca iria fazer.
Quando foi lobinho Molécula ouviu
mais do que falou e quando falava sai de perto. Os chefes da Alcateia não
gostavam dele. Só porque dizia o que pensava. A Akelá por várias vezes tentou
dizer a ele que a vida não é assim, não podemos sair por aí a dizer o que
pensamos das pessoas. – Mentir então Akelá? Não posso dizer que a senhora é
chata? Que o Balu não usa desodorante? Que a Bagheera só fica abraçado ao filho
dela? Responder o que? No confessionário quando o Padre dizia que seus pecados
estavam perdoados em nome de Deus ele dizia – Padre, o senhor fala com Deus? O
padre sem jeito dizia que Deus falava com ele através da oração – Pode me
apresentar a ele? Tenho algumas reclamações e sugestões a fazer! Dizem que a
amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da
felicidade um do outro. Mas quem disse que Molécula fazia os outros felizes? –
Passou para a tropa e a Alcateia pela primeira vez sorriu de verdade. Na
passagem foi uma verdadeira salva de palmas. Disseram que ficar livre de
Molécula era uma benção.
Até que na Patrulha Águia todos
aceitavam como ele era. Coitado de alguém da patrulha que quisesse “morcegar”
no acampamento. Ele dizia tudo que pensava e mais ainda. Chegava a dizer que o
melhor era não vir mais ao acampamento. – Aqui patrulheiro é um por todos e
todos por um! Se você não procede como tal se manda! Claro que o patrulheiro
reclamava com o Monitor que comentava com o Chefe e que discutiam em Corte de
Honra. Mas falar o que de Molécula? Afinal não devemos falar sempre a verdade?
Todos nós sabemos quão difíceis é falar à verdade o que sentimos. Pode ser a
nossa verdade e não a verdade do outro. Sempre achamos que pouco importa o
julgamento que fazem da gente. Temos sempre em mente que devemos ser autêntico e
verdadeiro. Mas você é assim? - Chefe – quando falar fale mais distante, o
senhor fica só cuspindo em mim! - Norival, você não tem namorada, isto é uma
deslavada mentira! – Gegê, por favor, não é porque você colocou o lenço na
roupa civil que está uniformizado. Não está não. Lenço é para ser usado com
uniforme!
Molécula cresceu e passou para a tropa Sênior.
Foi bem na hora que as meninas chegaram. Foi à conta. Molécula quando viu
Patávio namorando a Lucília não deixou de barato. – Aqui fazemos escotismo.
Namorar é na casa de vocês ou em outro lugar. Afinal ficamos aqui duas horas e
meia e vêm vocês com esta? E assim Molécula começou a ter problemas com os
Seniores e Guias. Chefe Gilmar o chamou e disse que ele não devia ficar falando
tudo que pensasse. - As pessoas não gostam Molécula! Bem Chefe Gilmar ouviu o
que não queria. A verdade dói? - Chefe, isto aqui não é uma tropa sênior, virou
bagunça! – Chefe Gilmar ficou vermelho. Molécula ainda completou – O senhor viu
no acampamento. Qualquer tempo livre eles e elas ficam se abraçando, beijando e
o senhor não fala nada? Será que o senhor é um voyeur? – Chefe Gilmar o mandou
para casa. Volte em dois meses!
Molécula não reclamou. Ficou os dois
meses em casa. Chamou seu pai e sua mãe e explicou o porquê o suspenderam. Eles
quiseram tirar satisfação com o Chefe, afinal quando ele foi inscrito disseram
que quem estava entrando eram os pais, o filho fazia parte da família – Agora o
suspendem sem ao menos um recado, um telefone? Molécula pediu aos pais que não.
Ou ele resolvia ao seu modo ou era melhor nunca mais voltar aos escoteiros.
Voltou após os dois meses. Levou uma carta escrita a mão e tirou cinco cópias Xerox.
Mandou uma para o distrital, uma para o regional e uma para a nacional. Ele enviou
outra copia para a WOSM (World Organization of the Scout Movement) todas com
firma reconhecida em cartório. Na carta explicava tudo que acontecia em seu
grupo, sua suspensão, o namoro, a falta do sistema de patrulhas, pois nos
grandes acampamentos regionais e nacionais cada um ia sem a sua patrulha e
muitas vezes com outras finalidades que não o escotismo. Foi um Deus nos acuda.
Até hoje se comenta o que Molécula
fez. A UEB teve de se explicar com a WOSM, a região teve que se explicar com a UEB,
o distrito teve que se explicar com a região e o grupo teve de se explicar com
o distrito. Fizeram de tudo para expulsar Molécula, mas quem disse que
conseguiram? Eu mesmo quando voltei a visitar o Grupo Escoteiro onde Molécula
cresceu, eles me olharam desafiadoramente como a dizer – Deixe que o danado
fique no seu lugar, ele saiu do grupo com dezoito anos e foi servir o exército.
Fiquei pensando e rindo comigo – Coitado dos soldados, do Sargento, do Capitão
e do General! Bem pelo menos lá ele não teria folga. Ou era expulso ou pegava
uns dias de xadrez. Não sei se Molécula conhecia a celebre frase – “quem fala
demais, dá bom dia a cavalo”. Mas vamos lá, será que ele não tem razão? Ops! Esqueci-me
de dizer, um dia vi molécula na entrada da prefeitura, portava um uniforme de
Capitão e precisavam ver sua pose!
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