Crônica de um Velho Chefe Escoteiro.
O poste.
Ele
não sabia há quanto tempo estava ali naquela sessão escoteira. Podia chover
fazer sol e lá estava ele firme sem reclamar. Afinal aprendeu a ser um mero
cumpridor de ordens. Bem não vamos ser tão críticos, mas o poste nunca recebeu
um tapinha nas costas em seu aniversário. Esqueça o parabéns afinal era um
poste e sua utilidade era uma só. Segurar os fios do telefone e força elétrica
desculpe esperar as ordens do seu superior hierárquico no Grupo Escoteiro. Mais
nada. Mais nada? Ele sabia que ninguém invejava a vida de um poste. Mas cá prá
nós, ele se sentia satisfeito, o sorriso da moçada, da lobada e isto o fazia
sorrir também. Acreditava piamente que fazia sua parte na formação da juventude
no país. Um dia ele se achou mais importante do que era, mas alguém achou que
não. Notou que em todos os Grupos Escoteiros que visitava sempre tinha um ou
mais postes. Sabia sim que neles muitos foram trocados por se revoltarem com
sua condição de poste. Uns por velhice outros por atraírem beijos da meninada e
logo o acusavam de tudo. Ele se comparou ao poste da esquina. Os veículos eram
atraídos como mel nas flores e soube que o anterior um raio o partiu ao meio. Bem
ele sabia que nenhum deles fez falta. Quem sabe pensou se um dia se revoltasse poderia
dizer que eles os postes eram de uma casta muito importante?
Ele sabia que os demais
chefes riam a beça dos postes. Não tinham o mínimo de respeito por eles. - Aqui
é o fim da fila? - Uma Escoteirinha perguntou só de gosação. Ele riu e
respondeu: - Não, não, é o começo, só que estou de costa. Pois é, ela brincou,
tome cuidado com os cães! Adoravam fazer de vocês postes banheiro publico. E
olhe que algum “bebum” pode passar e acha que você é um vaso sanitário. Ele
ficou pensativo. - E daí? Ele pensou. Quem
poderia se incomodar com ele? Sabia e não tinha dúvida nenhuma que era um
poste. Sabia que lhe mandavam varrer a sede, fazer limpeza nos banheiros e
quando dos acampamentos lhe davam serviços de segunda categoria. Se o “bebum”
escorava nele, se entortava todo e em dado momento caia esborrachado no chão
não era seu problema. Ele pensava e ria. O que diria? - Nossa, caiu? - Não,
senti atração pela Terra e decidi abraçá-la. Ele ria afinal chorar para que?
Ele era apenas um poste. Ele gostava da escoteirada, da lobada e isto o fazia
feliz. Fingia não ver os erros que os chefões faziam, e mesmo ele tentando
ajudar sabia que sua ajuda não teria valor.
Um dia ouviu de o Diretor
Técnico chamar os outros chefes e dizer: - Não é melhor o mandar sumir? Afinal
é um poste e como tal é um verdadeiro perigo! Nenhum poste poderia ser
pretendente a um Chefe Escoteiro. Porque não? Perguntou a Akela mandona. -
Porque se vier alguém em alta velocidade impreterivelmente vai bater nele. Era verdade.
Ele não sabia por que as batidas eram sempre em cima dele. Quando ouvia um
cantar de um pneu fechava os olhos esperando a batida. Tentou tudo para deixar
de ser um poste e não conseguia. Por quê? Será que era o seu destino? Interessante
que se ele soubesse se existiam estatísticas do SIGUE todos os dias eram
centenas de postes que apareciam para ficar em uma esquina da vida esperando
uma batida. Afinal e pensando bem, eles os postes não eram imprescindíveis?
Será que os Grupos Escoteiros poderiam viver sem um poste? Ele um vez ficou
anos pensando nisto. Como fazer para desviar dos chefes e suas ordenanças
estapafúrdias. Reclamar? Ele sabia que não podia, afinal era um poste pombas!
Ele sabia que desde os primórdios do escotismo existiam os postes. E olhe que
sempre tinha um para lhe recordar que o poste Escoteiro é obediente e
disciplinado.
Mesmo de família
importante ele não deixava de ser um poste e pensou até em fazer uma Indaba com
todos os postes do Brasil. Vamos nos revoltar? Vamos mudar de esquina e ir ser
poste em outro lugar? Ele não gostava das eleições. Todos se julgavam no
direito de colar cartazes, santinhos e ele ficava uma sujeira só. E depois
diziam que eles eram civilizados e ele um poste. E as piadas? Detestava. Tá lavando a calçada?
– Não, tô regando prá ver se nasce aqui um pé de poste. Era assim nos fogos de
conselho. A escoteirada e lobada ria a mais não poder. Alguns sentiam pena, mas
eram motivados pelos durões chefes Escoteiros. Sonhou um dia que um policial
deu um tapa num marginal e o prendeu no poste. Era ele. Não pode fazer isto
aqui, ele queria dizer ao policial. Mas ele nem aí. Deixaram o marginal lá por
dois dias e depois soltaram. Ele teve de ficar ouvindo o matraquear do marginal
que prometeu matar ele, seu pai, sua mãe e todos que tinham seu sangue.
É, dizem que é isto
mesmo. Poste é poste e não adianta discutir. Está ali para ser mandado, sabe que
sua estirpe, sua árvore genealógica sempre foram postes. Quem sabe um dia iriam
reconhecer seu trabalho? Afinal poste é poste e ser humano é ser humano. Não
diziam que o espelho das sombras é um poste iluminado? Afinal será que você
quer passar o resto da vida vendendo ilusões ou quer ter uma chance de mudar o
mundo? Isto dê o primeiro passo, deixe de ser poste, educadamente mostre que
você pode fazer tão bem como eles fazem e se não acharem assim, o melhor meu
amigo é por seu boné e procurar outra esquina e continuar sendo um poste! Cadê
o poste? O poste sumiu! E o au, au que queria fazer xixi? Cadê o poste! O
poste já era. O poste foi ser Chefe Escoteiro que era seu destino. Agora ele
sabe a diferença de um poste e aquele que é amigo de todos e irmãos dos demais
Escoteiros.
- “Dizem que em
muitos Grupos Escoteiros tem um ou mais postes. Aqueles que deixam o tempo
passar sem preocupações. São aqueles bem mandados, que aceitam tudo, que não
discutem e sempre com um sorriso nos lábios a dizer: sou feliz, pois amo esta
meninada e faço tudo por eles. O que outros fazem não me preocupo. Seria ele um
poste”?
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