Lembranças
da meia noite.
A
Ampulheta do tempo.
O
tempo passa. É mais que o relógio que marca as horas. Inexoravelmente. Algumas
vezes ele deixa marcas, tristezas e alegrias, outras não. Marcas que ficam
gravados na memória e até em nosso próprio modo de viver. Um dia, a beira de
uma estrada com uma reta infindável eu comecei a notar a passagem dos carros em
alta velocidade. Até aonde a vista alcançava eu via um automóvel pequenino que
se aproximava e seu tamanho ia aumentando. E quando eu ia ver quem estava
dentro dele ele passava tão rápido que não podia ver. Em grande velocidade ele em
alguns segundos desaparecia na estrada sem fim. E assim veio outro e mais
outro. Significava o que? Quem sabe a medição do tempo? Mas é possível medir o
tempo? Dizem que ele passa tão rápido que nem percebemos.
Sei que não se pode medir o tempo. Filosofando seria possível dizer que
ao nascermos alguém virou a ampulheta e nossa vida começou a ser contada. Tic
tac, tic, tac. Claro, um dia está ampulheta irá ficar vazia. Durante nossa
jornada, ela vai marcando o nosso tempo. Na primeira década estávamos a
descobrir coisas. Aprender o certo e o errado. Brincar, sonhar, coisas de
meninos e meninas. Na segunda década a puberdade. O mundo fácil de alcançar. O
primeiro amor, a descoberta dos sonhos. Vem à terceira década. A escolha de uma
cara metade para fazermos uma vida juntos para sempre. A faculdade, o emprego,
os negócios, os sonhos deliciosos de um futuro promissor. Há quarta década
começa a assustar. Nem tudo deu certo. Muitos dos sonhos não se realizaram. O
poder, a riqueza, o ser feliz para sempre se tornou um conhecimento pragmático
do mundo que ficou para trás. Há quinta década, a autoanálise. Valeu? Esqueci
alguma coisa? Era o que queria? E aparece assim de repente há sexta década. A
ampulheta está se exaurindo. É hora de pensar em tudo que realizou.
Lembro-me de tudo que aconteceu comigo. A mesa cheia de filhos, netos,
genros, noras, sogra, cunhado. Alegria só. Olhava para todos e pensava que
quando viraram a minha ampulheta nada daquilo existia. Era eu somente. A
ampulheta não parou, produziu tudo aquilo que estava em volta de minha mesa.
Era como um leque que aos poucos se abria. Sorria, pois apesar de tudo, de
sonhos que não se realizaram, das fantasias esquecidas no fundo de um bornal,
havia um “que” de felicidade. O tempo foi passando, pois assim passam todas as
coisas do tempo. Esperar o próximo ano. Sem planos. Sem sonhos. Vivendo o dia
como ele é. Fechar os olhos para não ver o automóvel sumir na estrada do tempo.
Fechar a mente para não ver e sentir o último grão de areia da ampulheta da
vida.
A cada ano eu dava um viva por chegar até ali. Mais um dia que o tempo
vai me presentear. E quantos anos eu tenho mais? Não sei e não importa. Sejam
bem vindos todos que vierem. Aproveitar os minutos e segundos que ainda posso
ter. Ver meus familiares reunidos, barulhos, sorrisos, gargalhadas, Olhar a
cerveja e aquele uísque com olhos brilhantes de não poder mais e pensar como
eram deliciosos no tempo que um dia se foi. Em Eclesiastes, eu li um dia que –
“Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do
céu: O tempo de nascer e tempo de morrer. Tempo de chorar e tempo de rir. Tempo
de Abraçar e tempo de afastar-se. Tempo de amar e tempo de aborrecer. Tempo de
guerra e tempo de paz”.
Melhor seria copiar Charles Darwin que foi verdadeiro em suas palavras –
“O homem que tem coragem de desperdiçar uma hora do seu tempo não descobriu o
valor da vida.” E assim, de ano a ano em vou ficar a pensar quando será meu
último. Melhor mesmo é não se preocupar. Cada ano vivido deve ser alegre e
assim ainda sonho em viver muitos anos nesta marcha implacável e inflexível da
Ampulheta do Tempo!
Boa noite meus amigos e minhas amigas. Durmam bem.
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