Vale a pena ler de novo.
A árvore das folhas rosa.
Era uma visão incrível. Apareceu assim do nada. Fez-se presente para sempre em
nossas vidas. Dizem por aí que só os escoteiros têm o privilegio de ver e ouvir
coisas, pois eles têm o dom de enxergar de outra maneira a natureza hoje perseguida
de maneira implacável pelos homens. Acredito piamente que isto é real. Estava
eu em uma pequena trilha, mais quatro amigos escoteiros, todos em fila indiana,
tentando cortar caminho para chegar ao Tanque dos Afogados. Desculpem, não
morreu ninguém lá e nem é um tanque. Uma represa pequena, dócil, rasa, de águas
cristalinas que por duas vezes ali estivemos acampando. Sempre passamos pelo
caminho do Marquês mais de doze quilômetros. Não lembro quem deu a ideia de
cortar caminho em um vale entre duas montanhas. Nem sempre as boas ideias
prevalecem. Passava da uma da tarde. Um sol a pico e queimando. Quase quatro
horas de caminhada. O suor escorrendo pelo rosto, os olhos vermelhos e o
chapelão de três bicos faziam às vezes de um protetor carinhoso, mas que pouco
ajudava.
Um local descampado, sem árvores, quem sabe usado como pastagem já que ao longe
o gado pastava calmamente. Pensei em parar, mas sempre um animando dizia: -
Vamos chegar! Vamos chegar! É só encontrar o vale das Vertentes. E esse não
chegava nunca. Uma fome brava. Nem um biscoitinho a solta. Já respirava com
dificuldade quando avistei o paraíso. Uma árvore. Não uma árvore qualquer. Era
enorme. Incrivelmente linda! Nunca tinha visto uma cerejeira igual. Florida,
folhas e flores rosa destoando da natureza ao seu redor. Só ela, ali, imponente
e ao seu lado um pequeno riacho de águas claras. Visão maravilhosa. Um oásis
dos deuses do paraíso naquele campo seco. Incrivelmente maravilhosa. Molhei o
rosto calmamente. A sombra da cerejeira nos dava uma sensação de calma
silenciosa e gostosa. Uma brisa fresca soprava de este para oeste. Sentamos
embaixo próximo ao tronco. Pés levantados. Dizem ser bom para a circulação. Dez
minutos, quinze, vinte. Uma hora. Ninguém animava em partir. Estavam todos no
mundo dos sonhos coloridos que só os escoteiros possuem.
A tarde chegou mansamente. O sol estava se despedindo e prometendo voltar
amanhã. Vermelho atrás das montanhas verdejantes. Ainda de olhos fechados
lembrei que tinha lido não sei onde – “A flor de cerejeira cai da árvore na
primeira brisa mais forte, mas não dizemos que ela nunca viveu. Uma flor que só
dura um dia, não é menos bonita por isso”. Não queria abrir os olhos. Não
queria partir. Eu tinha encontrado o paraíso. Não disseram que o tempo é
relativo? Que a flor da cerejeira, por exemplo, dura apenas uma semana e mesmo
se durasse mil anos ainda seria efêmera? Flor tão bela como ela não merecia
durar eternamente? E o que é eterno se não o que dura com tamanha intensidade? Dormi.
Não queira acordar. Agora a cerejeira não dava mais sombra. Não precisava, a
noite chegou escura, mas logo o clarão das estrelas no céu dava o seu
espetáculo a parte.
Reunião de Patrulha. Partir? Cinco a zero para ficar. Um foguinho. Uma sopa, um
café na brasa. Cantando baixinho a Árvore da Montanha. O céu estrelado ainda
dando seu espetáculo maravilhoso. Um cometa passou correndo deixando um rastro
brilhante. Fiz um pedido. Que a cerejeira em flor durasse para sempre! Aos
poucos alguns dormiam. A cerejeira das folhas rosa era nossa barraca. O tempo
passou. Ao lado algum anjo velava o sono dos escoteiros. Abri os olhos
mansamente, uma réstia de luz aportava lá por trás das montanhas distantes. Era
a madrugada chegando. O novo dia chegava sem fazer alarde. O orvalho caia de
mansinho. A brisa eterna amiga não nos deixou. Um acalanto para nos dar um novo
vigor no dia que chegava sem fazer ruído. O riacho ao lado parecia cantar
canções de ninar. Pequenos peixinhos nadavam como a nos dizer bom dia!
Mochila as costas. Olhares e sorrisos entre nós. Escoteiros avante! Pé na
estrada, pois o sol agora já estava firme no horizonte. Nosso destino? O Tanque
dos Afogados. E lá fomos nós, em marcha de estrada sorrindo, mas saibam que
nunca mais, em tempo algum, nós nos esquecemos da árvore das folhas rosa.
Cerejeira em flor. Um amor, uma lembrança que ficou marcada para sempre!
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